JUSCELINO MÉDICO
                                      de  Pedro Moreira
 
     Antes de tudo foi médico. Embora desde 1940, quando assumiu a Prefeitura de Belo Horizonte, não exercesse fisicamente medicina, exercia-a espiritualmente. Que forma melhor de Medicina, nesses tempos tão violentos e cheios de desesperanças, que o otimismo, a tolerância, a ausência de ódio que nele eram constantes?
     Jurou e cumpriu as leis de Hipócrates, mesmo quando, fora da medicina, esteve em posição superior à ira de Apolo. Bastaria um exemplo. “Jamais prescreva medicamento mortal a quem quer que seja”, ordenou o mestre de Cós. E isso ele cumpriu fielmente, sabendo perdoar a quem lhe quis atingir, embora ele próprio tenha sido vítima de remédios extralegais prescritos pela cartilha dos leigos.
     RESPEITO À MEDICINA
     Aliás, cumprir a palavra foi traço marcante de sua vida. Tendo o pai, tuberculoso, recebido tratamento sem paga de um médico de Diamantina, a mães, como forma de agradecer perenemente a generosidade, disse ao filho que jamais desrespeitasse um médico. O menino cresceu com essa admiração pelos homens da medicina. Admiração que evoluiu para a escolha da profissão ao se deslumbrar com a companhia de Osvaldo Cruz.
     Fez-se médico em 1927 e, dois anos depois, já era assistente das cadeiras de cirurgia e fisiologia, regidas pelos seus mestres Baeta Neves e Otaviano de Almeida, na faculdade da hoje UFMG. Mas queria alargar seus conhecimentos. Tinha formiga no corpo, dizia. Deixou a clínica que partilhava com o cunhado, Dr. Júlio Soares, e foi aprender em Paris com professores famosos da época, como Chevassu, Léger, Marion, do Hospital Cochin. Estendeu o aprendizado a hospitais e clínicas universitárias de Berlim e Viena.
     BISTURI DE OURO DA REVOLUÇÃO
     Voltando à sua Minas Gerais, ingressou no corpo médico da Força Pública. Era médico completo. Exercitou-se em patologia clínica, servindo no laboratório de análises do quartel; foi chefe da clínica urológica. Mas seu gosto era pela cirurgia. Convocado para servir na zona conflagrada na revolução de 32, ganhou o nome de “bisturi de ouro da Força Pública”, em homenagem à sua ação humanitária e capacidade profissional. Atendia, com o mesmo desprendimento, aos feridos legalistas e rebeldes.
     A RICOS E POBRES
     Sua clínica particular era movimentadíssima. Ricos e pobres eram medicados. “Não estou aqui para negociar com minha profissão”, registraria ele em suas memórias. Operava na Santa Casa, à qual, anos mais tarde, doaria os honorários de sua aposentadoria como cirurgião-militar.
     Tendo o vírus da política inoculado no sangue, como ele próprio dizia, teve que abandonar a prática médica em vista dos altos postos para os quais o povo lhe convocava. Mas nunca deixou de lado os problemas de sua profissão, sobretudo os de ordem moral.
     - A Medicina – dizia recentemente a um grupo de amigos – tornou-se cara, caríssima. Isso médico não pode evitar. É tarefe que cabe ao governo. Governo é que tem de vir em socorro dos doentes. Temos que democratizar o acesso do povo aos novos recursos que a ciência colocou à disposição da medicina.
     O médico, sempre o médico a inspirar otimismo e confiança -, essa a impressão que fica para sempre desse homem tão tragicamente levado do convívio dos brasileiros no 22 de agosto. Melhor disse o Dr. Aluisio Sales, seu cardiologista:
     - Juscelino tinha coração de sabiá. Um coração onde o ódio, a intolerância, o pessimismo não tinham lugar.

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Nota: transcrito de PULSUS nº 13, 15 de agosto 1976
 
 
 
Pedro Moreira
Enviado por Sérgio Pandolfo em 27/03/2012
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