BIOGRAFIA DEOCLIDES FERREIRA DAS NEVES

DIÓ DA PENSÃO PRIMOR*

Deleitando-me com a leitura do artigo Pepeu analfabeto, do articulista e escritor Tiãozito Cardoso, lembrei-me do seu padrinho Deoclides Ferreira das Neves, conhecido como Dió da pensão Primor. “Analfabeto de pai e mãe”, como diz o linguajar popular, porém famoso pelas qualidades e versatilidades culinárias e por seus inigualáveis temperos. Um verdadeiro mestre-cuca de inteligência intuitiva.

Deoclides nasceu em 19/08/1897 e era filho de Luzia Ferreira das Neves, nascida em 10/06/1860, em Livramento/BA. Casou-se em 06/10/1922, com Blandina de Oliveira Meira, nascida em 10/12/1907 e filha de Maria Angélica de Oliveira Meira, nascida em 08/06/1884.

Dió passou por Olhos d’Água e depois aportou na Fazenda Tocadas, de propriedade de Teófilo de Lima, onde se desenvolveu na arte de cozinhar. Vindo posteriormente para Brumado, aqui se estabeleceu com a pensão Primor, na qual se hospedaram personalidades ilustres, incluindo políticos de prol. Dentre eles, destaco o professor Anísio Teixeira – Ministro da Educação e grande pensador –, Dr. Lomanto Júnior – Governador do Estado da Bahia –, Ovídio Teixeira – Senador da República –, Dr. Vasco Neto – Engenheiro e Deputado –, Pedro Moraes – avô do Governador da Bahia –, Nilo Coelho – Governador da Bahia – e tantas outras personalidades do nosso convívio, como os pensionistas Edvaldo Ataíde, os irmãos Sidney e Ubaldo Meirelles, respectivamente, promotor público e odontologista.

A pensão Primor era ponto de encontro, geralmente à noite, para uma estirada de prosa, adentrando a madrugada, num bate-papo saudável, diversificado e informal. Deoclides Ferreira das Neves, o nosso querido e saudoso Dió, apesar de analfabeto, era um homem espirituoso e inteligente. Versado em temas políticos, entusiasta peemedebista e apaixonado pelo partido, era eleitor de “Admundo” – prefeito Edmundo – e admirador de doutor “Danta” – Dr. Dante, médico –, ambos adeptos do PMDB.

Naqueles tempos de Intendentes e de Coronéis mandantes, não havia meios de comunicação que funcionassem com a rapidez e a frequência de hoje. As notícias chegavam por intermédio dos visitantes ilustres e dos viajantes que traziam as gazetas da capital, sempre com grande atraso. Dió se encarregava de transmiti-las aos amigos após ouvir a leitura e os comentários de seus hóspedes.

O Major Aurélio, político de prestígio e influência local, era um dos primeiros a serem informados das novidades e, por sua vez, transmitia ao “comunicador” as últimas notícias locais de seu interesse, com a certeza de tê-las assim “anunciadas”, concretizando os seus objetivos políticos.

Quando ia à feira, manhãzinha, antes de o sol nascer, para comprar carne fresca de bode, levava consigo uma gamela de madeira que usava para o acondicionamento das compras a serem usadas no preparo de uma das suas especialidades: o ensopado de bode, cujo tempero fazia a diferença.

Dió, por quem nutríamos estima e consideração, foi um grande amigo nosso, de meu pai, Flavinho, e meu. Ele costumava retribuir os elogios e cumprimentos que recebia sempre com a mesma resposta: “O mesmo tanto lhe ofereço; nem mais, nem menos”. Dentre outras de seu repertório, destaco a sentença: “Quem tira virgindade de moça é cabeça de menino”. Como era um crítico dos desvios da conduta e do comportamento sociais, mas tendo uma filha que, por descuido, engravidara-se, era essa a resposta que dava às pessoas que, maldosamente, para lhe ferir o brio, perguntavam pela filha. Um analfabeto filósofo.

Figura ímpar, honrada e honesta, de muitas amizades, merece o nosso respeito e reverência. Foi um cidadão importante e de destaque na comunidade brumadense do seu tempo. Não pode ser esquecido pela sociedade à qual serviu, honrou e dignificou com sua personalidade de homem simples e humilde, que prestou um serviço inestimável à cidade de sua opção para viver.

Era analfabeto, não por escolha ou vontade, mas por falta de oportunidades e de incentivos que lhe foram subtraídos, como sói acontecer neste Brasil injusto, de tantos caciques políticos e tantos líderes (vaqueiros humanos) que pouco se têm preocupado com o povo humilde e pobre. Este fica à mercê das esmolas dos programas sociais quando, na verdade, necessita é de trabalho digno, de educação e da promoção social que o dignifiquem, dando-lhe a oportunidade de prover o sustento da família com o suor do seu rosto.

Aliás, os governantes e as elites dominantes não têm demonstrado interesse em instruir o povo, porque necessitam dele como massa de manobra, pois povo educado tem consciência de seus direitos, é reivindicador – incomoda.

Muito bem informado, Dió faleceu aos noventa e um anos, em oito de agosto de 1988, em sua residência na rua Cel. Tibério Meira, cercado de amigos e familiares que lhe prestaram a última homenagem. Encontra-se sepultado no cemitério municipal Senhor do Bonfim. Do fundo do coração, lembro-me do amigo Dió com muitas saudades.

(*) Deoclides Ferreira das Neves – 19/08/1897-08/08/1988

Antonio Novais Torres

antorres@terra.com.br

Brumado, em 08-08-1988.

Antonio Novais Torres
Enviado por Antonio Novais Torres em 16/09/2014
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