Sofrimento daquela que se foi, mas iria voltar.

Inferno na Torre

Saí do aeroporto pesado. Pesado não era o aeroporto, mas eu. Eu que tanto temera aquele momento, tremera em pensar naquele momento. Temor esse que foi aumentando de acordo com a hora da partida como esta era inevitável. Parti-me então ao vê-la partindo para longe. Longínquo era o destino e assim meu coração se intumescera. Fiquei como que tomado de fortes doses de destino. Este que quisera leva-la para longe. Para toda essa distância que me é intransponível fisicamente.

Cada passo que dava em direção à saída me conduzia para um local em minha alma mais obscuro. Escuro estava o estacionamento e mal pude reconhecer o carro que teria que dirigir. Ao meu lado alguém falava palavras que entravam e saíam da minha mente, sem nenhuma resistência. Não conseguia mais resistir ao que se apresentava. Doze dias. Doze longos dias que se passariam sem ela. Sem saber o que era a doçura de suas palavras, as doces formas de seu corpo, sem saber o que era aquela maciez me tocando a pele e aquele aroma que invadia e me penetrava profundamente a alma.

Doze dias. Estava pensando há menos de doze minutos nela e já me pareciam doze enormes séculos de pura tortura. Todas as lembranças dos breves meses que passei ao seu lado me vinham à mente em pura forma bruta de sentimento. Sentindo o que me era devido lacrimejei. Seriam doze dos dias que me restavam sem a ver. Haveria forma de contornar isso? Mais tarde saberia que ouvir sua voz de outro país pelo telefone é encantador. Fiquei encantado ao ouvir sua voz ao telefone falando meu nome, me relatando detalhes que podem parecer inúteis aos olhos de qualquer outro mas eram extremamente relevantes para mim, mas estou me adiantando nos fatos. Como se cronologia importasse num momento desses.

Dirigia e as estradas pareciam como que navalhas cortando o espaço. O tempo já não me fazia sentido, cada segundo equivalia a eras incontáveis e já sequer tentava lutar contra isso. Pensava no avião partindo. Cada metro de distância que me afastava dela me fazia um sujeito menor, com menos vida, com menos tempo para viver. Olhei para o céu.

Chovia. O céu se manifestava claramente junto a meus sentimentos, jorrando toda sua lamúria em terras, pois às águas me faziam melhor ao saber que não sofria sozinho, tinha o apoio da natureza. Natural que ficasse meio chateado pois não a veria em muitos dias. Havia no ar aquele clima pesado de insatisfação então liguei o rádio, tocava uma melodia depressiva e algum cantor com voz rouca resmungava algo. Algo me lembrava de dias que viriam. Esses que se dividiriam em horas que passariam em lentos minutos. Já os segundos seriam com o que a gozação do tempo com a minha cara. Estariam todos rindo de mim e debochando momento após momento.

Cheguei em casa e ouvi que eles pavimentaram o paraíso e puseram um estacionamento nele. E ouvi também que a era do gelo estava vindo, mas mesmo assim precisava ouvir aos dois lados. Ouvi ainda que de alguma forma eles vão perder os bons e os velhos dias antigos algum dia, algum dia.

Perdi-me nos mapas. Mapas do centro, da periferia e de todos os cantos do país da troca da guarda, da velha rainha, do parlamento, do início do tempo, do marco zero da vertical. Perdi-me em suas virtudes e seus encantos, em toda a história e me lembrei do Rei Arthur, da velha Bretanha, de Excalibur e de Merlim. Pedi uma magia a ele que me fizesse estar perto dela. Muito mais perto do que eu poderia naquele momento. A chuva parara mas por dentro ainda sentia a tempestade inundando o mundo. Deixando um feixe de luz onde ela estaria para proteger e aquece-la.

Lembrei-me dos Beatles e suas melodias simples e cruas. Perdi-me ouvindo todas as suas músicas e então me vi as cantando todas. Estava praticamente ao lado da minha amada. Estava acariciando seus cabelos sentindo cada fio de cabelo entre meus dedos, estava sentindo o calor de sua mão passeando pelas minhas costas, cheguei a sentir a doçura de sua boca e aqueles lábios que me faziam esquecer de cada minuto e aproveitar a vida.

