Linchemos os fumantes!!!

 
Linchemos os fumantes!!!
 

          Entra em vigor, nos próximos dias, uma lei estadual aqui em São Paulo que proíbe fumar em qualquer ambiente público. A sanções consistem na aplicação de pesadas multas aos responsáveis pelos estabelecimentos e, na reincidência, fechamento temporário. Os fumantes devem ser incentivados a não praticarem atos fumacentos, caso contrário, a polícia poderá ser acionada. Denúncias podem ser feitas até por telefone e – pasme! – inclusive por e-mail.


          O tabagista, se quiser, que se valha de seu sagrado ambiente doméstico ou vá zanzar pela rua, enquanto fuma. Outras exceções são hotéis e cultos religiosos em que fumar se insira no contexto de seus rituais, desde que haja algum sistema de ventilação que proteja os não fumantes dos indesejáveis efeitos da fumaça. Menos mal! Os pretos velhos podem continuar tranquilamente assistindo aos consulentes nos terreiros por aí e ninguém poderá roubar aquele prazer de dar uma fumadinha depois das peripécias no motel.


          Não se espante porque, mesmo sendo eu um fumante, não irei atacar a nova legislação e, tampouco, defender o direito de continuar baforando onde bem me der na telha. Certamente, a boemia já não será a mesma. Fico só pensando que, se isso valesse generalizadamente décadas atrás, a Bossa Nova poderia ter sido precocemente abortada em algum apartamento carioca, pela mera inviabilidade de reunião de boa parte dos criadores daquele movimento. 


          Indo além, talvez Groucho Marx desfalcasse a trinca de irmãos que animou tantos filmes e Winston Churchill fosse defenestrado de seu cargo, deixando de ser um dos líderes da resistência aliada durante a Segunda Guerra Mundial.


          O que me incomoda, na verdade, não é o espírito da lei, em si, mas sim, o verdadeiro movimento de demonização dos fumantes. Qualquer alcaguete politicamente correto poderá, em última instância, provocar o acionamento da polícia se encontrar reles bitucas de cigarro no banheiro de algum botequim. Ou quem sabe, alguma loira oxigenada, ao despertar numa manhã pós-balada com seus cabelos fedendo a cigarro, resolva acionar a fiscalização pública num e-mail cheio de rancor.


          A população dos não fumantes em geral está festejando a bandeiras desfraldadas, espalhando descomposturas públicas em qualquer um que se saiba apreciador do hábito de fumar. Agora, enfim, eles podem desaguar seu revanchismo, pregando o ódio, o desprezo e a degradação dos incômodos seres fumígeros que, até pouco tempo, desfilavam seu prazer sem constrangimentos. 


          A campanha tomou um vulto sem precedentes: “linchemos e exterminemos os pecadores que o pecado há de ser eliminado!”. Stalin agia assim contra os dissidentes. Já pensou se isso se aplicasse ao mais das coisas? Onde este mundo iria parar? 


          O que sei é que escolas estaduais que padecem da falta de professores não podem ser denunciadas a ninguém por telefone ou qualquer outro meio. Ainda, quando o metrô fica apinhado de gente até a tampa, colocando seus usuários em condição desumana, não há como acionar a polícia por e-mail. Quando morrem pessoas no aguardo de atendimento nos ambulatórios de hospitais públicos, não há contra quem reagir. Nem há fiscalização oficial para restringir a extorsão que flanelinhas ou cambistas praticam às claras, sem a repressão de ninguém. Da mesma forma os ambulantes que distribuem produtos piratas nas ruas. Pois é! São dois pesos e duas medidas. 


          Em ano pré-eleitoral nosso governador conseguiu mobilizar a população em torno de uma medida polêmica e que distrai a todos dos verdadeiros e principais problemas que o poder público deveria cuidar. É uma premeditada cortina de fumaça a cegar os olhos da população e que é muito mais perniciosa do que as que eram proporcionadas pelos fumantes.


          Fazer o quê?!