O vôo inaugural

O meu primeiro vôo ocorreu na década de 60, num monomotor Cessna de prefixo PP-FCM, com capacidade para quatro pessoas, aí incluindo o piloto. Íamos para a cidade de Curaçá, na Bahia, depois para Coripós, hoje Santa Maria da Boa Vista, em Pernambuco, ambas às margens do São Francisco. Um radiotelegrafista e um rádio técnico para um serviço de manutenção nas estações radiotelegráficas daquelas cidades. Ao levantar o vôo, logo o avião toma o rumo da Bahia, sobrevoando a cachoeira de Itapiraca, bem próxima à cidade de Petrolândia. Ignorando que a sensação de velocidade só ocorre em razão de um ponto de referência, ao olhar para baixo achei que o avião estava parado. Veio aí o meu primeiro susto. Cairia exatamente sobre as pedras da cachoeira ou nas suas grandes quedas d’água, onde nenhum bom nadador seria capaz de escapar. Procurei me conter para não mostrar a minha ignorância, olhando no semblante do colega que já era acostumado a voar. Como aparentava a mais completa tranqüilidade, logo fui admitindo que estava mesmo tudo bem. O piloto já conversava com o companheiro que logo revelou que era a minha primeira viagem aérea. Como é natural, eu poderia estar um pouco temeroso, vendo o chão lá embaixo. Aproveitando da minha inexperiência, o piloto quis me pregar mais um susto. Mas, pelo piscar de olhos, logo percebi a trama. Desligou algo no painel, deixou que o motor ficasse falhando e passou a olhar para baixo, com ar de assustado, pedindo que nós também procurássemos identificar uma área limpa para um pouso de emergência. Como o gesto diz mais que as palavras, não adiantou essa manobra. Os poucos minutos já me davam segurança, até porque nunca acreditei em azar. Não seria logo na primeira vez que o bicho iria cair comigo

O vôo demorou em torno de 50 minutos. Descemos num campinho de pouso meio abandonado, com o mato rasteiro já um pouco grande, encobrindo possíveis tocos ou pedras ali existentes. Fomos cercados por uma multidão de curiosos, crianças e adultos. O piloto, meio brincalhão, perguntou: “nunca viram um avião assim de perto”?

Responderam que somente uma vez por ano ali descia um avião da SUCAM. Estava explicada a falta de manutenção do campo. É tanto que na decolagem uma das rodas bateu num toco e quebrou o cabo que serve de guia. Se chegasse a decolar nada afetaria ao vôo, mas colocaria em risco a aterrissagem. Mais um susto para o estreante.

O piloto parou a tempo, desceu do avião e substituiu o cabo, afirmando não haver nenhum risco. Em seguida, decolou para Coripós, cidade muito próxima, não levando mais do que 15 minutos para o primeiro pouso após a substituição do cabo. A partir da próxima decolagem, já contava como se fosse o meu terceiro vôo, afastando qualquer medo.

Daquele dia em diante tornei-me um viciado em pedir carona para Recife ou Paulo Afonso, sempre que houvesse vaga. Fugindo das atribuições específicas e levando em conta as dificuldades da região em termos de assistência médica, aquele aviãozinho fazia muitas vezes o papel de ambulância, levando doentes para Paulo Afonso, Campina Grande ou Recife. O administrador da colônia agrícola tinha autonomia para assim proceder, fazendo daquela aeronave um bem de utilidade pública. E isto ocorria também em pleno governo do presidente Jânio Quadro, que adotou a expressão “Uso Exclusivo em Serviço” para qualquer tipo de transporte oficial.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 11/08/2008
Reeditado em 19/08/2008
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