O matuto na capital

Ainda na década de sessenta, na época do governo militar, encontrava-me em Recife, quando tomei conhecimento de que o então Presidente de República, Marechal Arthur da Costa e Silva desembarcaria no aeroporto dos Guararapes, no horário da manhã, tendo a SUDENE como seu primeiro destino. Levado pela curiosidade de ver de perto a mais alta autoridade do país, além de poder ver aviões de grande porte, pensei em ir até o aeroporto com essa finalidade. Antes, passei pelo Escritório de Representação da CVSF – Comissão do Vale do São Francisco, para visitar alguns colegas e ao mesmo tempo fazer com que eles soubessem da minha presença na capital, em férias, movido até pelo exibicionismo do matuto usufruindo das coisas da capital.

Pela satisfação em visitar a estação radiotelegráfica, com a qual me comunicava diariamente, o encontro com os colegas Radiotelegrafistas levou-me a atrasar a ida ao aeroporto. No momento em que conversávamos, eis que entra uma pessoa um pouco assustada pedindo para ligar o rádio, porque acabara de ouvir ao lado a notícia de que uma bomba havia explodido em pleno saguão do aeroporto, com vítimas. Ao mesmo tempo em que lamentávamos o fato, eu me sentia aliviado por ter antes passado por ali, atrasando o intento.

Mesmo admitindo a hipótese da ação terrorista premeditada para atingir o Presidente, não desisti de vê-lo pessoalmente e fui para o local da SUDENE, no centro da cidade, onde a segurança foi reforçada em face do atentado no aeroporto. Vendo todo aquele contingente do exército formando um cordão de isolamento em torno do prédio, fiquei naquela expectativa para ver o “homem” passar. Desejava contar ao tio, que nunca saíra do seu interior, ter visto de perto o Presidente da República. Ele era um apaixonado por militares, mesmo desconhecendo os prós ou contra do regime. Batia no peito orgulhosamente dizendo ter conhecido o Marechal Castelo Branco, quando ainda era tenente e ali passara por ocasião da Intentona Comunista, no ano de 1935.

Nós, os sobrinhos, não dávamos muito crédito ao que ele dizia, até porque na época ali não havia rádio nem jornais. Mesmo quando o Marechal Castelo Branco assumiu a presidência, ele ainda não teve acesso à sua imagem, pois ali não havia televisão. Meu irmão, curioso para testar a veracidade da informação de que ele teria visto o então tenente Castelo Branco, perguntou-lhe como era ele. O tio prontamente deu as características, principalmente confirmando aquela com que ficou conhecido em todo o Brasil: “baixinho, troncudo do pescoço enterrado”. O irmão ficou satisfeito com a resposta que bateu certinho com a imagem que já tinha visto na televisão. O tio confirmou mais uma das qualidades do sertanejo: “a verdade, somente a verdade”. Já se dizia na época que palavra de sertanejo vale mais do que qualquer papel assinado.

Ao meu retorno, fiz-lhe um relato do que vi e ele bateu no peito orgulhosamente, dizendo: “eita menino danado, já viu até o Presidente de República”. Valeu a presença do matuto na capital.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 11/08/2008
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