BIOGRAFIA BENVINDA NOVAES JARDIM

BENVINDA NOVAES JARDIM

DONA NENZINHA *

Senti a necessidade de escrever este artigo/biografia em homenagem à minha mãe, Benvinda Novais Jardim, a quem chamo de Dona Nenzinha. Nascida em 20 de julho de 1920, filha de Antonio Alves Ribeiro de Novaes (Cel. Novaes) e Octávia Souza Jardim.

Trata-se de pessoa que amo incondicionalmente, do fundo do meu coração. A nossa relação, além de filial, é umbilical, por laços muito fortes que nos unem, numa convivência de amor recíproco.

Dona Nenzinha, mulher extraordinária, sempre foi trabalhadeira, honesta, eficiente e competente. Sofreu as agruras que a vida lhe impôs, deu a volta por cima e venceu. Sozinha, criou os filhos e encaminhou-os com a determinação de mãe dedicada e professora leiga, que via a educação como forma de crescimento humano. Aos netos dedicou atenção, carinho e compreensão – gesto de afetividade de avó –, levando alguns deles para morar com ela por certo tempo, ou para passear em sua residência, na cidade em que morava, fazendo revezamento entre eles.

Inicialmente, bem jovem, trabalhou como professora leiga em Contendas do Sincorá, em regime de ensino particular. Esforçada e dedicada à causa do ensino, demonstrou competência a ponto de ser escolhida pelos pais como professora titular de seus filhos, em detrimento das formadas em magistério, fato que provocou ciúmes no meio. Certa professora formada, ao questionar uma aluna sobre o motivo do não comparecimento às suas aulas, ouviu desta que os pais preferiam a professora leiga, o que fez aquela proclamar comentário maldoso, eivado de inveja: “Quanto menos somos, melhor passamos”. Alguns dos seus alunos hoje são médicos, engenheiros, outros, profissionais das diversas áreas que reconhecem o amor e o carinho com que receberam as primeiras lições.

Mudou-se para Salvador, onde foi gerente de um hotel por algum tempo. Posteriormente, foi para São Félix, onde instalou uma pensão própria. A cidade escolhida servia de transbordo para as pessoas que vinham de trem, do interior, com destino à capital e hospedavam-se em sua pensão que era indicada por um positivo enviado à estação anterior para sugerir o estabelecimento. Em Cachoeira, elas utilizavam o vapor como meio de transporte para a capital.

De São Felix, foi para a sua terra natal, João Amaro, onde, por longos anos, exerceu atividades como professora leiga contratada pelo município e por particulares. A seu talante, deixou o ensino e adentrou no ramo comercial de confecções e afins, contando com a ajuda de sua nora Rosa na escolha dos produtos de maior aceitação na região, atividade que exerceu até aposentar-se.

Depois de se aposentar, foi morar com um dos filhos em Vitória da Conquista e, algum tempo depois, acompanhando-o, veio para Brumado, onde fixaram residência.

Nos últimos tempos, pelo estado comum à velhice, apresenta quadro depressivo, perda de sono e desenvolveu medo de ficar sozinha, tal qual uma criança. Para dormir, somente mediante sonífero, que também combate a depressão. Os detalhes provenientes dessa situação, às vezes, são hilários. Um dia, chamou-me ao quarto e confidenciou-me que tinha muito dinheiro em sua casa e que me daria “Segredo!...” sem que os outros soubessem, certamente em agradecimento pelos cuidados que lhe dedico. Outra feita, perguntou-me se eu era casado e se tinha filhos. Respondi que a minha mulher era sua nora e os meus filhos, seus netos. “Ah! Não sabia...”, respondeu.

Dependente, apegou-se a mim de tal maneira que passou a acompanhar-me aonde eu fosse, quer ao banheiro, quer a qualquer outro lugar. Traquinas, mexia e remexia os objetos, no afã de arrumar, pelo menos, parecia ser essa a intenção. Teimosa e resistente, nunca fazia o que lhe era recomendado, sempre teve uma resposta malcriada e jamais assumiu os erros que praticava. Em função disso, tornou-se uma pessoa difícil de cuidar.

Certa feita, levou uma queda, causando-lhe ferimentos que precisaram de sutura. A resistência para receber os procedimentos médicos foi tamanha que foram necessárias três pessoas para segurá-la. Ela tem pavor de hospital. Apesar da aparente fragilidade e de pesar apenas trinta quilos, o médico que a atendeu disse: “Se eu chegar a essa idade com essa força, dou-me por satisfeito. Com tamanha disposição, viverá muito tempo”. Irrequieta e incomodada, arrancava os pontos cirúrgicos e os curativos.

