O homem do facão

Casado recentemente, morando em Penedo a cerca de um quilômetro do local do trabalho, para onde ia a pé, um dia resolvi tomar um atalho para encurtar o caminho. Havia percebido que saindo pelos fundos da casa, pegaria um caminho já formado pelas pessoas que por ali passavam. Iria então pela hipotenusa e não pelos catetos, que aumentaria a distância tendo de dobrar na próxima esquina, se fosse pela rua. Por trás, o terreno parecia abandonado, pois não havia nenhuma plantação. Não vi também ali a presença de animais. Imaginei que o caminho estava livre, com aquela marca permanente, com a ausência de pastos, em razão das pisadas dos transeuntes. Pensei comigo mesmo: “a partir de hoje vou ganhar tempo, indo pelo atalho”. Saí caminhando todo satisfeito, olhando as árvores e ouvindo o canto dos pássaros, ao tempo em que pensava que já deveria ter feito isto antes, ao invés de ir pelas ruas, onde o calor é maior.

Quando já ia a mais da metade do caminho, avistei uma casa, em torno da qual algumas árvores mais frondosas. Ouvi uma voz que dizia: “Ei, por aí não. Volta, volta!”. Prossegui, imaginando que não era comigo. Ao insistir, ouvi novamente o volta, volta. Parei, olhei ao redor para ver de onde partia a voz. Era um homem tipo característico da roça. Chapéu de couro, roupão azul de cima a baixo, facão na cintura e alpercata estilo xô boi, parecendo mesmo um sertanejo.

- Opa! Disso eu entendo, pensei. Facilmente vou convencê-lo a me deixar passar. - Meu amigo, é a primeira vez que estou passando por aqui, não sabia que era proibido, só vim porque vi o caminhozinho já formado.

- Caminho formado por gente que não tem vergonha, não entende que aqui tem dono, respondeu o homem.

- Pois é meu amigo, então me desculpe. Eu não sou daqui, não conhecia o caminho, só vim por aqui porque vi outras pessoas passando.

- Então volta e não venha mais. De hoje em diante aqui ninguém passa. Esse povo precisa criar vergonha, disse já aumentando o tom de voz.

- Tentei ainda argumentar, dizendo ser a primeira e última vez, já que estava sabendo da proibição. Pedi que pelo menos me deixasse passar aquela vez para não chegar atrasado ao trabalho. De repente, vi o homem desembainhar o facão, levantou-o em punho, tipo espada dos antigos cavaleiros andantes e respondeu: “por aqui não, se vier leva facãozada”.

- Decepcionado com os meus argumentos, sem a mínima chance de convencê-lo, dei as costas e peguei o meu caminho de volta. Tinha ainda de olhar para trás, temendo que o homem viesse em minha perseguição. Sabia que pela diferença de idade, ao menos na carreira eu ganharia dele. Assim, voltei no meu ritmo normal de caminhada, sempre olhando para trás, confiante na minha destreza se preciso fosse usá-la. Portanto, que ninguém me diga que eu corri da parada, eu apenas caminhei.

Mais uma lição para evitar o atalho. A vida é cheia de caminhos tortuosos em que a gente deve trilhar, não se desanimando com a demora em chegar ao destino. Pior é, levado pela pressa, ficar no meio do caminho.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 08/08/2008
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