(FOTO: Encomendadeiras de alma Flamarion Costa) 

MARIA BALÃO  
(Deficiente mental)
Texto: João Diamantino de Oliveira
 

Presumivelmente, no ano de 1939, certamente acompanhando uma leva de migrantes que vinham de lugares que se despovoavam com os horrores da seca; apareceu, entre nós, a figura singular que, de logo e não sei por que razão, foi batizada pelas crianças daquele tempo com o nome altívolo de Maria Balão!... Lembro-me que a esse tempo, sua primeira estalagem fora armada debaixo de uma mangueira secular que existia na porta da loja de Dona Sussú Cordeiro.
 
De natureza humilde, apesar de ser amente, ou indiferente aos desajuizados da existência, Maria Balão, se fazia notada e até querida pela mansidão e brandura de suas atitudes. Para ela, pouco lhe importava que um moleque lhe puxasse o xalé esfarrapado com que se cobria, e outro, imediatamente em seguida, lhe tirassem das mãos, uma lata contendo restos de comida. Maria Balão sorria... sempre sorria e tornava a sorrir, como se estivesse desdenhando das pérfidas atitudes de seus perseguidores.

As vezes, Maria Balão entrava pelo rio adentro e se postava numa atitude de quem estava dominando as águas ou falando aos peixes, como se evocando alguma reminiscência de caráter religioso: - aprédica ou sermão aos peixes, proferindo segundo o hagiológio cristão, por Santo Antônio de Lisboa!
 
Maria Balão durante muitos anos morou em abrigos improvisados com tábuas de caixão de pinho e cobertura fragílimos de palhas de coqueiro, de molambos oriundos de velhas redes alagoanas ou mesmo de papelão. E ali, apesar dos pesares, dormia... dormia como dormem todos os pobres que acatam e reconhecem o valor daquela frase popular: "Deus dá o frio, conforme o cobertor".

Depois de muitos anos, vivendo ao Deus dará, na terra que o acaso lhe dera, que é esta alegre e bulhenta Correntina; onde Maria Balão podia dormir o sono solto em qualquer tugúrio; pois a criançada insolente e destemida da cidade, não mais lhe perturbava o sono de enleada, num mundo de maravilhas, enfim elas aprenderam, no íntimo inconsciente, a amar Maria Balão.
 
Deram-lhe de presente umas moradas, mas ela amante da natureza e do sereno, de ter por teto o céu e as estrelas, logo retornava a sua velha morada, por ela mesma reconstruída, com pedaços de tábuas e papelão.

Aos setenta e tantos anos de idade, morreu Maria Balão! Fechou os olhos lentamente, bateria asas se as tivesse; deixando no semblante conturbado das crianças inocentes, perguntas irrespondíveis: - Papai! Por quê Maria Balão morreu ?

 



                                                               FOTO: (autor desconhecido)
MARIA BALÃO II
Vivendo por viver
Texto: José de França

 

 

Maria Balão: Ah!... Eu a conheci quando ela adotara por domicilio a chamada “casa da feira”, localizada na Praça da Matriz, ainda nos anos 50. Sua ocupação era “zanzar pelas ruas: seu objetivo: nenhum; viver por viver, levando por onde quer que fosse, todos seus segredos, trapos e vasilhas presas pela cintura e os dedos repletos de anéis de cobre. Roupas gastas pelo tempo, sujas e um velho cobertor, do qual nunca se afastava.

Por quê daquela vida? Por um breve momento chegou-se a dizer que ela havia sido professora, em algum lugar deste imenso país, mas ninguém tinha provas de nada¸ O vestígio de sua vaidade estava nos anéis, em quase todos os dedos, colares e fitas coloridas no pescoço, era seu luxo; suas palavras eram incompreensíveis, sussurros e gemidos, que somente ela sabia a tradução; naquele estado de vida, não havia mais como ter ambição, vaidade. Se realmente havia sido professora em algum lugar, qual teria sido a decepção que lhe fez demente, esquecido de si mesmo, abandonado a vida, viva!