Lembrei-me de cada pequena reclamação que ela fazia das coisas da vida e sentia falta delas, sentia falta mas mordidelas que me dava e até uns tapas por falar alguma besteira ou ser muito bom, palavras dela. Agradeci imensamente a Merlim, mas ao agradecer o feitiço foi quebrado. Voltei rapidamente para junto do meu computador. Estava só de novo.

Lembrei-me de antigas fotos. Antigas ao meu modo de ver, pois tinham no máximo algumas semanas, mas lembrei delas. Apreciando cada detalhe, roupas, caras, mãos, texturas, tatuagens, meros apetrechos, enfim me deparei em uma boate. Naquele dia estava de preto. Não de azul. Talvez de vermelho. Isso de vermelho! Estava da cor do fogo. Estava meio bêbado. Não me lembro bem. Lembro-me dela. Com sua leve irritação por ouvir música que não era de seu agrado, sua leve tendência a querer sair daquele lugar pois as pessoas que lá estavam não eram as mais agradáveis. Aliás não eram nem um pouco agradáveis. Passamos então pela porta de saída. Fomos direto para outra boate. Um rock pulsante enchia o ambiente e todos se sacudiam. Ela se transformara e passara a dançar e sorrir, alegre como estava me beijava e seus beijos me faziam vibrar de emoção. Eu descobri que sempre amei aquela que estava a minha frente, mas tinha descoberto somente há alguns meses. Preciosos em sua duração.

Pisquei meus olhos e o som já era meio eletrônico. Dançamos como se fosse a última noite de nossas vidas. Víamos toda a cidade de uma pequena janela que lá tinha. Latinha? Horrível, mas a vida é assim. E fogos eram vistos, em seus artifícios dominavam todos com sua beleza. Cores pulsantes e vibrantes nos faziam ficar imóveis contemplando o novo ano que se iniciava em nossa frente sem que fizéssemos nada. Eu estava abraçado a ela, dizia com esse abraço que queria amá-la para todo o sempre, ou enquanto durasse a minha vida, qual dos dois acabasse por último. Apertei o abraço. J Lo em sua pop music nos brindava o ano vindouro.

Ouvi a porta batendo, voltei a minha casa. Percebi que estava em casa. Em frente ao computador. Com uma pequena lágrima no olho. Eu estava sofrendo por amor. Isso era inédito em minha vida. Era lindo ao mesmo tempo. Sempre quis amar.

Deixe-me com os pássaros e as abelhas. Por favor. Um avião levou a minha garota pra longe. Sons passavam pela minha cabeça, passavam de um modo absurdo. Sons que se confundem com imagens, sentimentos e realidade. Uma ligação enfim!

O som de sua voz. Sua não! Dela. É linda sua voz. Falada de longe, de milhares de quilômetros de distância. Perfeita e alegre, chorei. A saudade era tanta, tamanha que me fazia ficar tenso. Corpo retesado e músculos rijos. Estava nervoso por não conseguir falar nada. Só ouvir. Queria falar tudo e nada ao mesmo tempo. Nada que eu escolhesse para falar seria digno dos preciosos momentos que ali estava ao lado dela mas tão distante.

Em menos de meio segundo já não estava mais ao seu lado. Chorei. Sentia-me vazio. Sentia-me inferior. Senti que ainda faltavam algo próximo há um século para se passar.

Ela havia atravessado continentes, estava ao lado de outro povo, outra língua. Estava experimentando sensações totalmente novas. E eu aqui na mais ridícula das monotonias, esperando-a voltar. Ela perguntou-me como estava por aqui. Nada tinha a dizer, fiquei envergonhado. Não tinha o que falar, o que contar. Estava fadado a esse destino que me aprisionava na rotina. Então falei a única coisa que fazia por aqui, pensar nela. Ela como sempre achou que eu estivesse forçando. Fazer o que?

Ao desligar o telefone descobri que queria ter falado tudo que sabia, mas eu a amava demais para falar algo tão inútil. Preferi ouvi-la. Já encheu “né” leitora?