Outro dia, a faxineira, que passava pano na casa, solicitou: “Velha, arribe as pernas para passar o pano”. Resposta: “Velha não, senhora, me respeite, eu tenho nome”, repreendeu ela à servidora com veemência.

Hoje, em provecta idade e acometida do mal dessa fase da vida – a senilidade – necessita de cuidados especiais para a sua segurança e higienização: banho, troca de fraldas, remédios, alimentação nas horas certas e visitas ao hospital. Optamos por zelar pessoalmente desses problemas com a ajuda de familiares que, solidários, dão-nos o suporte necessário. Em razão desses fatos, fiquei tolhido de certas liberdades, preciso ficar mais tempo em casa para os cuidados necessários e, ao sair, sempre peço a uma pessoa da família para olhá-la.

Conta casos desconexos. Evoca pai, mãe e irmãos já falecidos, expressando o desejo de vê-los. Esquece-se dos fatos recentes. Às vezes, não se lembra de ter-se alimentado. Questionada sobre acontecimentos do dia-a-dia, não se lembra de nada ou não quer manifestar-se. Há, entretanto, surtos de lucidez em determinadas ocasiões, contando histórias, inclusive dos tempos de criança.

Em nenhum momento, imaginei que o quadro chegasse a esse ponto. Não contava com toda essa labuta, embora não seja surpresa. Tinha outra percepção dessa situação, sem as agravantes verificadas, apesar de ela não ter diabetes nem pressão alta. Os exames não apresentaram resultados significativos de alteração, a não ser um quadro de bronquectasia – dilatação crônica dos brônquios –, doença antiga. Nessa questão, está medicada.

Com relação ao comportamento, houve alteração motivada pela idade, o que nos leva, ocasionalmente, a perder, em determinadas circunstancias, a paciência. Temos a noção de que o idoso necessita de tolerância, paciência, carinho e, acima de tudo, amor, além de compreendermos que a proteção faz parte de um dever de reciprocidade da vida: os pais cuidam dos filhos, e estes, mais adiante, cuidam dos pais. É o ciclo da vida – a inversão dos fatos.

É importante dizer que esse compromisso afetivo é responsabilidade da família, como reza o Art. 230 da Constituição Federal ao estabelecer que “[...] a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhe o direito à vida”. Fátima Teixeira, mestre em Assistência Social pela USP1, ressalta: [...] “Nessa fase da vida o que o idoso necessita é sentir-se valorizado, viver com dignidade, tranquilidade e receber atenção e o carinho da família”. Nem sempre, porém, isso acontece, por razões diversas.

Concluo esse meu relato com a seguinte prece:

ORAÇÃO DO IDOSO *

(Padre Eduardo Dougherty)

Bem-aventurados aqueles que compreendem meus passos vacilantes e minhas mãos trêmulas.

Bem-aventurados os que levam em conta que meus ouvidos captam as palavras com dificuldade e por isso, procuram falar mais alto e pausadamente.

Bem-aventurados os que percebem que meus olhos já estão nublados e minhas reações são lentas.

Bem-aventurados os que nunca me dizem: Você já me contou isso inúmeras vezes!

Bem-aventurados os que desviam o olhar, simulando não ter visto o café que por vezes derramo.

Bem-aventurados os que sabem dirigir a conversa e as recordações para as coisas dos tempos passados.

Bem-aventurados todos aqueles que me dedicam afeto e carinho, fazendo-me assim pensar em Deus. Quando entrar na eternidade, lembrar-me-ei deles, junto ao Senhor.

Bem-aventurados os que me ajudam a atravessar a rua e não lamentam o tempo perdido que me dedicam.

Bem-aventurados os que me fazem sentir que sou amado e não estou abandonado, tratando-me com respeito.

Bem-aventurados os que compreendem quanto me custa encontrar forças para carregar a minha cruz.

Bem-aventurados os que amenizam os meus últimos anos sobre a terra. Amém!

(*) Artigo publicado no Jornal do Sudoeste em abril/2011.

(*) Trecho do artigo O idoso e a família: os dois lados da mesma moeda, de autoria de Fátima Teixeira, publicado na Revista Partes).

Antonio Novais Torres

antorres@terra.com.br

Brumado, em 23-04-2011.

Antonio Novais Torres
Enviado por Antonio Novais Torres em 14/09/2014
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