ACALANTO

ACALANTO

Queria te contar como é o lado de lá

o lado escuro da tua ausência

O amargo que me travava a língua, beberagem,

ao simples pensar na tua imagem.

Queria te contar coisas nas quais não acreditarás

que apenas viverão, ebulição, dentro de mim

jamais sendo traduzidas na pobreza do idioma

que todas as palavras já foram ditas

mas nenhuma reduzirá a termo a tua falta.

Os dias assim passam em anos

As horas demoram a escoar pelo sol

atravessam a lua, debruçam-se sobre os meus ombros

e aguardam que se transforme em dor o tempo.

Pela minha falta de ti, imagino tua falta de mim

e sofro por pensar que sofres por mim.

Essa angústia, ciclope de enorme,

que me devora, hora após hora, que se debruça

e de mim, de ti, sorri, como sorriem as distâncias

que afastam os que amam.

As noites em que fiquei à janela

imaginando, sonho de viúvo, a presença dela

são incontáveis: meu sono era turvo

prisioneiro sem cela

Quando te contar dessas coisas

Momentos em que mais vivi em ti

quando não a tinha perto de mim

decerto não derramarei lágrima

que dentro da saudade que me devorava

da distância que me torturava

muito mais a ti eu amava

de um amor que não se traduz em palavra.

Agora, quando passam ruas e árvores

na velocidade enorme da saudade

que me aproxima aos poucos dos teus braços

tenho a impressão estar voltando para casa.