As horas

Dirigi-me ao aeroporto. Fui dirigindo o mais rápido que pude, como um louco. Levei alguns minutos para chegar até lá. Fui o mais rápido que pude e chegando estacionei na primeira vaga que me apareceu, era um lugar que não era bem uma vaga, mas aquela altura eu estava literalmente cagando para isso. Subi ao segundo andar e fui até o guinche da American Airlines. Nunca tinha utilizado uma arma antes, mas estava disposto a ir até as últimas conseqüências e engatilhei-a. Não estava agüentando essa dor que me batia no fundo do peito.

Cheguei sorridente, mas meio nervoso. Logo a atendente do balcão da AA me perguntou algo sobre passaporte e passagem. Tão logo ela acabou de falar mostrei-lhe minha arma que apontada para sua barriga a fez tremer. Ela queria gritar mas mesmo assim ficou muda e simpaticamente lhe falei para se acalmar.

Já planejara tudo. Cheguei bem perto para que ninguém notasse e lhe comuniquei que se não estivesse no vôo mais rápido para os Estados Unidos ela morria ao sair do aeroporto. Estava disposto a arriscar tudo, mas sabia que não teria coragem de atirar em alguém.

Não sei que jeito ela deu mas conseguiu me colocar dentro do avião. Não consigo me lembrar da parte em que entro no avião, mas tão logo sentei na desconfortável cadeira do transporte que me parecia mais um ônibus, afinal nunca estive em um avião, me veio uma pancada na cabeça e quando acordei estava no meu quarto, em minha cama, meio suado. Odiaria sonhos a partir de então.

Tudo isso que vivi apenas tinha me dado algumas horas longe dela. Esse sonho foi à concretização de tudo que mais desejava naquele momento. Estar ao seu lado.

Tinha recebido um e-mail dela. Pulei de felicidade e acabei topando com o dedinho na quinta da mesa do computador, mas nem me importei. Estava extasiado lendo aquelas poucas palavras. Relia-as e novamente passava meus olhos por cima delas. Acariciando-as como se fossem minhas amantes particulares, conseguia sentir até sua textura. Cheguei tão perto delas que podia ver meu amor digitando-as num computador há muito mais de doze quilômetros de distância. Agradecera o bem que me fizera, me alegrara e seria então mais fácil suportar uma cidade em que ela não estava.

Doce ilusão que se passara sobre minha cabeça. A cada hora verificava de novo meu e-mail na mais pura inocência de receber outro. A cada vez que entrava no computador ia correndo ao meu programa. Mas nada, nada e mais nada. Ela estava se divertindo demais lá, eu sabia, estava alegre e contente. Prometi pra mim mesmo que no próximo telefonema não mais mostraria minha tristeza. Não tinha esse direito. Depois fui descobrir que não seria tão fácil assim.

Depois de quatro dias nada mais faz sentido. Queria poder matar esse breve intervalo de tempo e fazer com que alguns dias transcorressem como água em uma cachoeira. Choro demais. Por dentro me corrôo. Acabo-me. Não sinto vontade de fazer mais nada a não ser esperar o meu amor.

Entrei no mundo da espionagem e fui por duas horas um agente que perdeu a memória. Achado em alto mar e o objetivo de sua vida seria reencontrar seu passado e descobrir quem foi. Por mais que estivesse em perigo durante perseguições e tiroteios nada me fazia esquecer minha loira.

Depois entrei no mundo dos samurais e de lá para todos os cantos que olhava tentava vislumbrar ao longe uma mecha dourada. Um pequeno ponto amarelo fraco, reluzente. Depois de quase três horas ao lado de espadas e armaduras japonesas o pensamento não voava para longe dela.

Desisti dos filmes.

Fui pra Budapeste tentar esquecer momentaneamente esse sentimento que sabia não me fazia bem, como não faz até hoje. Visto minhas espinhas que aparecem com o nervosismo. Devido à oleosidade aparente em minha pele por causa da ansiedade. Emagreci alguns quilos devido à falta de fome. Aquilo me dominava de um jeito inédito. Eu não tinha forças para combate-lo e nem queria.

