Quantas caras tens, José? 8?

Não fazendo conta ao teu bonito bigode, que te acentua bem o rosto bem apessoado, não usas barba. No entanto, se a usasses, como o teu patrício Antero de Quental usou, ficar-te-ia bem. Preferiste, antes, uma cara limpa. Quiseste o aspecto de uma cara honesta. Que te favorecia. Tens rosto esguio. És magro. Baixo. Lábios levemente grossos. Testa alta. Bastante. Orelhas mais finas do que grossas. Olhos azuis penetrantes. Dedos finos de pianista. Nariz inquilino. Cabelos loiros. Depois brancos. Quase espartano no traje, vestes à altura das circunstâncias.

Pergunto-me se sais à tua mãe ou ao teu pai? Ou a uma mistura dos dois? Não tenho resposta. Outra ainda: qual dos teus dez irmãos se parece contigo? Também não tenho resposta. E quem dos teus três filhos sai a ti? Pelo que vi, parecem-se mais com a mãe do que contigo. Vendo melhor, talvez a uma mistura dos dois. E dos teus netos, bisnetos e trinetos? Alguns sairão a ti. És o que a natureza te fez mais o que a cultura te foi dando a ser? O que deves a uma e a outra? Em qual das imagens és? E, em qual te pareces ser? Se, por detrás das imagens há sempre uma intenção, qual foi a tua, José?

Na do final do curso, com os teus olhos sempre fixos e penetrantes, dizes-nos com o teu olhar: sou um triunfador! Finalmente cheguei a médico. A pasta do curso parece querer saltar até às nossas mãos incrédulas. Está tão presente como tão presente é a presença do teu rosto. Não tens ainda no dedo o anel de casado. Andarias então pelos trinta anos: és um homem bem-parecido e jovem, seguro de si e orgulhoso do que acabara de conquistar pelo esforço. Eras o filho de um merceeiro das Ilhas e o futuro pertencia-te: é isso que nos queres dizer? O futuro seria também de todos os que fizessem o que fizeste: é isso ainda que nos queres dizer?

Na segunda imagem, já quarentão, prometes a quem te siga a eficácia republicana à ineficácia monárquica. Entretanto, da primeira imagem a esta, casaste, saíste de Coimbra, passaste por três terras até te fixares na Foz do Douro, foste pai de três ou quatro filhos. Exercias medicina. A política vinha dos tempos de Coimbra, mas agora aos quarenta, com a vida organizada, achaste tempo de te dedicar à política activa. A Salvação de Portugal assim o exigia. Até porque aos quarenta os homens precisam de deixar obra. A política e a medicina formavam um casal unido: como médico tratavas das doenças do corpo das pessoas, como político tratavas as doenças do seu corpo social. Nesta imagem, aparentas estar em forma física e mental. Continuas com o mesmo ar decidido do final do teu curso. Continuavas a ser o filho de um merceeiro das Ilhas, que, em pouco mais de dez anos, fora reconhecido como bom chefe de família e excelente profissional. Queres igualmente dizer que estás de alma e coração disponível para o combate político pelos ideais republicanos? És um crente nos teus ideais.

Foste isto? Fui. Quando fui isso, fui. Mas, também, fui sendo outro tanto mais enquanto fui sendo. A idade endurece o rosto e amolece a alma. Mas isso tu também saberás .

PS: O uso das imagens em finais do século XIX e princípios do século XX, marca a partilha da imagem pelas classes médias urbanas. José Nunes da Ponte é exemplo disso. Se tiver oportunidade, este é o primeiro de quatro artigos que quero dedicar às oito imagens que me chegaram de ti. Vejo-te assim, porém, desafio quem me ler, a ver-te como te vê. Que achas?

Mário Moura

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 04/12/2013
Reeditado em 05/12/2013
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