Água-Viva

O dia estava cinzento, triste e sentia um leve peso no ar, talvez fosse eu quem estivesse assim, não sei. Era o meu último dia na Ilha, queria me despedir do mar. Depois de muito rodar, eu, minha mãe e minha amiga,paramos na Praia da Armação.

O nome me trouxe um mal presságio, um incomodo, uma angústia, mas, mesmo assim, caminhei em direção a seu encontro. A praia estava deserta, o mar calmo, três embarcações boiavam solitárias, a praia parecia morta, pensei, por um instante, que ali poderia ter acontecido algo triste no passado, talvez escravos mortos, nem sei porque essa impressão chegou, só sei que ela veio forte e tomou conta de mim.

Mal cheguei corri para o mar talvez a água salgada me libertasse daquela náusea que eu sentia, talvez eu relaxasse e esquecesse aquela sensação ruim que insistia em me tomar.

Mergulhei, a água estava fria e a brisa soprava gélida, nuvens densas e trevosas enfeavam o céu. Ignorando a revolta da natureza e a minha própria , continuei dando algumas braçadas. Logo resolvi sair da água, mas antes disso, dei mais um mergulho, quando subi à superfície, meu braço esquerdo inteiro até parte das costas, pegavam fogo, sentia como que agulhadas, aquela sensação me fez muito mal, o que seria aquilo? Tive medo, não gosto do desconhecido, procuro certezas, garantias e isso não existe num mundo de constantes mudanças. Sai da água correndo e o ardor aumentava a cada passo que eu dava, bolhas começaram a se levantar e tudo que eu queria era sair daquele lugar, queria sair correndo, mas não sabia ao certo para onde, uma sensação de pânico vertiginosa me fez sentir à beira de um abismo profundo, senti que ia cair, comecei a não sentir meu corpo, achei que ia morrer, mas elas estavam lá, minha mãe, Maria Clara e minha melhor amiga, Patrícia, elas não me deixaram cair,olhavam intensamente nos meus olhos me fazendo lembrar quem eu era, pois tudo que eu queria fazer naquele momento era fugir para longe, para longe de mim mesma, não estava me suportando.

Comecei respirar fundo, recuperando a sanidade, busquei forças e a caminho do Hospital meditei sobre a reação desesperada que tomei diante do simples fato de ter sido queimada por uma água-viva. As vozes de minha mãe e Patrícia estavam longe embora eu ouvisse tudo que elas conversavam.

O que me incomodou não foi a dor, mas o medo que foi desencadeado, a necessidade que senti de controle, de manter as coisas como são, normais, constantes, conhecidas ,como se isso existisse...

Chegando ao Hospital, eu estava um pouco assustada, pensei que poderiam haver outras complicações e mais uma vez o medo "bateu", mas não o deixei entrar.

Dei entrada pela emergência do Pronto Socorro e lá dentro fui embebida em vinagre, segundo o médico, o único e mais eficaz antídoto contra a queimadura de água-viva. Tomei uma injeção, um analgésico para aliviar a dor e depois de mais ou menos 40 minutos, sai de lá, azeda, por causa do vinagre, sem bolhas e com a dor bastante diminuída.

Meu caso não era de morte, que alívio! Como se eu ou alguém tivesse poder sobre a mesma, quando ela chega não adianta querer correr. Preciso lidar com essa questão e a melhor forma é viver tudo que eu puder.

A Água veio gritar : VIVA! Liberte-se dos seus medos, explore seu potencial, vomite o que te sufoca, encare de vez as suas sombras e transforme-as em LUZ.

Ainda estou agoniada com o ocorrido, sinto o sabor do desespero e do medo, mas sei que por trás de tudo isso, uma Ação, foi armada na Praia da Armação para me lembrar que eu ainda preciso lapidar a ALMA, e muito!!

Bendita Água –Viva que me “chicoteou” e me fez caminhar passos a mais para dentro de mim mesma, tirando minha falsa sensação de segurança, constância e certeza.

Como está escrito no livro “O Ano do Pensamento Mágico” de Joan Didion, que acabara de ler minutos antes do fato ocorrer :

“Você tem que sentir a mudança da onda, você tem que ir junto com a mudança”.

Essa frase calou fundo em mim, porque sei o quanto sou resistente e da forte tendência que tenho de querer manter tudo como é, sem desvios de rota.