Depois de todas as angústias e depois de todos os maus bocados percebi que apenas quatro dos doze dias haviam passado. Estava eu fadado a mais dois terços de pena. Chorei muito mais.

Perdi-me então no meio de momentos estáticos que me pertenciam em tons disformes e focos embaçados. Ganhei horas em vantagem dessa guerra observando as fotos. Todas disformes. Todas magníficas e não seriam tão boas agora se não tivesse que decifra-las. Amando cada pedaço, amando cada foto, amando a mesma pessoa que nelas estava.

Até que veio a segunda ligação. Enquanto ouvia a voz da gravação dizendo algo sobre ligação internacional, algo sobre ficar na linha, me concentrava para não demonstrar tristeza. Ela não merecia. Não. Tristeza não. Tristeza. Foi inevitável.

Ao ouvir o som da voz que vinha pelos fios e terminava ao pé do meu ouvido desabei, caí como caíram os grandes imperadores. A saudade me dominou. O som da voz ocupou todo meu quarto. Fiquei novamente sem o que dizer. Não poderia infectar aquele momento com nenhuma palavra simplória. Mas não consegui. Foram, “Sim”, “ahans”, “é”, e outros monossílabos que conseguia dizer. Pronunciei outras palavras mas nenhuma de algum significado total. Nenhuma dizendo tudo que queria dizer.

Depois de muito esforço consegui um fraco e tímido “Eu te amo”. Sincero demais e dolorido demais. Não conseguia fazer mais nada. Chorar.

Sentia no corpo a dor. Era uma dor superficial. Era a praia que incomodava. Era o Sol que deixara seu efeito em mim. Era bom sentir aquela dor que me desviava da minha dor principal. Concentrava-me agora em sentir a minha pele ardendo. Esquecer minha dor interna. Como se fosse possível.

Posso estar exagerando em alguns pontos. Posso não. Estou. Mas não tenho como descrever minha agonia de outra forma. De outro jeito. Escrever me faz bem. Tenho um pressentimento que tudo passará rápido, mas está cada vez mais devagar. Vou chorar...

***

Cada pedacinho das ruas que percorro todos os dias que me faltam esperando-a me lembram em algum detalhe a sua presença. Seja na falta de tato para a moda, seja nos sapatos ridículos, seja numa simples padaria, em um curso de francês ou de alemão. Cada porta de cinema me faz querer rodar um filme em que no final não haja dúvidas e eu consiga ficar ao seu lado para sempre, onde quer que ela esteja.

Procuro tarefas com que me distrair, para pouco a pouco ir vencendo cada etapa dessa luta em que o tempo é meu adversário. Uma injustiça pois luto contra algo que não posso ver, controlar nem sequer apunhalar.

Passaram-se mais dois dias e finalmente chego a metade do inferno. Outra metade virá e ainda não sei como suportar essa dor que já não me fere mais e sim me controla.

Estou largado. Não ligo mais para aparência, tarefas, filmes nem leituras. Não ligo mais para nada somente espero que ela me ligue. Ouvir sua voz me fará bem novamente. Disse ela que me ligaria e me daria em doses homeopáticas um pouco de sua presença. Espero ansiosamente como se fosse um soldado medíocre em sua primeira batalha aguardando o sinal.

***

A vida passa batida enquanto durmo e em meus sonhos fico mais perto da vitória, pois nos sonhos podemos ir a qualquer lugar que quisermos. Ao sonhar fugimos da realidade fria e impassível que nos contém em nossos desejos mais íntimos. Ao sonhar estamos mais perto da realidade absoluta.

Meu corpo começa a sufocar-se e clamar por um afago de suas mãos. Não só mais minha mente deseja-lhe por perto mas meu corpo de uma forma natural de grito me faz passar por momentos de luta interna. Não bastava lutar contra fatores externos e ainda me adicionam esse infortúnio interno.

Budapeste já se foi, em todo seu encanto e suas palavras maravilhosamente escolhidas acabou-se. Esvaiu em um chegar de páginas e nunca mais quero ler esse livro de novo, será marcado para sempre como o livro que me acompanhou durante meu sofrimento. Nunca mais quero ter o desprazer de lembrar disso.

