LUSOFONIA PERDE JOSÉ HERMANO SARAIVA
                     Sérgio Martins Pandolfo*
      
     Pela RTPi (Rádio e Televisão Portuguesa Internacional), tivemos a infausta notícia do passamento, na manhã dessa sexta-feira, aos 92 anos, em sua residência, em Palmela, do insigne humanista, homem público destacado, notório cultor das letras e das ciências e profícuo historiador, máxime no que dizia à historiografia de Portugal, de José Hermano Saraiva, vitimado por insidiosa e pertinaz enfermidade ainda não precisamente esclarecida.
     Nascido em Leiria, aos 3 de Outubro de 1919, José Hermano foi o terceiro filho de José Leonardo Venâncio Saraiva e de sua mulher Maria da Ressurreição Baptista. Tinha profunda ligação e admiração por nossa terra, a que fazia menção seguidamente em seus programas televisivos, alicerçadas pelo fato de, entre 1972 e 1974, ter exercido o cargo de embaixador de Portugal no Brasil. Era casado com Maria de Lurdes de Bettencourt de Sá Nogueira, com quem tinha cinco filhos.
    Para nós, que nos acostumáramos a vê-lo semanalmente pela RTPi em seus programas de TV (primeiro “Horizontes da Memória”, com o qual venceu o Prêmio da Imprensa para o Melhor Programa do Ano e, mais proximamente, "A Alma e a Gente”) a perda foi imensa e todavia irreparável, pois o considerávamos, nada metaforicamente, uma enciclopédia viva. Dissertava sobre a História Evolutiva de Portugal, seus monarcas, suas descobertas, seus períodos de fausto e declínio, suas figuras maiores com uma fluência, uma segurança e uma propriedade absolutamente personalista inconfundíveis. 
     Saraiva tinha estudos individuais avançados sobre temas polêmicos ou pouco aclarados. Um estudioso da vida e obra de Camões, em especial d'Os Lusíadas. Tivemos a feliz oportunidade de com ele falar pessoalmente, inda que por breve tempo, haverá à volta de dez anos, quando em viagem de recreio pelos Açores com ele cruzamos no aeroporto de S. Miguel, em Ponta Delgada e ficamos encantado com sua simplicidade, jovialidade e afabilidade e, por tanto, passamos a mais admirá-lo.
     José Hermano era licenciado em Ciências Histórico-Filosóficas e em Ciências Jurídicas, tendo ocupado o cargo de ministro da Educação entre 1968 e 1970. Antes de se dedicar por inteiro à história nacional lusa esteve envolvido na política durante o Estado Novo; foi deputado à Assembleia Nacional e procurador à Câmara Corporativa. Também trabalhou como professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, tendo acumulado a vida magisterial com a advocacia. Depois do 25 de Abril, voltou a lecionar, desta feita na Escola Superior de Polícia e na Universidade Autônoma de Lisboa.
     Malgrado tivesse tido – e quem não os teve? – inúmeros contraditores Hermano gozava de ampla apreciação e mesmo admiração entre o povo português e das comunidades lusas espalhadas pelos cinco continentes, que muito apreciava suas aparições na TV estatal. Já doente embora, continuou a apresentar seus programas ao vivo até quase à feita de sua morte, para deleite de seus milhões de telespectadores que muito o estimávamos.
     O número de suas publicações é imenso (formado, mormente, por livros que “punham-se em pé sozinhos”, como dizia um ilustre mestre nosso), destacando-se “A Formação do Espaço Português e Lições de Introdução ao Direito” (1963), “História Concisa de Portugal” (1978), um dos que maior sucesso obteve, já na 25.ª edição, com um total de 180 mil exemplares vendidos, traduzido para o espanhol, italiano, alemão, búlgaro e chinês e “História de Portugal” (1983). Ainda na literatura e na História, Saraiva publicou obras tais “Uma carta do Infante D. Henrique”, “O tempo e alma”, “Portugal – Os últimos 100 anos”, “Vida ignorada de Camões” ou “Ditos portugueses dignos de memória”.
     Por sua obra notável o historiógrafo foi agraciado este ano, nas celebrações dos 10 de Junho, pelo Presidente da República, Cavaco Silva, com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, porém, por ter-se agravado seu estado de saúde, o galardão teve de ser recebido por seu filho.

Nota: Na foto acima o intelectual José Hermano Saraiva em seu ambiente de trabalho domiciliar quotidiano.
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*Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 27/07/2012
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