TERRA 1

TERRA 1

Cá, nesta ilha onde o mar ressona,

o tempo passa indiferente

como passa para os distraídos.

Estou cá, nesta ilha onde o mar descansa

de tanto correr terras diferentes,

distraído, e o tempo passa sem murmúrios

que venham atentar contra meu enlevo.

Afundo meus pés na areia deixando

rastros que o tempo e mar erosarão

e tudo voltará a ser igual planura

quando eu passar pela praia

e iniciar sobre as pedras.

Um dia cá naufraguei e perdi bússola,

armas, meu orgulho e relógio.

Nao sei que dia é nem me pergunto por datas.

Esqueci todos os aniversários, as festas

e passo o dia a sulcar a areia úmida

com medo de passar para as pedras

sem deixar uma marca sequer nesta ilha.

Estive naufrago durante muito tempo

sem esperanças de encontrar terra adiante.

Olhava o horizonte por que todo naufrago

olha o horizonte! Como nao tinha mais esperança

de terra, encontrei-a. E vim dar nesta ilha, acá .

Nao posso dizer que me alegrei.

Por fim já me conciliara com o sol e idéia

de terminar naufrago. O sol era o sofrimento.

A morte consolava-me.

Ver terra mudou tudo: roubou-me a amiga,

tirou-me a dor, à qual me acostumara.

Era para estar feliz, como o naufrago esperançado

estaria. Como nao esperava mais nada, salvei-me,

por que tinha que salvar-me.

É obrigacao no homem e instinto do bicho.

Agora já nao estou à deriva no mar que embalava

meu sono e me fazia sonhar com terra.

Estou em terra e sonho co' mar.

E nos meus sonhos estou à deriva.

Odeio esta ilha mas compactuo e usufruo

dela tudo que posso, que me caia à frente.

Os outros, os náufragos que moram em mim,

rejeitam mas aceitam tudo

por ser a ilha tudo e o mar, triste,

embora descanse aqui do seu trabalho verde.

Estou ilhado, preso a essa armacao

que me suporta com meu medo de mar

e meus anseios de voltar a ser náufrago.

Estou ilhado e os à deriva em mim

imprimem suas marcas

no meu pé que caminha pela praia

onde o mar, adormecido, sonha com terra.

Terra firme, segura, onde nao mais tenha

que viajar tantas léguas

para banhar outras terras

e limpar a areia de tantas marcas de patas

que os ilhados cismam em imprimir no chão

crendo que por aquelas marcas, aquelas palavras

pudessem voltar a ser náufragos

para sonhar com terra macia, sem pedras

onde, livres, caminharão.