Já vão sete páginas e apenas escrevo sobre a minha angústia e sofrimento. Sou um prisioneiro em minha própria prisão, em minhas redundâncias e repetições vou caminhando em direção ao fosso que é a descoberta. Descobrir o que?

A viagem

Estou descobrindo que algo mais me faz sofrer. Sofrimento esse que vem em levas fortes e me deixa cabisbaixo a cada investida. Investindo nessa descoberta me vi durante a segunda ligação com uma inveja violenta. Cheguei a conclusão de que além de sentir a falta de meu amor eterno estou eu sentindo a necessidade de estar lá.

Sinto-me inferior. Inferi que tudo me faz sentir que poderia estar lá ao seu lado. Mas isso não me faz sofrer. Faz-me ter um sentimento mais profundo, um sentimento de raiva.

Eu não consigo me lembrar da última coisa que me disse quando partia. Talvez esse ano será melhor que o último. Contenho-me e choro mais ainda quando percebo que sinto algo tão repulsivo.

E finalmente chega a música que sempre gosto de ouvir. Tantas vezes a enviei sua letra e tantas vezes a cantei. Todas as vezes que lembro me recordo desse som. Essa melodia calma que vai adentrando o ambiente e te faz ficar assim, receoso de nunca mais ver a pessoa amada.

Existe algo sobre nós que preciso dizer, pois existe algo entre nós de qualquer jeito. Posso não ser o certo. Não acredito que canto igual um idiota essas letras que nos fazem parecer robôs repetindo palavras pré-montadas. Montando em cada parte sua própria história particular e imbuindo nelas seus próprios momentos particulares.

Parto para mais um dia em que me verei sem vê-la e amanhã tenho a certeza de que saciarei minha sede de tê-la. Já estou sem lágrimas para chorar.

A cada dia que passa fico mais perto de mim mesmo, me recolho ao mais profundo canto de minha alma e fico lá, esperando alguma luz para me dizer o caminho a percorrer. Percebo que vivo em meu próprio mundo. Pessoal demais para dar asas à realidade, tentando todas as horas transformar minha medíocre existência em algo maior. Vejo-me vítima de injustiças titânicas e no cerne da roda que gira a vida ao redor do mundo, mas sempre acabo percebendo que os mundos fantásticos, os montes mais altos, a sabedoria da vida, os ensinamentos e tudo o mais que finjo saber me vem de livros, filmes e relatos de outros. Nunca os vivenciei e não sei realmente o que é passar por algumas experiências.

Nunca saberei o que é se superar e descobrir o que realmente vale a pena lutar na vida, não sei o que é estar entre estranhos em um lugar desconhecido, não tenho e nunca tive contato direto com pessoas de outro lugar que não fosse próximo a mim. Escondo-me atrás das experiências dos outros, me gabo de saber coisas que nunca aconteceram comigo, mas consigo vive-las como se fossem tão próximas a mim e me aproprio delas indevidamente sem pedir permissão.

Vivo uma ilusão e prefiro muitas das vezes não querer acordar. Lutar pela realidade é difícil quando se tem uma máquina tão forte contra você. Você e o mundo. O mundo lhe oferecendo todas as oportunidades e lhe dando tanto apoio contra que mesmo podendo fazer qualquer coisa você não consegue.

Em meu mundo seria de todo inconcebível qualquer sentimento que desafiasse as minhas metas e entretanto em sua terceira ligação me foi confessado o seu temor. Traição nunca passou nem nunca passará pela minha cabeça e em meu mundo de valores tão acirrados e enraizados, em minha realidade pessoal e no meu ilusório de fantasias particulares seria de todo impossível praticar tal ato. Mas seu temor me faz quere-la ainda mais, pois me diz que ela se preocupa comigo, me quer bem e se preocupa com consigo mesma. Isso é apaixonante. Acho graça quando fala disso, pois sei que nunca farei tal coisa e ela fala com uma absoluta seriedade.

