FRANCISCO DE SOUZA PONDÉ*- Pioneiro no ensino da Medicina Legal no Pará

                                              Sérgio Martins PANDOLFO**


"Durante toda sua vida foi médico por excelênciaia. Humanitário, culto e de fina educação (...).”
                         Prof. Dr. Clóvis Meira

      Francisco de Souza Pondé nasceu na Vila de Itapicuru, na Bahia, em 17 de fevereiro de 1880.
      Descendente de tradicional família baiana foram seus pais Pedro Faustino de Souza Pondé, um bem-sucedido comerciante e Oliva Batista Pondé, prendas do lar. Da união resultou prole de cinco filhos: dois seguiram o caminho do Direito e três, incluindo caçula, de Francisco, o da Medicina.
      O nome Pondé, hoje com densas ramificações em vários estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco, conquanto mais encontradiço na Bahia, onde ilustres figuras podem ser apontadas, ter-se-ia originado nos Baixos Pireneus, ao sul da França. O ramo paraense, representado por Francisco e sua progênie, após pouco menos de quatro décadas no Pará defluiu para o Rio de janeiro, com mudança da viúva e filhos, em 1939, cinco anos após morte do patriarca, aos cinqüenta e quatro.
      Os estudos das primeiras letras e preparatórios fê-los na própria cidade natal, transferindo-se, depois, para Salvador, onde cursou o secundário no tradicional e afamado Colégio Spencer. No Seminário do Salvador adestrou-se nas línguas francesa, italiana e latina. Aos 18 anos matriculou-se na legendária e celebrada Faculdade de Medicina da Bahia, a primeira fundada no Brasil, por D. João VI - em 1808, ao aportar em solo baiano a Família Real e a Corte portuguesas transmigradas de Portugal para o Brasil -, no histórico sítio do Colégio dos Jesuítas, freqüentando-a por um lustro (1898 a 1902), tempo de duração do curso médico, então.
      Naquele celeiro de eminentes mestres pontificava a figura de Nina Rodrigues, considerado o Pai da Medicina Legal brasileira, o qual exerceu notável influência no espírito e na formação do jovem médico, que se deixou enlevar e enredar, mais tarde, pelos incipientes e ainda mal definidos meandros dessa área do humano saber, como já se verá.
      Estudante, ainda, Francisco já manifestava sua avidez pela ciência hipocrática, tendo sido admitido como acadêmico interno do Hospital Santa Izabel, em Salvador, e membro da Comissão Científica das Clínicas Especiais, do Grêmio dos Internos dos Hospitais, quando pôs de manifesto, também, sua afinidade para o contexto científico, ascendendo ao cargo dc Diretor da Revista do referido grêmio. Concluído o curso médico, em 1902, doutorou-se defendendo a tese "Assistência Pública aos Loucos Delinqüentes no Brasil", recebendo distinta aprovação. Logo após, e seguindo tendência migratória muito comum dessa fase, transferiu-se para Belém - então uma das capitais mais belas e prósperas do País -, demonstrando, desde logo, particular interesse pela área da medicina infantil, que despontava como especialidade.
      Falar sobre o ensino da Medicina Legal no Pará, nas três primeiras décadas deste século (XX), é quase repetir, monótona e consecutivamente, o nome do Mestre Francisco de Souza Ponde, tanto que esteve ele ligado a esta disciplina, naquele recuado período.
      Tão logo chegado a esta terra o novel esculápio iniciou, com afinco, suas lides laborais, arrostando as naturais e presumíveis dificuldades. Nomeado médico interino do Serviço Sanitário do Estado, passou, mais tarde, a Médico Legista, sendo de referir que, aquando de grave epidemia de peste bubônica que grassou em Belém, de elevado potencial ocisivo, naquele antanho ocupava o cargo de Diretor do Desinfectório de Tatuoca, na ilha homônima, próxima à capital paraense.
      Em 1911, visando ao alargamento e atualização dos conhecimentos, viajou para a Europa onde permaneceu por mais de um ano, visitando as clínicas de maior destaque em Londres, Bruxelas, Roma, Viena e Paris. Na “cidade luz”, máximo fulcro irradiador das ciências, à época, fez curso de especialização com o Prof. Nobecourt e freqüentou os afamados serviços do Prof. Jules Comby (que dá seu nome ao sinal precoce e patognomônico do sarampo), graduando-se em Pediatria.
No decurso dessa acalentada e enriquecedora “journée d’études” ao Velho  Continente convolou núpcias com a prendada Srta. Clorinda Teixeira Penna, fino ornamento de nossa melhor sociedade. Desse conúbio advieram cinco filhos, sendo que dois faleceram precocemente. O primogênito, Ruy, seguiu-lhe as pegadas, diplomando-se na nobre arte por nossa Faculdade de Medicina e Cirurgia do Pará, em 1935, tendo sido colega de turma da inolvidável Mestra Betina Ferro e Souza.
       De volta a Belém retomou o atendimento de sua numerosa clientela, em consultório instalado na Praça da República, junto à Farmácia Central, dedicando-se à clínica pediátrica, tendo sido, seguramente, vanguardeiro na especialidade, por estas plagas, só havendo registro de outro que lhe antecedera, João José Godinho, designado, em 1889, para a Clínica de Crianças da Santa Casa de Misericórdia do Pará, consoante noticiário apócrifo, publicado no Pará Médico, órgão oficial da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará, vol. II, ano VIII, dez. 1922.