“Pau-de-muquirana” na mão, cobertor imundo sobre a cabeça, anéis nos dedos, sua fala preguiçosa, cor morena suja, ou queimada pelo sol, vestida sempre em vestes longas, sandálias gastas, até que, por piedade alguém lhe trocasse as roupas, as sandálias, o cobertor. Seus olhos piscavam incansavelmente e pela forma como fixava o olhar, demonstrava já fraqueza na visão. Fala inaudível e por vezes seu mau cheiro acentuado denunciavam os dias e dias sem um banho. Assim era Maria Balão; que até hoje é lembrada por muitos nesta Correntina; Ela tornara personagem do folclore local. Era fonte de inspiração da miséria, por parte dos literatos e para as criancinhas da época, era mais temida que o “boi da cara preta”. Quando “tomava umas e outras” dava um show de alegria, mas sempre mantinha sua fala baixinho... baixinho... inaudível e por mais que alguns quisessem ou entendessem, nunca ela falava de si mesma . Não se registrou em sua passagem de vida, por Correntina, nenhum mau que essa criatura praticasse a alguém ou à cidade.

Maria Balão foi silenciosa até a morte. – Aqui viveu por muito tempo, porém não se conhece bem sua origem, mas, como muitos no país são andarilhos que em busca de condições melhores, ou melhor sorte. Alguns por certo saíram pela vida, quando expulsos de seu domínio natural e acabaram tornando-se produtos do caos social; vítimas do descaso governamental, dispensados a própria sorte, restando-lhes apenas viver o que a própria vida lhes permitisse viver, ao léu, à custa do “ salve-se quem puder”.

Pois, o homem, parece-nos achar bom viver do passado, se esquecendo que esse representa apenas um estágio de vida, para apartir daí, aprimorar-se o futuro. É melhor espelharmos no passado, sem perdermos de vista o futuro, para que não hajam lembranças dolorosas. – Não deixemos que outras “Marias-Balões” façam a nossa história.


MARIA BALÃO III
Texto: Flamarion Costa

 

Maria Balão foi uma fonte de inspiração parra os  poetas e escritores correntinenses, além de ser um simbolo de humildade que aguçava o espirito fraternal dos jovens da época, que sempre, lhe davam a devida atenção.
 
Inpirou diversos poemas e textos descritivos de sua vida de andarilha, até mesmo musica, pois sempre era vista balbuciando entre os lábios uma canção que somente Ela, sabia de sua origem.  Entre os tantos admiradores, está o mestre Altair Barbosa, correntinense professor da Universidade Federal de Goiânia, o idealizador do  grupo Sons do Cerrado, também de Goiânia, que desenvolveram um documentário, com apoio da familia Corcino e Caetano, onde se resgatou velhas cantigas de roda, sendo algumas dessas resgatadas nos murmurios de Maria Balão. Outros importantes admiradores dessa amavel criatura é o nosso poeta maior, Teófilo Guerra; João Diamantino, José França, João Guerra, poeta e  locutor da voz de auto falantes A voz do municipio; nosso poeta colunista Lucio Alfredo Machado; também o cronista colunista e jornalista Helverton Valnir, em suma, não há escritor ou poeta que não tenha dedicado uma frase, um poema a esta grande personagem de nosso folclore, que como uma estrela cadente, em noite de luz, caiu do céu em nosso pequeno pedaço de chão.

Eu também a observei muito, quando menino; estava sempre atento aos seus sussurros e palavras, as vezes incompreendidas, que derramavam de sua boca. Seu canto lembrava as ladainhas cantadas pelas Encomendadoras de Almas, que tinham em Raimunda Raposa sua divulgdora mor, quando abria a voz, fosse dia ou noite, nos cemitérios da cidade ou na beira do rio.  

Numa prosa na esquina de Seo Ceres Crisóstomos, eu Ana Bezerra e Mariinha de Benigno relembrávamos Maria Balão e suas canções.


Canções de Maria Balão:

“O tango do jogadinho

eu também quero jogar
joga o tango jogadinho,

joga o tango jogadinho
Jogadinho vem cá!


“Ó meu pai ó minha mãe me acode !
tô no meio do remanso, tô afogando
Ó meu pai ó minha mãe me acode !”

 

Mas o que dizia Maria em suas canções, só mesmo ela explicaria, se capaz fosse para tal. Se as cantasse pela razão expressa nas palavras, certamente estávamos fora do alcance de sua mensagem, por não percebermos as nuances encontradas em suas entrelinhas. Seria um instante pedido de socorro? Como explicaria o semblante singelo, ao mesmo tempo sofrido, mas de cheia de paz, mesmo vivendo ao léu! Ao Deus dará, como dizia o grande mestre João Diamantino?
 