Soube que ela está evoluindo em sua paciência, ao aturar coisas que não gosta e não lhe são atraentes. Sinto a falta do seu movimento, sua energia, seu olhar sempre penetrante. Sinto a falta da vida dela. Quero viver e para isso preciso dessa engrenagem que me foi roubada por um tempo. Preciso voltar dessa viagem que faço por dentro de mim mesmo, mas sei que só conseguirei isso ao ir busca-la no aeroporto. É como voltar junto dela para a vida normal. Sinto-me anormal enquanto não estiver ao seu lado.

***

Consegui! Finalmente consegui me superar e falar claramente ao telefone com ela. Clara foi a sua voz que sempre me alegra e me dá um apoio para continuar esperando. Duas ligações seguidas, quem diria! Em dois dias seguidos. Isso foi mais do que felicidade.

Senti-me então meio ignorante em minha humildade e inocência. Pedia-a para me ligar no Domingo em vez do Sábado, pois no domingo nossas vidas se vêem em festa e completamos aquele ciclo mágico de inicio de algum relacionamento em que meses são contatos e armazenados pouco a pouco no caminho dos anos. Três meses serão completos ao chegar o Domingo e por isso é que nesse dia para mim um tanto especial queria ouvir sua voz. Pensou ela que eu não queria falar com ela no Sábado. Nem toquei no assunto dos três meses, aniversário e tal. Acho que ela esqueceu e não se tocou. Falarei com ela ao me ligar no Sábado, mas continuo na dúvida se toco no assunto ou não.

Minha alma vai mais leve agora que faltam apenas alguns dias para que tudo termine e a vida volte a ser como era, ao seu lado todo o dia. Estou conseguindo superar esse fardo que me foi imposto e aos poucos consigo me alegrar com o fato de sua volta.

O que me chateia em graus nunca antes atingidos é o fato de eu saber que o mundo em que vivo é apenas meu. Todos os momentos mais ínfimos são apenas para minha contemplação ao fechar os olhos.

O prazer que tive em sentir sua mão atada à minha no cinema e ver de repente seus dedos balançando naquela penumbra foi indescritível, inesquecível. Algo que nunca esquecerei também foi a sua ferocidade ao falar comigo no dia em que brigamos sério pela primeira vez.

Tal como me vejo sozinho em meu mundo sinto que ela vive em seu próprio mundo também. Na maioria das vezes não consigo penetrar em seu universo e acabo de fora, deslocado. Muitas vezes confundido e enganado por seus julgamentos próprios. Queria compartilhar esse pedaço de mim que exalta a cada vez em que a vejo e mostrar-lhe o quanto ela me faz feliz e que seria incapaz de fazer e falar algo para lhe ferir, mas isso é demais para mim. Por algum motivo não consigo faze-la acreditar em mim, penso nela o tempo inteiro e mesmo assim faço com que se afaste de mim algumas vezes.

Seria eu assim tão auto-destrutivo a ponto de afastar as pessoas de quem gosto? Seria meu destino ter ao meu lado somente as pessoas que aprendem a conviver comigo?

Um e-mail somente, queria eu. Para que o Sol viesse e iluminasse essas noites em que passo em frente do computador apreciando cada foto que tenho dela. Pensando em cada palavra que falarei para ela quando o telefone tocar e instintivamente sair correndo para atende-lo. Pensando em lhe escrever um e-mail a cada minuto para lhe contar cada detalhe ínfimo que presenciei. Para lhe dar a minha vida. Ela estando distante está perdendo, quero lhe dar minha vida. Pegue-a como se fosse sua. Abuse dela o máximo que puder, pois não sei o quanto duraremos para aproveita-la. A vida é tão volátil em sua estrutura e poderia facilmente nos determinar destinos diversos.

Quero cortar minhas unhas. Quero raspar minha barba, meu bigode. Quero voltar a ser o ser alegre que sou quando há poucos quilômetros de minha casa você está. Você sim! Maíra.

Não agüento mais escrever e com essas palavras me vão três meses de sentimentos fortes e constantes. Foram três meses de alegrias e tristezas, brigas e afetos inomináveis que adorei viver. Foram doze dias que passei aqui assim choramingando em cada canto e tentando viver uma vida que não sei mais conduzir sem a sua presença. Nunca te amei tanto em minhas vidas. Nunca alguém ocupou tão alto posto em minha importância. Nunca vou ter essa felicidade novamente. Você é única em seus modos, assim como qualquer outro ser no planeta, mas dentre bilhões de seres apenas um seria de tal modo importante que me faria, me fará e me faz chorar de emoção.