Integrante do Corpo Clínico do Hospital da Ordem Terceira montou uma creche que funcionou durante muitos anos, anexa ao Hospital, da qual foi Diretor enquanto viveu.
      Na vida associativa fez parte, dentre outras, da Sociedade Médico-Cirúrgica do Pará. Uma das facetas de maior prodigalidade e destaque de sua personalidade, foi, sem ponta de dúvida, atuação como professor, iniciada na Faculdade Livre de Direito do Pará, fundada pelo Instituto Teixeira de Freitas em 3 de março de 1902, cadeira de Medicina Legal.
      Ao instalar-se, e antes mesmo de iniciar seus cursos regulares, a Congregação da escola houvera já organizado seu corpo docente, tendo designado como Professor Catedrático de Medicina Pública - que depois passaria a chamar-se Medicina Legal - o jovem médico Antonio Estanislau Pessoa de Vasconcelos, formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, havia pouco, membro de prestigiosa família desta terra e que desde 1900 dirigia o Serviço de Identificação do Estado. Não chegou a ensinar por ter tido morte súbita e insólita na Bahia, para onde havia ido a fim de aprimorar seus conhecimentos na escola do referenciado mestre Nina Rodrigues, nesse mesmo ano (1902), no verdor da promissora carreira. Para substituí-lo fora designado o Prof. Jose Paes de Carvalho, médico de grande nomeada nesta capital, formado pela Universidade de Coimbra e vários cursos realizados cm Paris e Viena, político destacado, tendo sido Senador da República e chegado a Governador do Grão-Pará, mas que também não chegou a lecionar a cadeira por ter adoecido e viajado para Paris, em 1903, ensejando fosse Pondé escolhido regente interino da cátedra.
      Em substituição a Paes de Carvalho a Congregação da faculdade escolheu, ainda em 1903, o notável político e homem público Geminiano de Lyra Castro, o qual, face aos múltiplos afazeres -- era Diretor do Hospício de Alienados, Vice-Governador e Presidente do Senado Estadual --também nunca ensinou, mantendo-se licenciado, permanecendo interinamente na regência da cadeira o Dr. Francisco Pondé. Eleito Deputado Federal Lyra Castro viajou para a capital da República, onde desenvolveu brilhante carreira política.
      Em razão da Reforma Rivadávia Pondé passou a Professor Extraordinário, em 1911, e a partir de 30 de maio de 1916 assumiu, em caráter permanente, a cátedra de Medicina Legal, declarada vaga em decorrência do afastamento definitivo do Prof. Lyra Castro.
      Francisco de Souza Pondé foi, assim, efetivamente, o primeiro a ministrar aulas de Medicina Legal regularmente neste Estado e mesmo no Norte, vez que a capital parauara era, à altura, a única em todo o setentrião brasílico a contar com escolas de ensino superior, atividade mantida exemplarmente até sua morte, em 1934, quando foi sucedido pelo eminente médico e notável preceptor Acylino de Leão.
Participou ativamente das “démarches” que culminaram com a fundação da Faculdade de Medicina do Pará, fato ocorrido cm 9 de janeiro de 1919, integrando seu quadro de fundadores-catedráticos, juntamente com tantos outros nomes de realce, naquele entretempo. Pondé, já consagrado por maturado tirocínio de mais de uma década na regência da cátedra de Medicina Legal da 1° faculdade de Direito, era agora, também, catedrático da mesma matéria na recém-criada Faculdade.
      Todavia, seu irrefutável pendor para o magistério não se materializou, apenas, no exercício das duas cátedras, eis que com a mesma proficiência, dedicação e grande senso de responsabilidade lecionou, durante longos 25 anos, a cadeira de Higiene e História Natural de nossa mui cara e conspícua Escola Normal, o grande núcleo plasmador de nossos mestres e onde perlustraram nomes famosos do magistério paraense.
      Francisco de Souza Pondé soube marcar, a seu tempo, a flama de uma personalidade singular e transmitir a seus pósteros, com inigualável simplicidade e precisão, toda a exuberância e o viço de sua cultura polifacética. “Uma vida que dignifica a classe médica e que servirá de exemplo às novas gerações, devendo sempre ser lembrado”, na lúcida opinião do Mestre Clóvis Meira. Exemplo de pioneirismo médico e dedicação ao magistério (1880-1934).
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(*) Patrono da Cadeira de nº 33 da Academia de Medicina do Pará que temos a honra de ocupar desde outubro de1987. Excerto do Elogio ao Patrono pronunciado na Sessão Solene de 9 de agosto de 1995 daAcademia deMedicina do Pará

Nota: Retrato póstumo de Francisco de Souza Pondé. Óleo sobre tela de Arthur Frazão. Belém, 1962. Pinacoteca do Instituto Histórico e Geográfico do Pará - IHGP. Foto do Autor
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(**) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 21/05/2009
Reeditado em 27/09/2011
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