Maria Balão não parecia ser infeliz! Sorria como uma menina que brinca sozinha na varanda de sua casa, ou no terreiro de chão batido, por vezes era flagrada carregando uma ou duas bonecas, quando não era de pano, era boneca de broto de milho com seus longos cabelos dourados, para quem  Maria,  por certo, revelava todos os seus segredos.
- Teria mesmo ela sido uma professora!? E qual a razão de uma mudança tão brusca de vida!?! Era o que diziam mas que nunca saberiamos a verdade. Maria Balão vivia em seu mundo, fechada para todo tipo de acesso externo. Era Ela e só Ela, com suas palavras incompreensiveis, murmuradas.

Maria Balão também tinha uma canção predileta, para saudar a folia de momo. Por maldade, ou farra de momo, os rapazes, aqueles mesmos que lhe assistiam no dia-a-dia, lhe servia uns goles de cerveja, cana ou fosse lá o que tivessem tomando;  Maria voava alto nas asas da imaginação! E  mesmo em horas como esta, Maria deixava escapar seus segredos. Com sua voz rouca de sempre, ela sorria, como nunca sorria, em doces murmúrios. Não se separava do copo de alumínio de alça, por certo lhe ofertado pelo velho Felix flandeiro, da rua da Varginha. Pedia bis estendendo o copo com um sorriso cheio de inocência; enquanto a charanga passava e ela, com seu passo lento e sua alegria triste, era deixada pra trás.

Na esquina mais próxima se sentava, saudando a todos que passasse, com a certeza de que o grupo que foi, voltaria para conduzi-la de volta ao caminho de casa. Em momentos assim, por vezes se perdia e buscava o caminho de casa, sozinha, seguida por um batalhão de meninos a fazer dela o centro de suas peraltices. Um lhe puxavam o xale que lhe cobria a cabeça, outro o velho cobertor que lhe servia de manto, preso aos ombros...A todo custo queriam importanar Maria Balão e vê dela uma reação de raiva, mas ela apenas sorria   esperando que outro, mais ajuizado, lhe devolvesse o que lhe fora tirada. Em com toda aquela paciencia, nunca vista numa criatura demente, Maria vencia a estupidez dos mais afoitos. O que os meninos gostavam eram de provocar o estremo da loucura de um louco, como faziam com outra Maria, que ao ser chamada de Cebola, a rua escutava os mais cabeludos palavrões que uma criatura insana podesse dizer.    

Correntina tem uma forte identidade com os loucos que por lá passarvam, ou viveram. Eles quebravam a vida monotona, como uma vaca de tapa na cara, que ao cruzar a cidade, promovia um verdadeiro alvoroço monotonia. A diferença é que o boi era um animal, rumo ao matadouro e o louco, uma criatura que queria apenas viver o que lhe permitisse viver. A  paz! 
 
Correntina tinha loucos para todos os gosto e ocasiões; eles transformavam a rotina das ruas.: Alguns agressivos como Raimunda Raposa, Cebola, Dió, Tia do Pequi; Bernardina do Barroção; outros mansos e suaves, como Uma-Uma, Nezo, Joana do Padre, mas nenhum deles, manso e suave como MARIA BALÃO... ELA era a viva expressão da serenidade, andar. Passos suaves que pareciam flutuar, num vôo de borboletas; quando indagada sobre sua origem, de onde ela veio? qual era seu verdadeiro nome ? ela sibilava com sua voz imutável a dizer:


- Eu não venho filho! a vida é que me leva!
me chame de Maria!


Ou por vezes rarissimas dizia na mesma mansidão:
- O que sei você não sabe, e o que você sabe, eu não sei!”
 

Sem descontinuar seu caminho, no lento caminhar de todos os dias, ela seguia sua toada, com seu sorriso transparente de paz. Seguia rumo ao Mercado Municipal onde dormia, quando chegada a estação das chuvas e de manhã, bem cedinho, o tempo estiado, voltava pra seu canto, no eitão da casa do maestre Liozirio. Quando o mercado começava abrir suas portas, ela saia, de volta para sua casa de papelão, no eitão da casa do maestro Liozirio Ferreira, onde calmamente refazia tudo que a chova havia desmanchado.  