Enquanto escrevo essas páginas me vejo claramente em lágrimas através do monitor espelhando meu rosto e me mostrando o quão tolo e feliz estou. Mostrando-me que a cada vez que penso em você o mundo dá aquela lufada de vida que deixa tudo diferente. Durante o tempo em que estou com você cada momento idiota, pífio, passageiro ou irrelevante é de tal importância que me faz querer nunca mais poder perde-la e mesmo assim a inefabilidade da vida me diz que continuando ou não com você um dia terei de perder. A vida nos diz todos os dias que perderemos no final. E é no final que desejo estar ao seu lado, para então tudo fazer sentido. Para que esse caminho não seja em vão quero estar ao seu lado quando o momento vier. Aquele momento em que todos nós não podemos fazer nada a não ser viver, não se consegue paz evitando a vida.

Evitei-a por muito tempo. Não mais. Serei o que devo ser e conseguirei o que devo conseguir. Não mais não menos. Estou a quatro dias de sua volta e ainda não consegui expressar tudo que quero nessas onze páginas, precisarei de mais uma. Doze páginas, doze dias, três meses. Desculpe-me mas não estou ainda satisfeito. Não estarei enquanto não estiverem entre nós as palavras anos e décadas. Uma ambição finalmente em minha vida. Quero estar ao seu lado por mais quantos anos forem possíveis. Quererá você ser minha esposa? Vai aceitar quando eu com aquela cara de quem não sabe o que fazer lhe mostrar um anel tolo e lhe perguntar algo sobre lhe desposar? Qual será sua expressão ao me encarar no mais frio dos dias, aquele mais mal humorado e ouvir aquela expressão que há muito não se ouvia? Eu te amo.

Percebo agora que a vida é uma só e quando nascemos toda a sua trajetória está marcada e desde nosso primeiro choro até a hora de nossa partida somos aqueles que já estão como certos de sermos. Entretanto fingimos certo controle em nossas vidas, coisa que só os mais tolos acreditam. A vida é muito maior que nós e por vezes nos conduz por caminhos que parecem túneis em que não há bifurcações deixando-nos presos em seus desígnios.

Percebo entretanto que podemos por meio de ataques ferrenhos ao destino mudar certos caminhos ou pegar alguns atalhos que nos levam mais rápido ao nosso destino, e este uma vez alcançado nos deixa por um momento livres para fazer o que quisermos até que outro túnel nos pegue desprevenidos.

E de túnel em túnel que estarei ao seu lado ajudando a enfrentar o medo de adentrar no escuro e caminhar no incerto, estarei ao seu lado no desespero de andar no escuro completo ou na tranqüilidade de transpassar barreiras conhecidas. Mas quero estar mesmo ao seu lado no final, no fim do túnel, naqueles preciosos momentos de claridade que vem chegando aos poucos e na emoção de cruzar o limite e vislumbrar o que há do outro lado.

Termino esse pequeno conto de doze dias e deixo então nas mãos do destino a nossa próxima parada. Que sejam muitas paradas e muitos os caminhos que iremos percorrer.

De mais tenho apenas a acrescentar a famosa e inevitável frase que consagra a mediocridade em sua luta pelo irreal e ilusório. Frase essa que se não for a mais manjada da historia é uma das mais. Mas sem ela esse conto não se basearia e não existiria então porque estar o escrevendo, deixo então como ultimas palavras àquelas que diariamente se agitam dentro de mim e fazem esse alvoroço tremendo. Deixo esse conto que no final, e só agora percebo mistura de uma maneira peculiar tempo e sentimentos, música e fluência e coloquei aqui um pedaço de mim, quero que creia nos depoimentos de minha alma aqui feitos de total honestidade e incrível sigilo. Somente a minha amada tenho essa espontaneidade. Termino então com as três palavras, uma representando cada mês de nossos sentimentos, que fizeram e me fazem mover até hoje. Eu te amo.

leandroDiniz
Enviado por leandroDiniz em 02/07/2005
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