Continuação - Desencadear de uma leitora I

CONTINUAÇÃO...

Recordo um dia minha mãe construiu no quintal um fogão a lenha e falava que era legal tomar banho de bacia como no acampamento da Telebrasília que não tinha água encanada. Na verdade tinha cortado a nossa água por falta de pagamento e mamãe nos escondia. Adorávamos aquela aventura de tomar banho assim. E também ela virou e nos falou que estava com preguiça de cozinhar se a gente não queria comer uma comida no fogão a lenha como ela comia quando criança e que era divertido lavar as panelas que ficariam pretas e quando tivessem limpas era mágico como voltavam a brilhar. Eu e minha irmã adoramos a idéia da mágica e falamos que não nos importávamos de comer só arroz com chuchu. Nós divertimos em ver a mamãe cozinhar como ela dizia que era assim que na roça fazia. Mas na verdade era como no banho ela escondia que não tinha gás e nem o que comermos a não ser arroz branco com chuchu. E assim ela nos poupou de sentirmos os efeitos da invalidez do papai que não recebia há vários meses. Naquele tempo a aposentadoria não sai fácil e ainda apos invalidez. Papai deixou de ser alegre e se sentia infeliz, ficava horas sentado no meio fio da rua desiludido. Imagina um homem dinâmico impedido de fazer o que mais orgulhava que era trabalhar e ver sua família passar necessidade. Ele varias vezes mau humorado brigava conosco e nos afastava de sua presença. Sofri com a mudança de meu pai ele não era mais meu pai que nos colocava no colo.

Hoje me recordo em lágrimas tudo. Imagino como meu pai sofreu até melhorar e voltar a fazer seus bicos como ele dizia. E trabalhou depois até que adoeceu de repente e morreu de aneurisma cerebral aos 71 anos. Depois de 20 anos de ter sido encostado e aposentado por invalidez.

As minhas lágrimas de agora vem pela certeza que me tornei uma leitora, sem sua biblioteca tão sonhada e não sou nem um centésimo a leitora que sonhei em ser. Termino este relato em prantos. Mas orgulhosa de ter me tornado o que sou apesar de todas as dificuldades que passei no passado. Sei que poderei fazer muito mais que já fiz, mas nunca chegarei a ser a leitora ideal ou ter uma biblioteca enorme onde eu teria lido todos os livros. Já com meus quarenta e poucos anos um misto de dor e alegria de ter sobrevivido a vários relacionamentos conturbados com minha própria família que apesar de admirar meus pais pelo que fizeram por nós. Muitas vezes batíamos de frente por meu gênio investigativo. Descobri todos os segredos da minha mãe depois que fiz 30 anos. Descobri que não sou filha biológica de meu pai que admiro e amo a tal ponto que nunca quis saber quem era realmente meu pai biológico.

Choro sim, mas minhas lágrimas de agora é a certeza que me tornei um ser incrivelmente lindo. Percebo que a Vida me privilegiou com momentos intensos e tensos em várias situações, porém foram estas coisas que deram ao que Osho chama de iluminação.

Yoursun
Enviado por Yoursun em 03/04/2011
Código do texto: T2887218