BENEDITO NUNES. A DOCE FILOSOFIA DO MESTRE

                                 Sérgio Martins Pandolfo*

        “As sandálias da humildade de que se valiam dois dos mais venerados santos da Igreja Católica, Santo. Agostinho e S. Francisco de Assis, para não falar do Discípulo Magno, São Pedro, o pescador guindado a chefe da Igreja que nos deixou o Messias, jamais se constituíram em exício profissional a quem delas sabe valer-se”.     SerPan


           Benedito José Viana da Costa Nunes, um nome muito grande para um homem de pequena estatura física e compleição franzina, mas um gigante em arcabouço moral e intelectual - por isso que nos circuitos sociais e profissionais era tão somente o professor Benedito Nunes ou, para os mais chegados, e carinhosamente, “Bené” - deixou-nos definitivamente às 9h do dia 27 de fevereiro passado, aos 81 anos, após curto período de internação hospitalar para tratar-se de uma úlcera, de que advieram complicações respiratórias. Intelectual de primeira grandeza era filósofo, escritor, crítico literário e de arte e, acima de tudo, professor. Em pleno viço intelectual Benedito fora agraciado, ainda em 2010, com o “Prêmio ‘Machado de Assis’”, concedido pela Academia Brasileira de Letras, troféu maior do silogeu, pelo conjunto de sua obra. Também recebera, no mesmo ano, o prêmio “Jabuti”, categoria crítica literária, com o trabalho “A Clave do Poético”.
          Em 2009, pelos oitenta anos, Benedito fora triplicemente homenageado pela Universidade da Amazônia: indicado para receber o título de Doutor Honoris Causa; tema exclusivo da revista “Asas da Palavra” e personagem central da exposição “Benedito Nunes, o filósofo da Amazônia – 80 anos de sabedoria”. Nos últimos tempos aprestava-se para o lançamento, em junho próximo, de três volumes da coleção “Diálogos de Platão”, em edição bilíngue (grego/ português), de que, regozijadamente, foi um dos principais organizadores. Pioneiro do ensino da filosoafia entre nós, Benedito foi fundador da Faculdade de Filosofia da UFPA, da qual foi professor durante muitos anos, merecendo mais mais tarde da Universidade o honroso galardão de Professor Emérito.
           Conhecemo-lo já como o mestre competente, que sempre foi, na década de 1950, no Colégio Moderno, quando fazíamos o científico, como lente da disciplina Filosofia. Àquela altura o ensino dessa matéria era integrante da grade curricular. Acompanhamos a trajetória do Mestre ao longe e ao perto, através das notas midiáticas dando conta de seus feitos, suas participações professorais e literárias, viagens à Europa, máxime à França, para ministrar cursos, e premiações, que foram inúmeras ao longo de sua vida e não caberia enumerar aqui no bojo limitado deste artigo.
           Bené era um solitário, quase um ermitão, que se “refugiava” em sua estufada biblioteca, onde passava horas ou dias a fio, em íntimo e abeberante conluio com os milhares de livros dispostos em inúmeras estantes, nas quais ele sabia exatamente onde encontrar cada volume desejado. Era um autodidata, estudava de tudo por conta própria. “Seu impressionante conhecimento em nada lhe inflava o ego ou enfatuava a personalidade. Seu trato era gentil, simples, cordato, atributos que conviviam com o sábio de pensamento vigoroso, de observações atiladas, de escrita rigorosa...”, a replicar o jornalista Elias Pinto.
           Em 2006, em feliz reencontro, tivemos a oportunidade de manter curto, mas substantivo diálogo com o Professor Benedito, aquando do lançamento da obra “Crônica de duas cidades. Belém e Manaus”, que fez em parceria autoral com o escritor manauara Milton Hatoum. Apresentava excelente disposição e perspicácia de raciocínio, a par de invejável memória (lembrava-se perfeitamente de nosso tempo de estudante, de nosso nome, alguns fatos ligados à nossa vida profissional e à de nossa genitora, Clara Pandolfo, de quem fora contemporâneo de magistério no Moderno, junto com Francisco Paulo Mendes (outro ícone cultural do Pará) e acerca de quem perguntou sobre a saúde e ocupações que entretinha..
           Um dos maiores pensadores da Amazônia, e mesmo do Brasil, conhecido e admirado por seus pares, deixou-nos uma obra literária e filosófica robusta e consistente composta por 25 livros publicados e vários a publicar por editoras do País e forâneas, outros organizados por ele, colaborações em livros nacionais e estrangeiros, além de traduções. Dentre suas obras pode-se pôr destaque, igualmente, nas de caráter ensaístico sobre Clarice Lispector, Drummond, Pessoa, Rosa, Heidegger, Nietzsche e os nossos parauaras Dalcídio Jurandir, Max Martins, Ruy Barata, Haroldo Maranhão e Francisco Paulo Mendes.
           O professor Benedito Nunes foi casado com a também professora Maria Sylvia Nunes, parceira querida que ele escolheu ainda nos bancos universitários e que foi, durante a vida inteira, sua eficiente colaboradora, companheira e incentivadora, e de cujo conúbio não proveio descendência.
            Bené foi-se da vida terrena, do contacto físico com seus inúmeros amigos, discípulos e admiradores, mas jamais sairá do coração e da lembrança de todos nós que o queríamos para sempre. Vai-se o mito, fica-nos o legado imperecível de sua obra.

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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 03/03/2011
Reeditado em 27/09/2011
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