O pouso de emergência

Ainda na mesma aeronave de prefixo FCM, chamado na radiofonia por Fox Charles Mike, achei por bem pegar uma carona para Recife, num dia em que o tempo estava bom em Petrolândia, popularmente conhecido como “céu de brigadeiro”. Não imaginava o que nos esperava mais a frente: um tremendo temporal que assustou a todos nós. No banco de trás, apenas eu. Na frente o piloto e o administrador da Colônia Agrícola, o nosso grande chefe, que tinha uma postura de militar, mesmo sendo civil. Muito disciplinado, jeito de durão, todo ético e moralista. Não entendendo a dimensão do perigo, olhava para o piloto, observando bem no seu semblante para sentir a sua expressão de calma ou pânico. Via também a preocupação do chefe que também fitava o piloto e sempre perguntando sobre o procedimento que ele ia adotar. À medida que se aproximava das pesadas nuvens escuras, via que teria de desviar o rumo, pelo risco que causava a uma pequena aeronave, o conhecido teco-teco. Àquela altura, já percebíamos a preocupação do piloto, dizendo que não dava para continuar. Teria de voltar na direção do sertão, onde o tempo poderia estar melhor. Fez a manobra e exclamou: “estamos cercados, vejo que para lá está tudo escuro também, com pesadas chuvas”. Já íamos próximos à cidade de Caruaru e a sua intenção era voltar e descer na cidade de Arcoverde, mas alegou que não dava mais tempo.

Como é normal o medo provocar uma dorzinha na barriga, alguém ali já soltava alguns gases. Sendo três o número de pessoas a bordo, ficava aquela dúvida sobre quem era o autor, o que não ocorreria se fossem apenas duas pessoas. Poderia deduzir: se não fui eu foi outro. Diante da impossibilidade de prosseguir com o vôo ou mesmo voltar até Arcoverde, resolveu descer em Belo Jardim, onde havia um minúsculo campo de pouso, próprio apenas para teco-teco.

Ao sentir-me em terra firme, desci às pressas do avião e saí em disparada na direção de umas catingueiras, que me serviram de WC, algo já habitual para o sertanejo. Aliviado do desconforto abdominal, volto cabisbaixo para a aeronave, na certeza de que os dois já haviam identificado o autor dos puns. A situação não era muito agradável para mim, até porque causei certo incômodo logo ao chefe. Ali ficamos cerca de uma hora, até que a chuva passou e deu condições para prosseguir o vôo. Descemos no Aeroporto dos Guararapes, de onde cada um tomou o seu rumo. O piloto com a sua habitual gentileza ainda me disse: “voltarei depois de amanhã, sozinho, o chefe fica. Querendo uma carona de volta é só me esperar aqui”. Mesmo podendo ficar mais dias em Recife, resolvi voltar com ele. Uma boa oportunidade para curtir melhor o vôo, sem a presença do chefe, fazendo aquelas perguntas curiosas sobre o que via lá em baixo.

Felizmente o tempo estava bom, visibilidade total, sem nenhum indício de nuvens no céu. O piloto ia narrando tudo que estava lá embaixo: cidades, rios, lagos, montanhas, dando o nome de cada um. Ali já era a sua rota habitual. Do interior para a capital era sempre o destino mais freqüente. Era uma tardinha, quando descemos em Barreiras, a colônia agrícola, em seu campinho de pouso localizado na Santa Helena, próximo do Escritório da Administração. Vou direto para a “ruinha”, assim chamado o pequeno povoado onde funcionava a feira. Era ali onde eu morava com a irmã, ainda na condição de solteiro. Como é comum num pequeno lugarejo as pessoas ficarem sabendo sobre tudo que o outro faz, veio a curiosidade de alguns querendo saber por que eu voltei tão rápido do Recife. Sabiam que lá eu tinha uma tia, onde podia demorar mais, uma vez que fui a passeio e não a negócio. Não ia revelar que era pra sentir o gostinho de voar naquele teco-teco. Simplesmente dizia que – “eu voltei porque aqui é o meu lugar”, não me acostumo com as coisas da capital. O dia anterior foi exatamente aquele em que escapei da explosão da bomba no Aeroporto dos Guararapes, cujo atentado seria ao Presidente da República, o Marechal Arthur da Costa e Silva, que por sorte a sua chegada atrasou, assim como eu também me atrasei em razão do bate-papo com os colegas, ocasionando a desistência, com a notícia do atentado. Nessas horas, a gente valoriza mais a vidinha pacata do interior.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 11/08/2008
Reeditado em 26/12/2009
Código do texto: T1123623
Classificação de conteúdo: seguro