Certa feita, no Alto de São Lázaro, próximo do buracão, onde geralmente se tiravam barro para construções e onde também se havia um campo para peladeiros do futebol; um local bem afastado do seu habitat escolhido, lhe fizeram uma casa, pequena, sala, quarto e cozinha, com uma privada com porta para o quintal e prá la levam Maria Balão. Os reponsáveis por esta proeza foram Vani de seo Austrogildo, Vadó de Nem Guará, Osmar Rocha, Edinho de Dona Beta e Afonso de Seo Anjo.... ao tomar conhecimento do feito, lembrei- me do pensamento de Fernando Pessoa
"Valeu a pena: Tudo vale a pena, quando a alma não é pequena.
Quem quer passar pelo bojador tem que passar além
da dor. Deus ao mar o perigo e o abismoe deu
mas Ele é quem espelhou o céu.
 
Aqueles jovem mostraram que não têm a alma limitada e demonstraram, no ato, que tinha a pretenção de dar um sossego a Maria Balão, dando-lhe um teto fico, debaixo do céu espelhado por Deus. Mas não surgiu o efeito esperado.
 
Como era epoca carnavalesca, saíram dona Maria da Pracinha ao lado da casa de Chiquito, com uma pequena charango, fantasiados e com garrafas de bebidas em punho, foram eles, ao redor de Dona Maria, sem pressa de chegar, rumo a nova morada feita com maos de carinho. Por algumas vezes ela esboçou vontade de voltar para casa, e todos se empenhavam em dissuadi-la do intento, lhe motivando um gole... Dona Maria só sorria e ria mais, que o costume de rir, pois o alcool também fazia sua parte e a desinibia em meio ao grupo. Ensaia uma passos, e juntos com eles cantava... apesar de apenas vê o movimento labial, mas ela cantava. O  clima de festa era quem assegurava, ali, sua permanência. Ela sorria e sibilava como sempre sibilava, murmurando frases incompreendidas.e cançoes de velhos e remotos carnavais, que ao perceber o que ela cantava, os rapazes cantavam a mesma canção...
“Estrela Dalva no céu desponta
e a luz anda tonta de tamanho esplendor.
e as pastorinhas, pra consolo da lua
vão cantando nas ruas
lindos versos de amor..”

Maria Balão ocm a voz bem baixa e rouca, gostava desta canção que lhe ficara da memoria e de quando em vez, se ouvia o mormurar desses versos, feito canção.  .
Quanto riso, oh
quanta alegria
mais de 1000 palhaços no salão
alecrim está chorando 
pelo amor da colombina
no meio da multidão
 
Enfim chegaram no local escolhido para ser a casa definitiva de Maria Balão. Por certo, ela  se sentia invadida em sua privacidade de viver ao léu, pois não esboçou neação de alegria, talvez, mal entendesse o que  falavam. Tinha seu costume de beber uma cachacinha da venda de Seo Quinca Baé, logo a frente de seu casebre de papelao, mas aquele dia a bebida fora farta  e ela já estava sonolenta.... Os rapaz desfizere de todos seus pertences velhos, panelas, coberores e outras caquilharias e deram-lhe uma casa nova. Até cama nela havia, uma mesinha com duas cadeira e um fogão de lenha. Saíram dalí, horas depois, certos de que o eitão da casa do Maestro Liozirio nunca mais veria Maria Balão.
 
Ao amanhecer o outro dia, mal o sol apontara no horizonte, Maria Balão, como sempre, enrolada num cobertor, agora novinho, desce a rua da Igrejinha do São Lazaro  e fazendo uso mais de aceno que de palavras, pede um cigarro para o velho Valério, que prontamente lhe entrega o cigarro que ela leva a boca e ele com um isqueiro, lhe acede... balbucia algumas palavras, certamente agradecendo e continua indo em frente. Nos dedos das mãos uma coleção de aneis novoa, pois tudo que era velho lhe foi substituido e pelo visto, os aneis e balangandans que lhes colocaram no pescoço foi de seu agrado,  pois não parava de olhar as mãos e sorrir.
 
