Desencadear de uma leitora I

Ao assistir o filme shine reportei ao meu passado, assim como o filme ia do presente do David ao seu passado. Onde seu pai numa loucura de ser o melhor pai impunha a ele seus queres e convicções.

Vejo que em menor grau todos sofremos pelo o que os nossos pais acham que é certo.

Recordo-me das palavras de meu em que nos dia que a honestidade era tudo para um homem. Meu pai um homem forte, mas ignorante no quesito saber, mal tinha a 4ª série primária, motorista profissional. Aprendeu seu oficio no cais de Santos com um patrão austero. Papai tinha uns 14 anos quando saiu do interior de Pernambuco, de Arcoverde, e foi para São Paulo, não sei em quais circunstâncias, e nem o porquê, não me recordo dele ter contado a nós. Quando éramos pequenas papai nos colocava no colo na raras vezes que ficava em casa. Ele trabalhava muito tinha dois ou até três empregos quanto eu tinha por volta de 5 anos de idade. Mas me lembro do prazer que eu sentia com a sua presença. Engraçado como isto é possível, eu recordo muito mais de meu pai na infância do que de minha mãe, apesar dela não trabalhar fora e ficar conosco o dia todo, mas é de meu pai que tenho as mais doces lembranças. Ah com sinto saudade dele, era ele a quem eu tinha maior afinidade, mesmo com as grandes diferenças que existiam entre ele e eu. Sempre fui a estranha da família. Quando criança ainda via os filmes na sessão da tarde, onde salas enormes surgiam em cena com estantes de livros circundando as paredes e os personagens lindos, bem vestidos e com ar intelectual entravam-na eu na minha imaginação me incluía naquela situação onde eu pertencia aquele lugar e desejava que aquela biblioteca fosse minha. Em meus anseios infantis vi em meu futuro uma grande biblioteca pessoal onde eu haveria de ter lido dos aqueles livros de minha biblioteca onde não ficaria um se quer que eu não tenha lido. Viajava na imaginação. Fui crescendo e não tinha o incentivo de meus pais à leitura, nem poderiam eles mal sabiam escrever seus próprios nomes. Eles não tinham sido instruídos o suficiente para entender o valor de um livro. Não os culpo e nem os condeno a nada, eles foram vítimas de um destino. Do destino da maioria dos brasileiros que não tem a oportunidade de estudar. Vítimas de um país que não incentiva a cultura, de um país onde a lei está do lado do mais esperto, do que tira vantagem de tudo numa falta total de ética.

Viver em uma ambiente assim eu poderia ser uma pessoa acomodada, mas mesmo com toda a falta de incentivo para a leitura eu queria ter uma biblioteca onde eu leria todos os livros. Minha mãe sempre dizia filho de pobre tem que estudar, não quero que vocês seja empregadas domésticas com eu, não quero que sejam humilhadas como eu fui ou como seu pai que sofreu muito para ter o pão. E assim me propiciaram os estudos, mas eu queria mais, e mais, queria alem de estudar queria ler, mas nem gibi meus pais tinham recursos financeiros para comprar. Adorava ficar olhando os meus livros da escola. Quando entrei para primeira série que ganhei o primeiro livro. Eu o lia todas as historias e lições antes. As letras, as gravuras me encantavam. Era a cartinha “O Barquinho Amarelo” da Ledâ Dias da Silva – 1972. Como eu adorava ficar horas folheando o meu livro, meu primeiro livro. Eu creio que se hoje eu tivesse um destes em minhas mãos choraria muito emocionada recordando cada historia contida. Não me esqueço de nenhuma. Não me recordo quando eu aprendi a ler, mas lembro que antes de sair do jardim de infância eu tentava ler. Mamãe tinha um diário que uma vizinha, a Cida, a ajudava a escrever, já mamãe também não sabia escrever, apenas assinava o seu próprio nome. Eu curiosa para saber tudo já que mamãe sempre falava que estava escrevendo aquele diário para nós lermos quando estivéssemos adultas, mas a curiosidade infantil era maior e eu decidi aprender a ler para satisfazer lendo aquele diário misterioso que eu apenas poderia ler quando já estivesse grande. Pensava comigo o teria ali já que mamãe era a melhor mãe do mundo, será que ela era uma heroína com histórias de aventuras onde ela derrotava grandes inimigos. Sim eu só imaginava coisas desde porte, não romanceava, não passava ainda ao meus 4 ou 5 anos de idade historias de romances. E claro que hoje imagino que eram historias dos amores da mamãe.

Quando eu estava na primeira série que já lia e planejava pegar escondido o diário da mamãe. Estava só esperando a oportunidade para completar meu intento eu já lia mesmo, e foi para ler o diário que aprendi a ler, chega minha tia irmã da mamãe discute com mamãe sobre o conteúdo do diário a chama de doida. E quando minha mãe saiu, para comprar pão minha tia foi a um fogareiro no quintal onde minha mãe esquentava água para tomarmos banho e colocava os papeis de carta, o dito diário, enrolado em um lenço do papai no fogo. Eu falei tia é da mamãe, é o diário dela, não queime. Eu achei que minha tia não sabia do valor daqueles papeis, já que a mamãe falava deles com carinho e demonstrava um grande valor. E titia me respondeu isto é cocô, Fátima tem que ser queimado. Então vi ali frustradamente ser destruído o meu primeiro objeto de desejo literário. Uma dor pungente adentrou em meu coraçãozinho de criança. Impotente entrei para minha casa e logo me distrai com a tv. Não recordo se minha mãe e tia tiveram conversar a respeito do acontecido. Anos depois quando eu já estava com os meu 30 anos soube parcialmente do conteúdo e afirmo ainda bem que minha tia queimou, eu não seria a mesma se tivesse lido aquilo naquela época. Não teria admirado minha mãe como eu admirava na infância, talvez minha personalidade e meu caráter tivessem sido abalados de forma terrível.

