DEIXA-NOS O MÉDICO E ESCRITOR MOACYR SCLIAR

Sérgio Martins Pandolfo*

“A Medicina e a Literatura se completam. Elas compreendem a pessoa humana.” (Moacyr Scliar, médico e escritor)

As Parcas, sempre traiçoeiras e implacáveis, nos subtraíram, nos últimos dias, importante figura, uma das mais representativas mesmo, quer como integrante da cultura lato sensu, quer da categoria médica.

A professora/escritora parauara Amarilis Tupiassu diz que “É sempre difícil verbalizar a desmesura”, com o que por inteiro concordamos. Mais um gigante do cenário literário brasileiro deixou este plano terreal no passado dia 27 de fevereiro: o médico e escritor gaúcho Moacyr Scliar, aos 73 anos de uma vida de impressionante prolificidade literária e paralela proficiência médica, a provar que Medicina e Literatura são tão somente dois veios do mesmo filão cultural. O laureado escritor faleceu à 1 hora da madrugada de domingo, 27 de fevereiro, de complicações após um AVC sofrido no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, para onde havia sido recolhido desde o dia 16 de janeiro a fim de ser submetido a uma operação nos intestinos para retirada de pólipos.

Moacyr era escritor compulsivo e irrefreável, tendo escrito à volta de 80 livros em seus cinquenta anos como escritor (cerca de 1,5 por ano). Seu primeiro livro o entregou quando ainda estudante de medicina: “Histórias de um médico em formação” (1962). Escreveu crônicas, contos, romances, ensaios, literatura infantil, podendo-se pôr destaque em “O ciclo das águas” e “O centauro no jardim”.

Nunca deixou, ou pôs em segundo plano, a medicina, exercendo-a praticamente até o final de sua dignificante existência. Formado, fez Residência Médica na Santa Casa de Porto Alegre especializando-se em Saúde Pública, tendo ocupado vários cargos de relevo na Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul, tal o de chefe de equipe de educação em saúde. Fez pós-graduação em Medicina Comunitária em Israel e doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública. Scliar pode ser comparado a um São Lucas da atualidade: o santo, paralelamente à contínua e devotada messe da medicina, foi também prolífico e refinado escritor, assim que escreveu, dentre outros importantes textos, o Terceiro Evangelho e os Atos dos Apóstolos.

Moacyr Scliar era judeu, de família originária da Bessarábia (Rússia) que chegou ao Brasil no alvor do século passado, tendo nascido aos 23 de março de 1937 no bairro israelita do Bom Fim, arredores de Porto Alegre e sido alfabetizado pela mãe, Sara, professora primária; formou-se em Medicina em 1962 pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Conquanto não fosse religioso era um autêntico embaixador e interprete da cultura judaica no Brasil.

A especialização em Saúde Pública deu-lhe oportunidade de vivenciar muitos casos de dor, sofrimento, doenças, mortes que procurou repassar para seus livros, como em “Majestade do Xingu”, “A paixão transformada”, “História da Medicina na Literatura” e, em 2005, “O olhar médico – Crônicas de medicina e saúde”. “O medo de morrer e o sofrimento causado pela doença nos fazem mais frágeis e nos tiram as máscaras que usamos em nosso dia-a-dia”, afirmava.

Além dos livros editados quase em catadupa, Moacyr produziu inúmeros textos para vários jornais e revistas, e concedeu um sem-número de entrevistas em rádios, TVs, feiras de livros e a convite especial de sociedades culturais, como uma a que assistimos aqui em Belém, há cerca de quatro anos, sob patrocínio de entidade pública, no auditório da “Estação Gasômetro”, quando pôde mostrar toda sua erudita simplicidade, e vários de seus livros foram adaptados para o cinema - como são exemplos “Um sonho no caroço do abacate” e, em 2002, o romance “Sonhos tropicais” -, para a televisão e o teatro,

Scliar, mestre supremo da leveza e da ironia, entrou para a Academia Brasileira de Letras em 2003, eleito pela unanimidade dos acadêmicos, dos quais de todos tornou-se amigo e de muitos, como nos revelou há pouco Carlos Heitor Coni, seu colega de fardão, médico orientador. Ganhou nada menos que quatro prêmios “Jabuti” (1988, 1993, 2000 e 2009), o Associação Paulista de Críticos de Arte – APCA (1989) e o Casa de lãs Américas (1989), mas, inobstante isso, nunca se o viu descalçar as sandálias da humildade.

O Professor Dr. Moacyr Scliar era Membro Honorário da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - SOBRAMES, cujo título lhe fora outorgado em novembro de 2005, na cidade de Porto Alegre, RS, na sessão de encerramento do Congresso de História da Medicina, pelo então presidente da Sobrames Nacional, Dr. Luiz Alberto Fernandes Soares. Esse literato de primeira grandeza tinha muitos leais e fraternos amigos na Sobrames, com os quais cultivava estreita ligação.

Casado desde 1965 com Judith Vivien Oliven, desse conúbio sobreveio um filho, Roberto, em 1979.

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(*) Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES

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Site: www.sergiopandolfo.com

Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 01/03/2011
Reeditado em 11/04/2011
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