O que sucedeu a nosso militante Dom Canuto na famosa desventura dos moinhos de vento com outros sucessos

Pouco sabemos a respeito da militância de nosso famoso militante Dom Canuto e como ela influenciou na sua jornada. Alguns historiadores dizem que, depois de muito militar em Brasília, Canuto se fartou, e deu uma reviravolta em sua vida, transformando-se num notável vendedor de piquí em Quirinópolis, pequeno município goiano. Outro historiador, mais antigo, defendeu a tese de que este partiu de motocicleta com um seu amigo, provavelmente Dom Carcará, pela América Latina; porém essa hipótese já caiu. Hoje sabemos que, na verdade, quem empreendeu essa viagem foi Ernesto Guevara de La Serna e seu companheiro Alberto Granados, fato ocorrido muito antes do nascimento de Canuto.

A versão mais aceita atualmente é sem dúvida a de Cide Hamete Benengeli. Segundo Cide, Dom Canuto chegou a se filiar na UJS – União da Juventude Socialista -, onde participou de um Congresso Estadual e um Nacional, realizados em Brasília, e um outro realizado na cidade de São Paulo. Conta que chegou a compor a Diretoria Estadual da UJS e que, com seus companheiros, deixou o movimento por motivos que ainda não foram totalmente esclarecidos.

Foi alguma desilusão? Alguma coisa presenciada por Dom Canuto e seus companheiros no interior do movimento? Cide Hamete Benengeli chama essa passagem obscura na biografia do estudante de “Trauma dos Moinhos de Vento”. Esse “trauma”, segundo Benengeli, é desencadeado por uma forte desilusão, que ocorre naquele momento em que percebemos que toda aquela realidade extraordinária alimentada em nossa fantasia, não passa de uns moinhos de vento, uma realidade sem ênfase, trivial, muitas vezes opressora, hostil.

Cide Hamete Benengeli construiu essa tese se inspirando na história de Dom Quixote de La Mancha, personagem romanceado por Miguel de Cervantes. No capítulo VIII, Quixote seguia viagem com seu escudeiro, e fiel amigo, Sancho Pança, quando vislumbrou trinta gigantes logo adiante, sobre umas colinas.

- Quais gigantes? – perguntou Sancho Pança.

- Aqueles que ali vês – respondeu Quixote -, de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.

- Olhe bem Vossa Mercê – disse o escudeiro -, que aquilo não são gigantes, são moinhos de vento; e o que parecem braços não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mós.

E neste dilema ficaram, escudeiro e cavaleiro, entre realidade e fantasia, entre lucidez e devaneio. O escudeiro afirmando peremptoriamente não haver gigantes, mas apenas moinhos de vento, enquanto o cavaleiro, por outro lado, teimando, afirmando enxergar gigantes descomunais.

Resultado: Quixote se lançou contra aqueles que julgava gigantes, e as mós do moinho, aceleradas pelas forças do vento, lançaram-no colina abaixo. Assim, o cavaleiro se deparou com a afirmação de Pança, percebendo que aqueles gigantes que acometera não passavam, lamentavelmente, de uns moinhos de vento.

Abaixo, segue-se trechos do diário do estudante coletados por Cide Hamete Benengeli. Trata-se de um diário marcado por um tom melancólico e ao mesmo tempo hermético:

“Foi com pesar, amigos, que descobrimos que todos aqueles encantamentos, aqueles gigantes descomunais e todos aqueles dragões não passavam de moinhos de vento. A realidade sem ênfase, o mundo desencantado. O mundo encantado cedeu lugar a um mundo hostil, cuja realidade é inconveniente ao ego romântico. Os meus amigos todos estão procurando emprego... Caímos de nosso Rocinante quando atingíamos o cume de nossa própria insanidade, quando arrematávamos nossa lança em direção aos moinhos de vento, quando julgávamos ali haverem gigantes e inimigos descomunais.”

“Éramos dogmáticos? Sofríamos de fanatismo? Talvez eu sofresse... Estávamos mais apegados aos símbolos e à bandeira do que à própria causa. Um lado positivo de tudo isso? Talvez a ousadia, o destemor, o entusiasmo capaz de mover montanhas, a pureza de nossas intenções. O lado negativo? Talvez a ingenuidade, a inclinação para o populismo, o risco para o discurso demagogo, a submissão partidária. Não sei; nada sei: é tudo ainda muito confuso para mim...”

Não me arrisco a fazer aqui um tratado de psicologia em cima dos traumas do estudante, seria um pouco ousado de minha parte, mas procuro simplesmente destacar aqueles momentos decisivos na sua vida, sobretudo os momentos de escolha. Como historiador, afirmo que a experiência que Dom Canuto teve com um movimento de militância política fora fundamental para sua formação, foi sem dúvida a possibilidade que ele teve de estender sua visão de mundo, de se chocar com outras visões, de maneira que, através dessas experiências, pôde encontrar motivação para algumas de suas escolhas fundamentais, como a de estudar na Universidade de Brasília, local onde se realizavam os congressos e alguns encontros eventuais da UJS.

Por outro lado, dizer que o estudante passou a estudar para o vestibular da UnB por causa de sua militância política é uma maneira reducionista de compreender sua realidade, em todas as suas possibilidades. Cide Hamete, em seu livro, imprimiu essa carta de Dom Canuto, onde está gravada uma outra resposta:

“A coisa aqui em casa não está fácil, meu amigo, nunca foi. Meus pais andam sempre mergulhados em dívidas, não foi à toa que me esforcei para passar na UnB com intuito de poupá-los de pagar mensalidade com faculdade particular. Há outras razões também. Acredito que estudar numa universidade pública é um direito inalienável de quem estudou a vida inteira em escola pública”.

***

Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 19/02/2009
Reeditado em 05/03/2009
Código do texto: T1447686
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.