BIOGRAFIA DE VILMA PARAISO FERREIRA DE ALMADA.

Para mim, é uma honra a delegação que me foi conferida de escrever a biografia de Vilma Paraíso Ferreira de Almada, mulher de grande influência no meio cultural capixaba, podendo-se dizer até mesmo brasileiro, pois seu livro, “Escravismo e Transição – O Espírito Santo (1850 a 1885)”, tem sido fonte de estudos em Universidades em todo o Brasil. Trata ele da história da escravidão neste Estado. E as pesquisas que ela fez mostram que o principal ponto de afluência dos negros no Espírito Santo era por Cachoeiro do Itapemirim, devido à proximidade com o Rio de Janeiro, o principal centro de decisão no tempo do Brasil Colônia.

O livro de Vilma Paraíso Ferreira de Almada foi publicado no Rio de janeiro pela editora Graal, e seus trabalhos foram estampados em inúmeras revistas historiográficas do Brasil. Por se tratar de um tema polêmico e tão atual, a autora passou quatro anos estudando sobre a escravidão no Espírito Santo e sua importância no contexto econômico do Estado enquanto esta existiu.

O livro foi lançado em 1984. Nele a autora tentou desmistificar a idéia de que os escravos eram passivos, uma vez que ela encontrou relatos de revoltas, formação de quilombos e uma carta endereçada à Corte num momento de revolta dos escravos no Espírito santo. O presidente da província do Estado do Espírito Santo pediu um carrasco em 15 de outubro de 1849 ao Ministério dos Negócios da Justiça para que este eliminasse os “cabeças” da insurreição de Queimado, mostrando que não só o escravo temia seu senhor, como este também temia os escravos revoltados. Eles somente se revoltavam em caso de maus tratos e violência. Queimado é um distrito da Serra. E foi palco de uma revolta dos escravos comandados por Eliasário, negro inteligente,pois recebeu educação esmerada de seu senhor. Este foi capturado e preso numa cadeia, mas como por um milagre a porta da cela foi esquecida aberta e este fugiu.

Um outro fato curioso que a autora relata é que os donos de escravos no Espírito Santo foram dos últimos, no País, a aceitar a abolição, mesmo depois de assinada a Lei Áurea, em 1888. Eles tinham interesse que os mesmos continuassem a cuidar de suas fazendas, por isso a demora em aceitar o regulamento.

O livro de Vilma Paraíso Ferreira de Almada, “Escravismo e Transição”, foi um dos seis escolhidos pelo Prof. Ciro Flamarion Santana Cardoso, da Universidade Federal Fluminense, que fez uma palestra no Congresso Internacional, na Unicamp, sobre a escravidão no Brasil, tendo sido adotado pelo Departamento de Economia da UFES. Era lido e analisado todo semestre.

Vilma fez um levantamento minucioso da área de cada fazenda, do número de escravos, dos insumos e do valor de cada propriedade. Ela explica que a região Sul de nosso Estado tinha uma grande capacidade de atrair escravos, e que o Sul teve tanta importância como qualquer outra região do País. Por exemplo: em 1872, Cachoeiro do Itapemirim, pelo que ela apurou, possui 50% dos escravos da província.

Embora guaçuiense, poucos em nossa cidade conhecem a bela história de vida e legado deixados pela historiadora Vilma Paraíso Ferreira de Almada àqueles que com ela conviveram e aos alunos que passaram por suas mãos.

Mergulhando um pouco no passado, lembro-me de que, quando criança, bem em frente a minha casa funcionava o Comércio e Exportação de Café, de José Ferreira Alves e Eugênio de Souza Paixão. Um dos sócios,o senhor José Ferreira Alves, era pai de Vilma. Lembro-me bem de que meu pai, Aristovo Alberto Soares, sendo fazendeiro, comercializava e vendia o café de sua propriedade para o “tio Ferreira”, que era como eu o chamava. Quando meu pai, descendo as escadas de minha casa, ia ao encontro dele, eu também corria para acompanhá-lo, pois, assim, podia ver as catadeiras de café com seus dedos ágeis a separar os grãos redondinhos e bons, dos pretos e ruins. Essas mulheres trabalhavam na então catação manual, que era a fonte de renda para a maioria da classe pobre e operária de Guaçuí.

Jamais saiu de minhas lembranças infantis o bom homem que “tio Ferreira” era. Com certeza, esse convívio com o pai e com os cafeicultores, tenha inspirado Vilma a escrever o “Estudo sobre a Estrutura Agrária e Cafeicultura no Espírito Santo”, um dos mais importantes trabalhos sobre a estrutura econômica, mostrando o café como o pilar da economia e das finanças do Estado, livro que nossa querida Vilma não pôde terminar, como também não concluir muitas pesquisas que estavam em andamento, tendo em vista a fatalidade que a envolveu.

Entretanto o Prof. Geraldo Antônio Soares considerava o livro que a autora nos legou “uma riqueza, pois nos mostra o dinamismo da economia cafeeira nas primeiras décadas do século XX, no Espírito Santo.”

