TIRADENTES. Protomártir de nossa Independência

                        Sérgio Martins PANDOLFO*


         O dia 21 de abril assinala a data de imolação do herói nacional cognominado Tiradentes.
         Joaquim José da Silva Xavier, por antonomásia o Tiradentes, nasceu em 1746, no sítio Pombal, do primevo Arraial Velho, depois Vila de São José – um dos mais antigos povoados das Minas Gerais – rebatizada mais tarde, logo após a proclamação da República, com o nome de Tiradentes, em homenagem a seu mais ilustre cidadão. Foram seus pais, de medianos recursos e pequenos fazendeiros, o português Domingos da Silva Santos e Antônia da Encarnação Xavier, descendente de paulistas, que faleceram quando era ele ainda criança, sendo o quarto filho de uma prole de sete, dos quais dois ordenaram-se padres. Consta haver sido criado por seu tio e padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, que era cirurgião dentista e clinicava na Vila de São João Del Rei, e também minerador, tendo, nesse período, recebido aprimorada educação. Joaquim José tinha também um primo padre, Frei José Maria da Conceição Veloso, renomado botânico e que muito o instruiu sobre coisas da Medicina ligada às ervas, de que veio mais tarde a dar provas. Frei Veloso viria a se tornar, anos passados, o criador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e deixado monumental obra científica: Flora Fluminense, em 11 volumes.
         De inteligência viva, lia o que se lhe chegava, interessando-se, sobretudo, pela prática de curativos e receitas, além de que possuía a “prenda de tirar e pôr dentes”, o que lhe valeu a alcunha pela qual ficou mais conhecido. Espírito prático, habilidoso e inventivo, tentou sem êxito a mineração (por sua “inteligência mineralógica” reconhecida) e as empreitadas da construção civil (na capital da colônia intentou construir um trapiche, fazer embarcadouro de gado, assim como canalizar as águas dos rios Andaraí e Maracanã, visando a resolver o já à altura angustiante problema de abastecimento do Rio de Janeiro). Foi tropeiro e comerciante. Ingressou na carreira das armas no posto de Alferes (reservado à nobreza civil) da 6ª Companhia do Regimento de Cavalaria Paga da Capitania de Minas Gerais.
         Conquanto cumpridor eficiente das difíceis missões de que foi investido nos quase 14 anos de vida militar não conseguiu uma única promoção, fosse por ser brasileiro (não-português) ou por não ter qualquer padrinho que lhe valesse, muito embora tenha desempenhado algumas missões e realizado trabalhos de destaque. Em razão das lides de patrulha dos caminhos, a fim de garantir a ordem ou o ouro que era levado ao Rio, conhecia bem os terrenos e fazia muitas amizades ao longo das vendas e paragens. Sabedor, por amigos, dos ideais libertários vindos da Europa, em especial de França, em que pontificavam as idéias e os ensinamentos dos principais filósofos e escritores do século XVIII, tais como Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Mably e o Abade Raynal, e estimulado pela independência, em 1776, das 13 colônias inglesas do norte da América (EUA, hoje), passou a conversar com quantos encontrava dispostos a escutá-lo e inteirar-se de suas pregações de liberdade, tornando-se o principal articulador do movimento conhecido como Conjuração Mineira. Possuía um exemplar da Constituição dos EUA, a qual conhecia minudentemente, que está hoje no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto. Promovia encontros em casas de pessoas eminentes, em tavernas e nas ruas. Com sua palavra fácil, inflamada e convincente, o alferes tornara-se figura assaz conhecida na capitania e no Rio, onde chegou a frequentar o palácio do vice-rei.
         Ainda como conseqüência do devastador terremoto de 1755, que destruíra quase que totalmente a cidade de Lisboa, cuja reconstrução exauria o Erário Real, a Corte Portuguesa carecia, urgentemente, de maiores recursos, a serem obtidos nas colônias. Por isso de Portugal viera nomeado novo governador (1788) para a capitania das Minas Gerais, o Visconde de Barbacena, com ordens expressas de proceder à “derrama” (cobrança de impostos atrasados, que o povo não pudera ou deixara de pagar), ocasião que Tiradentes vislumbrava como a mais propícia para a deflagração de seu movimento de insurreição, visando à independência da capitania, que ele imaginava logo seria seguido pelas demais, expandindo-se a toda a América portuguesa.
         A conspiração ganhava forma e força, arregimentando membros do clero, militares, comerciantes, intelectuais, fazendeiros, juristas, liberais, poetas. Discutia-se a governação a ser implantada, como seria o golpe, o papel que caberia a cada membro, as fontes de receita; até mesmo a bandeira do novo Estado foi concebida. Combinara-se a senha do levante: Tal dia é o batizado.
         Mas não tardaria a delação sorrateira, perpetrada a 15 de março de 1789, por um dos conspirantes, Joaquim Silvério dos Reis. Barbacena suspendeu a derrama, quebrando o ímpeto e estímulo maior da população para o levante. Tiradentes estava no Rio, sob a espreita de espiões e, alertado, homiziou-se em casa amiga, sendo preso em 10 de maio de 1789. Interrogado, a princípio tudo negou; depois, frente a delações explícitas e confissões escritas feitas por alguns dos insurgentes, em depoimentos nos tribunais, assumiu, por inteiro, a responsabilidade pela conjuração.
         A sentença anunciou-se cruel e bruta contra os conspiradores: degredo da maioria dos conjurados para as possessões portuguesas em África, reservada ao suposto líder, Joaquim José, condenação à forca, cumprida no Rio, em 21 de abril de 1792. Foi o enforcamento mais solene que se fizera no Brasil, até então, para servir de exemplo dissuasório. Pelos que o assistiram nos últimos momentos sabe-se do admirável e altivo comportamento de Tiradentes, não se penitenciando do que fizera nem suplicando clemência (como era correntio); ao revés, disse aos seus algozes: “dez vidas daria, se as tivesse”, enfrentando o sacrifício com a mesma dignidade. Morto, seu corpo foi esquartejado, salgadas suas carnes, como vilipêndio, e sua cabeça exposta em praça pública na Vila Rica (Ouro Preto). Sua memória foi declarada infame. O Alferes morreu solteiro, mas é dado como certo que teve uma filha, a qual chegou a batizar e, conta a tradição, também um filho, que deixou descendência nos garimpos do Rio Abaeté e em Dores do Indaiá.
         Anos mais tarde tornava-se o Brasil independete, mas o nome Tiradentes permaneceu esquecido; somente em 1867 erigiu-se, em Vila Rica, monumento à sua memória.
         Com o advento da República, entretanto, foi Tiradentes declarado herói da Nação e o 21 de abril tornado feriado nacional. A lei Nº 4.897, de 9 de dezembro de 1965, declarou-o “patrono cívico da nação brasileira”, corrigindo deplorável omissão.

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(*) Médico e Escritor – SOBRAMES/ABRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 11/04/2010
Reeditado em 13/07/2011
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