O QUE ESCREVER?

Desde que comecei a escrever jamais me deparei com a situação que agora me vejo: sem saber o que escrever. Ocorreu-me, entretanto, neste instante, que outro dia, quando aqui estive a esperar por este cliente, comecei a escrever sobre um grande amigo que ainda hoje me acompanha como colega de trabalho. Esse amigo, o Claudio Cunha, me apareceu em 2001, trazendo grande serenidade e segurança num dia de muita apreensão, quando estive as voltas com a retirada de meus computadores e escrivaninhas de uma escola de informática que fundara por aquele tempo num bairro afastado do centro da cidade. Por advertência de nossa secretária, retirei o material da escola, pois ela dizia que meu sócio e sua mulher planejavam desaparecer com tudo. No dia seguinte a retirada furtiva, depois de muita contenda tarde da noite, quando eu saía com meus equipamentos, o Claudio me apareceu no reduto onde eu me instalara temporariamente, uma sala comercial que outro amigo alugara para instalar uma farmácia, mas ainda não a ocupara.

Com a cortina de ferro até o meio, vi estacionar um Ford Escorte na frente do prédio e, para meu alívio, acompanhei os passos seguros do que me pareceu um homem de negócios que desembarcou e conduziu-se serenamente à entrada. Ao erguer a cortina de ferro, ele apresentou-se, dizendo-se indicado pelo Gilmar Pinto e explicando seu trabalho de contato comercial e contando da experiência que tinha, trabalhando, inclusive, na RBS TV. Um contato comercial para vender meus serviços, era tudo o que eu precisava e sempre quis. Desde esse dia começamos a trabalhar em parceria, mas o começo não foi nada bom. Desse local emergencial, fomos, também por indicação do Gilmar, nos instalar numa sala muito empoeirada num bairro bem mais próximo do Centro da cidade e lá as coisas somente pioraram.

Eram tempos muito difíceis e essas mudanças complicavam mais ainda. E assim, mal ganhávamos para a comida, não conseguindo organizar o escritório, melhorar seu aspecto visual, bem como pagar a conta telefônica extremamente alta, pois a internet era discada, gerando muitos impulsos e triplicando o custo. E nesse tempo começava-se a utilizar esse recurso, mas ele mais gerava estresse e custo do que facilitava, pois, a internet, além que era muito lenta, caia muitas vezes, obrigando as pessoas a muitas tentativas e a muito tempo de conexão para enviar um simples e-mail. No final do mês a conta telefônica vinha altíssima, dificultando pagar também a conta da luz, que logo nos foi cortada.

Entre os poucos serviços que lá executamos, houve uma permuta com uma pizzaria que abriu por ali, na esquina seguinte. Criamos a logomarca dessa pizzaria e trocamos cem por cento por pizza, então enchemos a barriga com nossas famílias algumas vezes.

Muitas, vezes, porém, me via desanimado, sem ver horizonte e futuro. Certa vez, estando na casa do Claudio, me queixava da situação difícil pela qual passava e ele começou a cantar o hino “Conta as bênção”, que diz: “Conta as bênçãos, conta quantas são, recebidas da divina mão. Uma a uma, conta-as de uma vez, hás de ver surpreso quanto Deus já fez”. Fiquei de cara no chão, pois tal hino faz parte do Hinário Adventista e eu nem sequer me lembrara de sua letra. Precisou alguém que não era adventista me dar nos dedos com minha própria mensagem, tão poderosa que logo o desânimo se dissipou.

Por esse tempo, por influência do Geniel Assunção, prestei vestibular na Unisinos para História e passei, frequentando então a universidade a partir do segundo semestre de 2001 e acreditando então que começara o caminho que me levaria para longe da publicidade, uma profissão que cada vez mais me parecia para excêntricos e prepotentes, pois todos os bem-sucedidos nessa carreira que vira até então eram mesmo assim.

As coisas no escritório empoeirado seguiram de mal a pior. Nossa falta de recursos financeiros era tamanha que tivemos que andar ao Centro e depois à Avenida Caxias do Sul, no bairro Rio dos Sinos (coisa de um hora ou mais), à pé, carregando nos braços a CPU de um dos computadores para o conserto, por não termos dinheiro para tomar ônibus e, muito menos abastecer o carro do Claudio. E, assim, naquele dia de muito calor, éramos os dois gordos com as virilhas totalmente assadas. Ainda bem que estávamos juntos, pois, do contrário, teria sido insuportável.

Quando a situação nesse lugar estava muito obscura e, para completar, o dono da sala pediu o imóvel por falta de pagamento do aluguel, o Claudio arranjou com uma sua amiga uma sala no Centro, na Rua São Pedro, em direção ao oeste, quase na BR 116, onde houvera antes uma locadora de vídeo. Embora fosse de graça, por causa da tamanha generosidade dessa amiga, lá era o fim do mundo do Centro e praticamente ninguém transitava por aquelas bandas. E muita coisa havia para ser feita na sala para torná-la um ponto de serviços, desde a pintura interna e a externa, além de uma placa, mas tudo que fizemos foi lavar bem o piso para tirar o branquicento que tinha e nada mais tínhamos dinheiro para fazer.