Vilma Paraíso Ferreira de Almada nasceu em 14 de abril de 1936. Era filha de José Ferreira Alves e de D. Djanira Paraíso Ferreira. Formou-se em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade Federal do Espírito Santo, em 1965. Mestre em História pela Universidade Federal Fluminense, diplomada pela Escola Superior de Guerra, formou-se também em piano pelo Conservatório Brasileiro de Música, no Rio de janeiro (1957 a1960). Era membro do Instituto Histórico Geográfico do Espírito Santo e é patrona da cadeira número 31 da Academia Feminina de Letras do Espírito Santo. Muitos foram os títulos e honras que recebeu durante sua vida e depois de sua morte. Ela fez o curso Ginasial no Colégio São Geraldo, sendo sua diretora na época D. Jurema Moretz de Castro Lacerda. No período de 9 de março de 1955 a 13 de dezembro de 1955, Vilma lecionou nesse estabelecimento como professora de História geral, Música e Canto Orfeônico.

Quero aqui descrever a mulher, mãe e filha que foi Vilma Paraíso Ferreira de Almada. De alma sensível, coração aberto, musa eternizada nos versos e poemas do escritor mineiro Roberto Ribeiro Almada, com quem se casou em 24 de julho de 1960. Ele era membro da Academia Espírito-santense de letras e da Academia de Letras de Cascais, em Portugal. Dessa união nasceram três filhos: Andréa (cirurgiã-dentista), Roberto José (Juiz Federal e professor Universitário) e Maria Adriana (médica endocrinologista). Vilma era uma mãe zelosa. Cuidou da educação dos filhos com esmero e perfeição, procurando dar-lhes um caráter humano e religioso e depositar no coração deles o amor aos estudos e ao próximo. Foi uma mulher que lutou pelos seus sonhos e os realizou. Porém o ser humano está sempre em busca de alguma coisa a mais na vida. E ela, dando asas à imaginação, viu que chegara a hora de realizar um outro sonho. Seria esse a complementação de uma vida vitoriosa. Era uma viagem ao exterior, planejada a dois havia muito tempo, uma turnê pela Europa ,começando pelas Ilhas de Maiorca.

Imaginemos a expectativa e a alegria que antecederam aqueles dias, de poder contemplar a beleza do mar Mediterrâneo junto do esposo, e, pelos olhos poéticos dele, admirar a ilha com suas belezas naturais e exuberantes. Seria, por certo, sua segunda lua-de-mel.

Foi assim que Vilma Ferreira Paraíso de Almada e seu esposo, Roberto Almada, seguiram em busca do mais desejado passeio, que fariam a dois.

No dia 4 de outubro de 1987, já estando em Maiorca, sentada em uma cadeira na varanda do hotel e olhando para o azul real do mar da bela ilha, viu sua aspiração concretizada. Certamente sorriu para seu grande amor, impressionada com tanta beleza. Por certo também, religiosa como era, agradeceu a Deus por tudo que recebeu d'Ele nesta existência, inclusive pela oportunidade de estar ali. Assim, descansada e feliz, fecha os olhos diante do ideal realizado e, com um suspiro de despedida, deixa esta vida, deixa seu grande amor que, ao seu lado inconsolável, passou pelo trágico momento. Morre de frente para o mar, uma guaçuiense que fez história no meio culto de nosso País, pesquisadora que foi de uma grandeza inestimável e professora de profundos conhecimentos. Aos 52 anos, acometia de infarto do miocárdio, deixa Roberto e os familiares inconsoláveis, e, todos aqueles que foram seus amigos,profundamente tristes.

Dela temos vários testemunhos, como de Gabriel Bittencourt que disse: ”Sua importante contribuição foi principalmente por trazer Luz para o período da escravidão no Espírito Santo”.

O professor, poeta, romancista e Juiz de Direito, Renato Pacheco, discorre sobre sua personalidade exuberante: “Professora rigorosa, excelente pesquisadora, um astro brilhante que passou rapidamente por aqui.”

Para Haroldo Corrêa Rocha, o livro “Escravismo e Transição” é uma obra original e das mais importantes contribuições de autores capixabas à historiografia nacional.

A autora teatral Vera Viana, que pretendia produzir um vídeo para a TVE sobre o tema, também lamentou o passamento de Vilma Almada, pois ela seria uma de suas fontes.

Vemos, assim, que o meio cultural sentiu que perdia uma grande mulher e historiadora.

Quero terminar esta pequena biografia dessa pessoa admirável que foi Vilma Paraíso Ferreira de Almada com uma declaração dela ao Caderno Dois, do jornal “A Gazeta”, quando se comemorava o Centenário da Abolição da Escravatura no Brasil. No final da entrevista ela lembrou a situação do negro brasileiro, que continuava oprimido mesmo depois da abolição. Afirmou que “A cor da pele influenciava a estrutura social. Após a escravidão essa ideologia do branqueamento se torna mais séria, pois o negro teria de competir com o imigrante branco. Diante disso, muitos negros, até hoje, estão fazendo o jogo da classe dominante.”

Para a historiadora, a escravidão teve um papel importante e foi um marco que possibilitou o surgimento do capitalismo.

Vemos, assim, que Vilma Paraíso Ferreira de Almada era uma mulher antenada com seu tempo, voltada para a realidade e sofrimento de uma raça que mostrou sua bravura e que muito trabalhou para o crescimento do nosso Brasil e que ela lutava por uma sociedade igualitária e mais justa. Em seu livro e em suas palavras nessa entrevista, ela se mostra sensível à desigualdade entre os seres humanos.

Vilma Paraíso Ferreira de Almada é uma guaçuiense para ser imitada, homenageada e honrada.

Agradeço a família de Vilma Paraiso Ferreira Almada que me concedeu livros,jornais da época ,fotos ,para que escrevesse esta pequena biografia,que será devidamente acrescida de fatos para melhor conhecimento desta culta e nobre mulher Guaçuiense.

Heliana mara Soares