Mas logo me vi sem o meu objeto de desejo passei a me distrai com a tv. Logo naquele ano em que ingressei na primeira serie nos mudamos. Saímos do acampamento da COTELB, hoje chamada de vila da Telebrasília as margens do Lago Paranoá. Fomos morar em Taguatinga e eu passei a estudar em uma escola particular e meus livros mudaram, mas guardava o meu primeiro livro com carinho até que minha mãe o doou a outra pessoa. Eu o vi ir embora de novo meu coração doeu, mas minha mãe dizia que não tínhamos que ficar guardando algo que outros poderiam usar e ser útil já que não estávamos utilizando. E isto mamãe aplicava a tudo, desde roupas, sapatos mamãe é muito generosa até hoje. E isto foi minha primeira lição de desapego. Acabei por não mais apegar as coisas e também não lia meus novos livros como fazia com a cartilha. Não me apegaria a eles, pois iriam ser passados para frente depois mesmo. Logo que fiz a segunda serie eu adoeci gravemente dos rins. Uma infecção originada por causa das minhas varias crises de garganta. Minhas amídalas inflamavam constantemente e por isto tive que extraí-las, naquele tempo em 1977 ou 1978 era moda extrair as amídalas, mas meus pais eram pobres, e as minhas foram extraídas por motivos alheios aos ditames da moda eu estava muito doente mesmo. E a conseqüência disto foi uma infecção renal que se não cuidada eu poderia morrer. Adorava ir à escola, eu tinha oito anos e cursava a segunda série do primário, hoje equivale ao 3º(terceiro) ano do ensino fundamental, porém por instruções médicas eu não poderia nem sair da cama, tudo que eu ingeria de liquido e expelia tinha que ser medido, caso não fosse igual, as medidas eu teria que correr para o hospital e ser internada. E assim foram longos 6 meses ou mais em que eu com toda energia infantil tendo que ficar horas, dias na cama apenas me levantado para tomar banho e comer. Recordo que não me entediava eu obedecia piamente o que mamãe mandava. Acreditava nela, ela era a minha heroína, minha deusa o que ela falava era a pura verdade e fazia aquilo para meu bem, não dei trabalho, ficava o dia todo vendo tv e folheando algumas revistas que colocavam em minhas mãos. Eu tinha ganhado um livro o meu primeiro do meu padrinho. O título era “De onde vem os bebes” mamãe conta que foi devido a minha curiosidade. Tinha uma amiga da mamãe que engravidara e mamãe e papai a acolheram em casa a tia Cecília. Eu ficava perguntado como é que ela estava grávida e como um bebe entrou na barriga dela. Minha mãe contou me uma historinha besta, que quando um pessoa queria ter bebes ela ia no mato e comia uma frutinha vermelha. Depois de adulta minha mãe nos contou que sua medica quando soube o que minha mãe havia nos contado deu-lhe uma bronca dizendo que já pensou se suas filhas inocentes querem ter bebes vão no mato e comem um veneno? E instruiu minha mãe a conversar conosco sem nos tirar a inocência. Contudo minha mãe não tinha a menor idéia de como fazer isto se ela mesma nem foi educada pra este tipo de conversa com crianças e pediu ajuda aos meus padrinhos que estudavam faziam faculdade. E no meu aniversário antes de eu adoecer me deram o tal livro. Devorei-o no mesmo dia.

Nos dias que fiquei de cama lia e relia, era o único que eu possuía. Mas não me esquecia do meu sonho de ter uma biblioteca. Ainda via tv e a sessão da tarde com aqueles filmes lindos, em preto e branco em nossa tv e também não emitiam ainda nada a cores.

Logo eu melhorei tivemos que nos mudar. Papai havia feito a burrada de vender nossa casa no acampamento da Telebrasília e fomos morar na garagem da empresa onde ele trabalhava. E como ele foi demitido ou pediu as contas não sei bem o que houve tivemos que nos mudar. Nisto fomos morar no lote da minha tia em Taguatinga, aquela que queimou o tal diário proibido da mamãe. Minha tia morava com o marido no Cruzeiro Velho e eles alugavam uma casa de madeira na QNA, e cedeu aos meus pais de graça. Eu tinha perdido um ano de estudos e teria que fazer a segunda serie novamente em escola publica. Amei minha nova escola, a professora D. Iva era adorável. Mas os recursos financeiros não eram, grandes papai tinha deixado a empresa de ônibus e só trabalhava no taxi e na Telebrasília. Em noites alternadas e durante o dia ele foi trabalhar como motorista de uma fabrica de café. E como já não o via muito já não tinha mais o colo dele. E por causa de acumulo de trabalho meu pai quase morreu. Teve o que chamam de mio cárdia uma das veias artérias entupiu e ele ficou vários dias internado e para piorar apresentou um quadro de labirintite, se aposentou quando eu tinha 10 anos de idade e com isto tudo piorou financeiramente. Mas antes disto meus pais nos compraram enciclopédias. Eu adorava arrumar nossa estante e passava as tardes folheando e lendo os artigos. Não gostava de brincar na rua era muito tímida, até crianças vizinhas me achavam exibida, metida, mas na verdade eu não as cumprimentavam por pura timidez, então preferia ficar fazendo crochê ou lendo as enciclopédias, não era nenhuma Barsa, mas eram as minhas. Com o tempo pela falta de recursos financeiros de minha família eu fui acomodando meu sonho de ter uma biblioteca. Não queria deixar meus pais tristes com isto. Mal tínhamos o que comer.

Yoursun
Enviado por Yoursun em 03/04/2011
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