Instalamos internet discada e telefone (nesse tempo ainda se sonhava com internet de alta velocidade). Acho, porém, que nenhum trabalho nos entrou por lá, pois tudo parou completamente. Por sorte, um antigo cliente de Porto Alegre me passou um trabalho, uma pasta tipo bolsa, o que me deu um pouco de dinheiro. Entretanto, logo ficaríamos novamente sem telefone e sem internet, pois o que entrou não dava para pagar tantos atrasados. Naqueles dias, porém, esse cliente de Porto Alegre fez-me uma proposta para trabalhar em sua empresa, ao que aceitei prontamente. Então, por volta do tempo em que caíram as torres gêmeas do Word Trad Center, fechamos esse novo escritório, o Claudio levou meus equipamentos e escrivaninhas para a sua casa e eu me fui trabalhar em Porto Alegre, pensando que nunca mais teria que encarar a profissão de publicidade e propagandaquela, que, a meus olhos, se tornar tornara profissão de gente fútil.

Embora em Porto Alegre, não deixei de ter contato com o Claudio, que seguiu me passando trabalhos de criação e arte e me impedindo de distanciar-me da publicidade e propaganda. E, a medida que o tempo passava, mais trabalhos na área apareciam e cada vez ganhava mais com isso, embora sem querer.

Quando, em 2002, fui incumbido de produzir o primeiro livro do dono da empresa, quase estive para fechar negócio com a gráfica onde o Claudio fora trabalhar de vendedor, mas, por uma desfeita e deboche do negociador quanto a demanda da publicação, saí da reunião determinado a buscar mais informações sobre a produção de livros e a procurar outras gráficas que pudessem satisfazer a todos os quesitos. Informando-me então com mais um distribuidor de livros de Porto Alegre, bem como com outros editores, descobri que se tivesse fechado negócio naquela gráfica e momento produziria um livro com características muito aquém do exigido pelo mercado. Por conta disso, fui a Santa Maria visitar a gráfica Palotti e ver a qualidade dos livros que produziam. Muito satisfeito, voltei já com o orçamento, que também agradou o dono da empresa. No dia seguinte, porém, o Claudio apareceu dizendo que encontrara em Porto Alegre a gráfica ideal, com reputação de produzir livros até para universidades como a URFGRS e Puc. Disse-lhe que já encontrara a gráfica certa, com excelente reputação e orçamento que o patrão já tinha aprovado. Ele insistiu, porém, que eu fosse nem que somente para conhecera gráfica. Prontificou-se, inclusive, a ir comigo. Então fomos e conhecemos uma gráfica magnífica, moderníssima, equipada com máquinas de alta qualidade e grande capacidade de produção, mas, ao mesmo tampo, tão antiga e tão bem reputada quanto a Palotti. Era a gráfica Metrópole, onde sempre fui muito bem atendido por uma filha do fundador, a Míriam Gress, e lá produzi alguns livros.

No final de 2003, já fazia dois anos que eu tentava inutilmente desenvolver um departamento de marketing (ou de linha de frente) produtivo na empresa em Porto Alegre, tendo tido como lucro, porém, o aprendizado em edição de livros, a publicação de meu próprio livro, Os Meninos da Guerra, que conta a aventura vivida pelo pai do dono da empresa durante a segunda guerra mundial, quando ele era um menino de três anos e meio, na Polônia; além de que a empresa sempre me ajudou a pagar a dívida da universidade ao final de cada semestre.

Então voltei para São Leopoldo, começando um estúdio de design e artes gráficas juntamente com o seu Dionísio e o Geniel Assunção na loja que alugaram na Rua Saldanha da Gama, no Centro, onde eles faziam recargas de cartuchos de impressoras. Dali fomos para onde hoje estou e onde implementamos uma gráfica com máquina off set, indo daqui, pouco antes do final de 2005, para a rua Independência. A partir do meio do primeiro semestre de 2006, após sair da sociedade com o Geniel, comprei, com o Adriano, que fora meu colega de quartel, uma impressora laser multifuncional e algumas outras máquinas e abrimos juntos, na Serigrafia Stampa, que já era dele, na Rua Saldanha da Gama, um local de cópias, estúdio de artes e gráfica expressa. Depois o Adriano deixou essa sociedade, mas continuamos juntos, dividindo o aluguel.

Por esse tempo, o Claudio trabalhava na GVT e algumas vezes por aqui passava por um motivo ou outro. As coisas não iam bem para ele, porém, pelo que certo dia chegou bem desanimado e despejou as mágos. Cantei-lhe então a estrofe do hino que anos atrás me cantara e em poucos minutos ele já estava recobrando o ânimo.

No início de 2009, adquiri do meu enteado, Filipe, o negócio de recargas de cartuchos de tinta que ele tinha ao lado, o qual ele recebera por indenização trabalhista do Batista, que a tinha adquirido do seu Dionísio Assunção, o que lhe sobra da divisão que fizera com o Geniel, seu filho. Sendo que eu não tinha como fazer as recargas (que o Geniel fazia, mas havia o transtorno de levar e buscar), vendi a metade desse negócio para o Claudio, que veio então trabalhar comigo e desde esse tempo temos feito parceria no negócio de recargas e artes gráficas, tendo agora muitos clientes e tantos serviços que quase não conseguimos dar conta.

Wilson do Amaral