BIOGRAFIA FRANCISCO RAMOS DA SILVA - CHIQUINHO GAVIÃO

FRANCISCO RAMOS DA SILVA

HISTÓRIAS DE CHIQUINHO GAVIÃO

Alegre, festivo, carnavalesco, bonachão, esse era o perfil de Francisco Ramos da Silva. Uma figura formidável, que agradava a todos sem se comprometer. Curtia a vida com prazer e bom humor.

Comerciante, desenvolveu seu comércio com competência e habilidade, especialmente o cabaré Anjo Azul, explorando o lenocínio onde a clientela era socialmente diversificada. Não tinha consciência da sua ilicitude, pois encarava a sua atividade como um trabalho digno. Dizia-se acolhedor e protetor das desvalidas e desafortunadas socialmente discriminadas. Muitas delas eram escorraçadas pela desonra à família. Postas fora de casa, tinham como destino a prostituição e, em última instância, eram acolhidas por profissionais do ramo sob a sua proteção.

Os frequentadores do Anjo Azul devotavam-lhe acatamento e consideração, gabava-se o proprietário. Sua palavra, sua ordem, seu conselho de homem experiente eram ouvidos e seus pedidos de respeito e comportamento eram atendidos. Sempre impunha sua personalidade e autoridade.

O Bar Gavião, outra atividade comercial de Chiquinho, era também muito frequentado, principalmente por causa do jogo de bilhar. Conta-se que um larápio, frequentador habitual, bastante conhecido, que vivia a “peruar” os jogos, era a pessoa que o dono do bar incumbia de tomar conta do estabelecimento quando precisava ausentar-se para diligências particulares. Questionado pela sua atitude de confiança depositada num indivíduo de má fama, afirmava que as pessoas só agem com desonestidade por falta de quem lhes dê confiança e que o malandro sentia-se orgulhoso de seu gesto. Daí, ter a certeza de não ser traído, e o sujeito fazia, deveras, as vezes do patrão com muita competência e honestidade.

Perspicaz, foi o único vendeiro de quem se tem notícia, até hoje, de vender cerveja a retalho (cobrava por copo) e, para completar o inusitado, era servida quente. Alegava ser uma bebida popular e não podia ser vendida apenas em garrafa, até porque muitos fregueses não tinham dinheiro suficiente para adquirir uma garrafa. Posteriormente comprou uma geladeira a querosene, segundo informações da família, a primeira da cidade, dando-lhe o status de pioneiro.

Certa feita, um delegado encomendado com a missão de atender ao desejo do chefe político, sob a alegação de moralizar e pôr ordem nos costumes, ordenou a um subalterno, soldado de polícia, apelidado de “Juriti”, para cuidar de que o meretrício fosse fechado às 22 horas. Subserviente e para mostrar serviço à autoridade recém-chegada, o milico adentrou o bordel e, altissonante, bradou: “Seu Gavião, por ordem do novo delegado, o seu estabelecimento deve encerrar suas atividades às 22h em ponto, nem um minuto a mais” e enfatizou: “Estou cumprindo ordens superiores, as quais devem ser acatadas e respeitadas, sob pena de todos irem para o xilindró, inclusive o proprietário”, fazendo, assim, também valer a sua autoridade.

Educadamente, Gavião, em tom sarcástico, pediu desculpas e a compreensão aos fregueses para fechar o bordel, argumentando que “Brumado é terra onde Juriti manda em Gavião”, tratando-se, portanto, de uma insubordinação hierárquica no reino das aves, um absurdo inominável.

Esperto, comprou cachaça a granel e engarrafou-a rotulando com o nome “GOGÓ DE EMA” e mandou anunciar, no alto-falante da cidade, ter recebido cachaça de pura cana, sabor inigualável, melhor que uísque importado. A propaganda chegou aos ouvidos dos apreciadores do líquido etílico numa rapidez incrível. O marketing foi exitoso.

Um engenheiro, funcionário de uma grande empresa local, pernambucano, degustador de uma boa aguardente, especialidade de sua terra, convidou amigos para irem provar a tal cachaça “GOGÓ DE EMA” e certificar-se da qualidade da propagada aguardente. Em lá chegando, foram recebidos com lhaneza, entusiasmo e votos de boas vindas, por se tratar de visitas ilustres, incomuns no local. Os fregueses ilustres solicitaram uma corrida da afamada “caninha”. Solícito, envaidecido e cheio de dedos, Gavião lavou os copos com sabão de coco, elevando-os para certificar-se do asseio, elogiando: “Puro cristal, doutores, higiene e bom atendimento são o lema da casa” (naquele tempo não havia água encanada e os copos eram acondicionados e lavados em bacia de alumínio), servindo-os logo em seguida.

Os clientes sorveram a cachaça suave e lentamente, degustando-a com prazer. O engenheiro pronunciou-se: “Produto aprovado, Seu Gavião! Quanto lhe devemos?” Chiquinho, diante da afirmativa da aprovação do produto, muito esperto, cobrou o triplo do preço convencional, que foi pago sem questionamentos.

Ao se despedirem, agradeceram o cordial atendimento e, como de praxe, o proprietário convidou-os a voltarem sempre. A resposta indignada pela exploração foi imediata e o pernambucano foi taxativo: “Voltaremos mais não, Seu Gavião! Compramos ‘gogó de ema’, e o senhor nos cobrou a ema inteira”.

Bastante popular, por insistência de amigos, candidatou-se a vereador pelo PSD. Registrou a candidatura com o nome de batismo, pelo qual ninguém o conhecia, e o resultado foi decepcionante, teve apenas três votos. Resolveu então prestigiar o prefeito eleito pela UDN. Reuniu os colegas músicos: Esclepíades, Cochila, Miranda e demais componentes e, com sua charanga, foi para a casa do adversário eleito comemorar a vitória deste. Questionado por ele sobre a presença do concorrente em sua residência, porquanto se tratava de um adversário, Chiquinho filosofou: “Prefeito, quem perde tem de admitir e conformar-se com a derrota; quem ganha merece festa, vamos comemorar até o dia raiar”. E assim ganhou a simpatia do alcaide.

Gavião, por seus atos e atitudes, tornou-se figura folclórica e pitoresca do anedotário brumadense. Participava ativamente de todos os eventos sociais, políticos e religiosos da cidade. Unindo o profano ao religioso, foi protagonista de muitos carnavais, festas juninas, sociais, religiosas e da tradicional “queima de Judas” (um boneco que se costuma queimar no sábado de Aleluia e cujo testamento é uma sátira aos defeitos e vícios da sociedade). Foi muito bem explorado por seus urdidores, de quem não escapavam nem as autoridades.

Nasceu em fevereiro de 1906 e faleceu em 06 de outubro de 1968, com 62 anos de idade. A Câmara Municipal de Vereadores homenageou-o, por merecimento, dando seu nome a um logradouro no bairro São Félix. Albertino Alves Barreto fez Moção de pesar e solidariedade pelo seu falecimento.

Assim viveu Francisco Ramos da Silva, Chiquinho Gavião, com a sua maneira peculiar de ver, sentir e agir, alegre e feliz, uma vida cheia de peripécias e aventuras, um estilo social segundo seus preceitos. Ituaçuense de nascimento, escolheu Brumado como a cidade de sua opção para nela residir e viver.

Antonio Novais Torres

antorres@terra.com.br

Brumado, em 11 de abril de 1997.

Antonio Novais Torres
Enviado por Antonio Novais Torres em 13/09/2014
Código do texto: T4960534
Classificação de conteúdo: seguro