Repórter Esso

Terça-feira, 24 de agosto de 1954. Precisamente aos 11 anos e 6 dias de idade, acordo cedinho e vou ao rio tomar banho. Vejo os primeiros raios do sol, refletindo sobre as águas serenas do São Francisco, que àquela hora parecia um espelho. Não há maretas, quando o vento está calmo. Tenho uma boa missão logo pela manhã. Levar o leite para cidade e fazer a distribuição porta a porta. Eram poucos os clientes, em razão da nossa pequena produção. Era uma tarefa mais divertida, coisa diferente. Melhor do que ficar cuidando da roça ou dos animais. O vizinho de um quilômetro gostava de nos acompanhar, pela curiosidade de ver as coisas da cidade. Ficou curioso para conhecer um dos nossos clientes, um funileiro, sempre ocupado em seu ofício, que chamava a esposa para nos atender com o seu habitual “oia o leite Porfíria”. Para nós, crianças, tudo era engraçado. Até a sua entonação de voz ao chamar a mulher era motivo de nossas galhofas nos comentários que fazíamos lá na nossa Bahia.

Naquele dia, encerrada a entrega, quando já voltávamos pela rua principal da cidade, em pleno centro, ouvi aquela vinheta do Repórter Esso, em edição extraordinária, que atraiu algumas pessoas para a janela de uma casa onde o rádio estava ligado. Ouvi o comentário dos que se acotovelavam sobre a janela, falando da morte trágica de alguém. Aproximei-me também pela natural curiosidade, quando fiquei sabendo que se tratava de Getúlio Vargas, o Presidente da República. Como na minha casa não tinha rádio, fiquei ainda mais curioso para saber os detalhes daquela notícia, para contar aos pais e aos irmãos mais velhos. Os mais novos nem iam entender o que era Presidente da República, até porque eu mesmo só entendi que era “o homem que mandava no Brasil, o pai dos pobres”, era assim que o meu tio dizia, quando se referia ao Presidente.

Como foi a primeira vez que ouvi o Repórter Esso, logo noticiando um fato daquela natureza, aquela vinheta que já era uma marca do noticiário nacional ficou também na minha memória assim como para todos os brasileiros da época. Na sua última edição, em 1968, o repórter Heron Domingues, com a voz embargada pela emoção, faz uma retrospectiva dos principais fatos noticiados pelo Repórter Esso, que começou em agosto de 1941. E assim ele encerra: “Amigo ouvinte aqui fala o Repórter Esso, testemunha ocular da história”. Entre outros fatos informa: 1941, os japoneses atacam a base americana de Pearl Harbor; 1954, suicídio de Getúlio Vargas; 1959, Fidel Castro vence Revolução cubana; 1968, Estados Unidos em foco, americanos fazem a sua primeira viagem em torno da lua. Assim, o Repórter Esso já não anunciaria a chegada do homem à lua, que ocorreu um ano depois de sua última edição. Pela sua importância para a época, era tanto quanto o nosso Jornal Nacional de hoje.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 08/08/2008
Reeditado em 25/08/2008
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