Não te iludas com ilusões!

Duas imagens, retratam dois enganos gémeos: a primeira, retrata uma ilusão, a segunda, uma desilusão. À primeira, daria o nome de ‘uma ilusão breve!’; à segunda, o de ‘uma desilusão próxima!’ Na primeira, vives um sonho de futuro brilhante: deram-te um ar de valente. Na segunda, convives numa realidade sombria: deste-te um ar mansamente apreensivo. Na última, mostras uma certa fragilidade sólida que te aproxima de nós. Em ambas, representas alguém em quem se pode confiar. Tanto nas horas boas como nas más: nas de construir sonhos ou nas de destruir pesadelos. Ao invés, denotas dúvidas razoáveis acerca das tuas capacidades: será que podem confiar?

Deu trabalho, mas sei de fonte segura que no ‘tempo da propaganda republicana’ foste tão corifeu créme de la créme do republicanismo como Teófilo, Arriaga, António José de Almeida, Afonso Costa, Basílio Teles, Magalhães Lima. Ao lado deles, dirigiste o partido. Presidiste a comícios exaltantes. A comícios escaldantes. Com eles, mudaste o destino do partido em congressos. Assinaste manifestos. Alguns decisivos. Foste publicista na imprensa. Sofreste a censura. Deste a cara em eleições. Como eles, para estares na ribalta da política republicana, deves ter sacrificado muito de ti: da tua carreira, da tua saúde, da tua família.

E, todavia, como também soube, já no ‘tempo da vitória da República’, empurraste-te e foste empurrado da ribalta. Pergunto-me porquê? Não eras tribuno nem fazias política como António José de Almeida? Nem eras radical como Afonso Costa? Derivaste para o centro quando a esquerda dominava a cena política? Mas, se outros trilharam o mesmo caminho que trilhaste, por que razão as luzes se mantiveram acesas para eles e apagadas para ti? Mais, por que razão, a historiografia republicana, que tinha obrigação de ser isenta, fala tanto deles e tão pouco de ti? Atitude nada científica?

Bom: não te imagino a escolher a primeira imagem. Há algo nela que me diz que a escolheram por ti. Fizeram-te parecer bem nela. Neste caleidoscópio de possibilidades, pergunto se não seria alguém que gostava de ti ou da tua causa? Ou alguém que não gostando nem de ti nem da tua causa, achou útil dar a ideia de gostar de ti e da tua causa? Tanto mais que, agora, a roda da fortuna virara repentinamente de fresco: eras um vencedor. Só por isso, não terá querido hostilizar a tua vitória, terá, antes, escolhido aproveitá-la em seu interesse pessoal? Seja qual fosse a intenção de quem a fez, pergunto-te se gostaste da escolha?

Quem te desenhou a caricatura, usou, por certo o postal eleitoral com a tua fotografia: a segunda imagem. Isto porque, comparando a caricatura com a fotografia, fica-se com a impressão de que a fotografia antecedeu a caricatura. O autor da caricatura, trocou o alto no cimo do teu cabelo, na fotografia, pelo alto da ponta do barrete frígio, na caricatura. No entanto, em ambas, a tua cara surge voltada para a direita do observador. A roupa é a mesma ainda. Mas, deu-te um olhar diferente. Na primeira, lanças-nos um olhar meio duro, dos que nos socorremos para amedrontar os inimigos; na segunda, ofereces-nos um olhar doce, ligeiramente assustado, empático, dos que se lançam para captar simpatias. Na primeira, desenha-te numa postura de arrojado combatente de comício, dos tempos da conquista, na segunda, retractas-te como um lutador de bancada parlamentar, para os tempos da vitória.

Continuas magro. Já andarias na casa dos sessenta. Apesar do teu ar de avô, és mais um homem envelhecido do que velho. Já não tens Emília a teu lado. Eras mesmo assim? Em público e em privado?

Mário Moura

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 11/12/2013
Reeditado em 11/12/2013
Código do texto: T4607784
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