A ÂNSIA

A ÂNSIA

Amo, na distância, um amor

que não será amado quando perto.

Ao alcance do tacto, do beijo,

esvanecer-se-á e será reles desejo

que pela manhã deixa cheio o cinzeiro.

Amo a distância que dele me separa

como o próprio amor que a ele dedico.

Muitos são os silêncios em minha alma,

como são muitos os passos de toda uma vida.

Em todos esses silêncios há o amor,

como nos passos.

Há amor nos tendões, nervos, ligamentos

sangue, pele, pelos tudo é amor, posto

não haver pensamentos em quando atiro

a perna à frente, à frente, e nos silêncios.

Se puder tocar o objeto do amor, de que vale o amor?

Se posso dar fim à ânsia, de que vale o sacio?

-Ser apenas um corpo vazio a bocejar no escuro?

Ah!, como são reles os que se atiram a findar o amor

como se fosse ódio o que sentissem e fosse

amar estar vazio: Lata de atum no cesto da cozinha.

É preciso amar o amor como se fosse medo.

Evitar a satisfação; ansiar e mais amar a ânsia

para evitar que se aproxime o corpo do vazio.

Quanto mais quero menos esqueço o desejo

e adoro o que amo.

Esvazio-me de mitos quando amo

Ando leve, atirando olhares

semprenovidades ao mundo que vejo.

Extensos são os desertos de minha alma,

com muitas construções a disfarçar o vazio.

Nesse deserto, quando chegam a noite

e a lua plena, o vento traça figuras na areia.

Muitas são as figuras traçadas em meu coração.

Os sentidos são estúpidos. Estão explodindo, exigindo,

tornando-me louco por visões, audições, gostos

que me esvaziem do amor que sinto.

Amo tudo o que está longe.

Se vejo pedras, sou pele; se sou algas, amo o deserto.

Amo a impossibilidade do amor

como amo o amor.

As coisas que vemos são puras coisas,

não possuem encanto.

Quanto maior o conhecimento dos símbolos,

menor a ânsia. Quanto mais conheço mais padeço

de desamor. Mais exijo conhecer para menos

me encantar ou procurando algo que não

entenda para a esse me entregar e amar.

Amo as crianças quando me perguntam

"o que é isso, aquilo?" e me detesto ao responder.

Quanto mais sei menos amo e busco, cocaína,

maiores quantidades de inusitados

para, enquanto não os entenda, amá-los.

Quanto mais conheço, compreendo, mais endureço

meu coração, minha'lma e mais sofro.

Quanto mais entendo, mais disfarço os desertos

de minha alma, mais afugento o vento,

mais escorraço Deus das minhas dunas.

A cada dia mais vejo e menos percebo.

Em breve de tudo terei ciência e chegará a hora

em que o deserto será tão extenso e irreconhecível,

o frio tão intenso que o coração se negará

a continuar traçando figuras ao vento.

Quando chegar esse momento, terei medo

e não mais poderei amar o que desconheço.