Chegou ao mercado municipal e como sempre, encostou na banquinha de Dona Mariquinha, tomou seu cafezinho com a cortesia da casa, deliciou-se do bolinha de milho frito e tomou o rumo da praça da matriz, deixando claro que iria para seu velho bangalo.  Por certo passaria por lá pra vê se ainda tinha algo de seus pertences que ela quisesse levar para a nova casa. Atravessou a praça adentrando no beco de Seo  Ceres Crisostomo, saiu na praço de Nem Guará e Dr. Lauro e aí estava ela de frente ao eitão da casa do mestre Lió...Foi perceptivel seu   rosto triste e com sua bengala revirava as cinzas de tudo que foi queimado... Os rapazes tiveram a mais pura e bela das intensões, porém ali, naquela hora, Maria Balão mostrara seu incontentamento por ter visto seus pertences queimados...Ao perceber o que estava acontecendo, os vizinhos mais antigos aproximaram e tentaram abrir um dialogo com dona Maria.
 
- A senhora ganhou um casa nova heim! que bom!
- Não!
- O que a sonhora está procurando?
- minha casa!
- A senhora agora tem uma casa nova. Quer nos te levamos pra lá?
- Não!
 
Certos de que ela não retornaria a velha casa, o local foi limpo. No canto ela viiu sua vassoura feita de gravetos e começou a varrer as cinzas...Dona Marcelina do bolo de arroz, morava alí perto e junto com a esposa de Valdir Surdo e outras voluntarias, se puseram a ajudar, entendo que ela não iria voltar para a casa que ganhara de presente. Alguem foi chamar Vadó que morava ali na praça e logo este chegou e com sua alegira e arte de comunicar, fez de tudo para se entender com Dona Maria, na tentativa de faze-la ir para a casa que eles lhe dera. Convencido de que fracassaram naquele intento, providenciaram ripas, papelão, uma lona pru teto e pru piso e alí mesmo esqueram um barraco ao estilo de antes,s porém com mais segurança e proteção inclusive da chuva e ela sorriu,
 
Para se desculparem de suas boas intensões, não aceita, no final da tarde o mesmo grupo, com um violão e sem bebida, mas muita comida, fizeram a festa do retorno de Maria Balão a sua velha moradia, no eitão da casa do maestro Liozirio Ferreira.
 
Maria Balão voltou a sua rotina de sempre, entre o mercado, o eitão e o portão do Hotel de Vivi, por vezes a porta da  pensão de Neném Guará, lhe era doado o almoço e o jantar de todos os dias, fizesse sol, lua ou chuva, já que o café da manhã ela não abria mão de ser no mercado municipal, na banca de Dona Maquinha ou Dona Milú e Aldegundes. depois de passar pelo re fazer sua higiene bocal, que não era de todos os dias, mas por vezes era vista adentrar o rio até altura da cintura e alí relachar-se nos dias de calor. 
 
E assim foi a vida de Maria Balão, até o dia em que alçou vôo e se escondeu numa estrela solitária no céu de Correntina, de onde por certo nos espia por toda eternidade da vida. Maria Balão morreu, certamente como descreveu o mestre Diamantino, morreu como morre os passarinhos, fechou os olhos para dormir e acordou do outro lado do infinito!

MARIA BALÃO
Poema de:Teófilo Guerra


Era noite de luz morna e céu cinzento
Sob a mangueira recostada eu vi Maria
Nos dedos trêmulos, anéis de lata e cobre
Num cobertor sujo e rasgado se escondia.

Os olhos foscos lhe piscavam intermitentes
Os dentes alvos, vez por outra sibilavam.
Ora, um sorriso um tanto parvo
um tanto insípido ou indecifrável
os seus lábios murmuravam.

Cheguei bem próximo e citei-lhe o codinome
E perguntei se aquele mesmo era o seu nome
“Meu bem, que eu saiba, já não sei” - disse-me, então!

Por uns instantes fez-me o caos no pensamento
E ao me transpor ao velho Egito, num momento
Na esfinge olhei como se fita um “Balão.”

 
 
Flamarion Costa
Enviado por Flamarion Costa em 16/06/2009
Reeditado em 20/04/2022
Código do texto: T1651319
Classificação de conteúdo: seguro