Idéia

Eu não lembro ao certo como tudo isso começou, mas acredito que foi a partir de uma idéia.

Era começo de fevereiro. Coloquei minha cabeça para fora da janela e olhei para para baixo e para cima; e foi de lá de cima que vi o processo contínuo da minha vida até lá em baixo.

O sol está brilhante e sorridente. Ele faz isso só para me provocar. Faz o dia iluminar para o que está ao redor - as plantas, a água, as cores, as pessoas - brilhar, enquanto que o verdadeiro tempo é nublado, cinza e morto, e ao redor estão: o sofrível, o irritante, a insatisfação e o detestável.

Eu não quero mais nada, mas não quero sofrer.

Eu só preciso lembrar que eu sinto muito raiva. Muita raiva mesmo!

A violência me fascina mais e mais. Quanto mais espectador sou da violência fictícia e real, mais acumulo minha violência pessoal.

A era da ira, mas tudo controlado pela ilusão.

A violência aumenta no cinema para eu sair satisfeito e mais rancorozo.

Minha raiva vai se acumulando.

Algumas pessoas projetam suas raivas para si; enquanto outras para os outros.

Algumas pessoas projetam seus amores para si; enquanto outras para os outros.

Meu eu oscila entre o ódio e o amor.

No ônibus quero odiar, em casa quero amar. Quero me odiar, mas quero amar.

Meu eu oscilando entre amor e ódio. Duas palavras diferentes em sentimentos, mas próximas em efeitos: para amar uma parte eu preciso odiar a outra. Não há amor sem ódio, pois se amar é se entregar ao outro, então temos que nos anular; e para se anular, precisamos entender que nossas vidas é tão odiável que não vale a pena nos prezar.

Toda terça-feira eu a entrego.

Toda terça-feira eu espero uma hora.

Toda terça-feira minha raiva vai aumentando.

Ela: escondendo-se da vida e não encarando a realidade.

Eu:encontrando a vida dela e encarando sua realidade.

Manipular é pedir para se inferiorizar.

Montar um mundo de fantasias é acabar com esse mundo.

Mas se ela não vê seu mundo desabar, então não consegue me enxergar.

No meu peito ela não irá chorar.

Não será meu nome que irá chamar.

Por que quem ama o outro, nas ilusões e nas felicidades desse não está. Quem ama realmente deve se preparar para se magoar; deve se preparar para o dia que a pessoa amada irá dizer que você nada fez para lhe agradar, nada fez para lhe salvar, que não foi um companheiro, que não valeu a pena, que você não sabe o que é amar. É somente quando ouvimos essas coisas que sabemos que acreditamos no amor e amamos, porque amar é estar no lado sofrível e odioso da pessoa amada, estar no lado que essa pessoa nunca quer enxergar, nunca irá olhar, nunca irá vivenciar e nunca vai estar com você para dizer "Obrigado por me amar".

Mas se queremos viver num mundo de desamor, então vamos estar no lado bom do instrumento que escolhemos para nossas vidas passar, até vermos que o mundo acabou, o vazio chegou e de ambas as partes nunca houve nada, a não ser a aparência ridícula e sem vida de dois seres egoístas que nunca se conheceram.

Há palavras que machucam, mas há outras que matam. Eu segurando sua mão, abraçando-a com meu amor e vivenciando sua tristeza, para no fundo ouvir: "Somente o outro para te consolar".

Sim, é dele que irá precisar, pois ele não sabe o que é amar, não quer estar na sua tristeza, quer remontar o seu mundo de ilusão para você continuar olhando para frente sem ver que atrás a realidade se desintegra até virar o vazio que irá moldar e determinar sua vida.

Em mim não encontrará seu companheiro.

E minha raiva continua aumentando.

Devo me calar quando devo falar.

Devo não escutar aquilo que é para se escutar.

Devo não olhar para aquilo que é para se olhar.

Ouço meus dentes rangerem; meu corpo estremecer; meus olhos se avermelharem; e minha mão se fechar.

Escuto meu coração bater.

Encontro o demônio que está em minha cabeça.

É minha raiva querendo sair. Querendo se libertar.

Minha raiva alimentada e forte.

Entopindo meu coração e esmagando o amor que aqui habita.

De mim não sei o que se libertará.

Qual outro será de mim.

Meu eu puro: instintivo, amoral e anti-social.

Meu eu de verdade.

Minha cabeça está para fora da janela.

O horizonte está encoberto por uma luz fraca de exaustão.

Vejo o crepúsculo. Vejo cair, vejo acabar.

Fecho os olhos

Suspiro.

Estou exausto.

E minha idéia?

É ver tudo desmoronar.

Plínio Platus
Enviado por Plínio Platus em 24/07/2008
Reeditado em 05/08/2008
Código do texto: T1095671