677-MARIA MOSCHIONI GOBBO - Biografia - 2a. Parte

Acidente com o marido - Guaranésia

A diferença de idade entre Maria e Pedro – ela era mais velha seis anos – em nada afetou a felicidade do casal. Pelo contrário, parecia ser um fator de equilíbrio, pois a dedicação e a amorosidade da esposa serviu de apoio ao marido, traumatizado por uma experiência matrimonial anterior, que terminara em dolorosa tragédia. Pedro era viúvo, sua primeira mulher morrera há cinco anos, no parto, juntamente com a criança.

Viviam com tranqüilidade e modestamente em pequena casa alugada, situada na Rua Deputado Campos do Amaral, 56, no bairro de Nossa Senhora Aparecida. Ela cuidando da casa enquanto o marido trabalhava na fábrica de móveis dos Irmãos Mecchi, uma das melhores da cidade, concorrendo com as dos Irmãos Bérgamo, do Vitório Colombarolli e da familia Mambrini.

Ainda que morando “do outro lado” da cidade, Maria era constantemente visitada pelas irmãs Rosa e Carolina, que continuavam residindo na casa do tio Francisco, próximo ao Jardim Novo. Aos domingos, era Maria que ia, acompanhada de Pedro, visitar as irmãs ou os pais, na chácara Lagoinha.

Ficou grávida pela primeira vez no início de 1935 e no final do ano — 9 de novembro — deu a luz ao primeiro filho. O parto, feito em casa, foi complicado. Teve a ajuda de parteira e da irmã Carolina.

A ansiedade e o nervosismo de Pedro, normalmente calmo e até pacato, era, naquela noite do parto, indescritível, como ele mesmo confessaria mais tarde. As lembranças da trágica noite em que perdera a primeira esposa ainda eram vivas em sua mente e ele não conseguia desassociar os fatos. (1)

A parteira era competente e ao perceber o recém-nascido com sintomas de asfixia providenciou banhos quentes e frios, alternadamente. Foi o que salvou o nenê, batizado de Antônio Roque. (2)

—É em memória de Antônio Roque Martins. – Maria explicava. — Foi nosso vizinho. Morava ao lado da casa de tio Francisco. Era muito inteligente. Foi uma pena ter morrido tão cedo. (3)

Uma segunda gravidez aconteceu sete meses depois do nascimento do primeiro filho. O que regulava os intervalos de gravidez, naqueles tempos, era o aleitamento. Quando a mãe deixava de dar de mamar, quando “leite secava”, lá vinha uma nova gravidez.

Arthur nasceu em 28 de fevereiro de 1935. Desta vez, sem complicações. O parto Fo, como o anterior, em casa, com ajuda de parteira e da irmã Carolina, que estava presente em todas as ocasiões em que podia proporcionar ajuda à irmã.

Maria admirava cada vez mais Pedro pelo carinho que dedicava a elas e aos filhos, bem como pelas suas habilidades profissionais. Era um marceneiro competente e entalhador com mão de mestre. Tão competente que recebeu um convite para trabalhar em São Paulo, para a firma Móveis Pascoal Biacho, naquela ocasião uma das mais importantes, senão a primeira fabrica de móveis do Brasil. Porém, não querendo perturbar a tranqüilidade familiar, não arriscou na mudança e declinou do convite.

Talvez tivesse sido melhor se Pedro tivesse aceitado o convite naquela ocasião e a gente tivesse mudado para São Paulo. Quem sabe, talvez teria escapado daquele acidente na fábrica dos Mechi, onde trabalhava. — pensava Maria, tempos depois.

Mas um fato dramático que alteraria os rumos da família ocorreu em março de 1938. Alteraria a vida da família de maneira drástica: um acidente na oficina onde o marido trabalhava.

Pedro tropeçou numa ripa jogada no chão, e na tentativa de se amparar para não cair, baixou a mão esquerda sobre uma tupia em funcionamento. Como se sabe, as lâminas da tupia devem ser afiadíssimas, e a mão de Pedro foi diretamente para a estreita abertura no tampo da máquina, que lhe decepou dedos e escalavrou a palma da mão.

O primeiro momento foi de dor, muita dor, e desespero. Maria se desdobrou para a atenção ao marido, cuja convalescença foi lenta. O restabelecimento de Pedro foi pelo resto do ano, com seqüelas graves: o dedo anelar cortado na primeira junta, o mindinho sem movimento, o médio com poucos movimentos. O braço ficou prejudicado, pois o movimento do cotovelo ficou limitado a alguns poucos centímetros.

Eram tempos em que não existia seguro de trabalho nem licença para tratamento de saúde ou aposentadoria por invalidez. Os poucos recursos do casal acabaram nos primeiros meses. Depois, foram ajudados por tio Francisco. Alimentos vinham da chácara dos pais de Maria.

Maria via o desespero do marido, sem trabalho e vislumbrando muita dificuldade em voltar ao serviço, quando recuperado. E o inevitável aconteceu: Pedro não tinha como voltar à marcenaria, ao trabalho de que tanto orgulhava e que era o seu ganha-pão. Sua mão esquerda estava comprometida, e o braço também fora afetado no movimento. (5)

No final daquele ano, 1938, Pedro e Maria tomaram uma importante decisão: mudaram-se para Guaranésia, cidade natal de Pedro, e onde moravam ainda seus pais, o velho Antônio Gobbo e a mulher, Santina.

— Vamos abrir uma venda, uma lojinha. Vamos morar numa casa de meu pai. Sem pagar aluguel, já vai fazer uma grande diferença.

Tio Francisco emprestou algum dinheiro para Pedro começar o negócio. E lá se foi família em busca de novos horizontes.

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A casa onde foram morar em Guaranésia era pequena, o suficiente para a família. Ao lado, como se fosse um anexo, um cômodo com duas portas para rua, serviu para a instalação da pequena venda de secos e molhados, bebidas, algumas ferragens.

Maria levou para morar com a família e ajudá-la nos afazeres de casa, seu primo Zé Pina, um garoto de 14 anos, filho de tio Nicola. Não era muito desenvolvido, tanto físicamente como mentalmente, mas muito a ajudou no cuidado com as crianças.

Para Maria, foram anos de trabalho e de saudades. Muito embora guaranésia e São Sebstião do Paraiso fossem cidades próximas, ligadas pela Estrada de Ferro Mogyana, apenas Carolina a visitava, mas lá de vez em quando. Seu Antonio e Don Santina eram muito calados e embora morassem defronte á sua casa, pouco se comunicavam.

O marido não tinha tino comercial e a lojinha não vingou. Ela bem que tentou ajudá-lo, fazendo doces de leite e rapadurinha de cidra, muito apreciados pela clientela.

Mas de nada adiantaram seus esforços. (4)

Após três anos de tentativa (1939/1941) não tinham mais como manter o negócio em funcionamento. Tio Francisco, sabedor da situação de Maria e Pedro, mandou um recado:

— Venham morar aqui. A casa é grande, cabe vocês.

— Vamos, Pedro. — Ela animou o marido. — Lá você pode ajudar o tio na sua loja. Eu também ajudarei, fazendo os doces.

No início de 1942 Pedro fechou a loja, liquidou o pequeno estoque e voltaram a residir em São Sebastião do Paraíso, encerrando uma etapa da vida do casal. Os filhos Antonio e Arthur estavam com seis anos e quatro anos, respectivamente. Pedro era um homem triste, arrasado pelos insucessos; Maria, entretanto, era uma mulher de força e entusiasmo, que impulsionava a vida da família.

Suas palavras preferidas ainda são frescas na memória de quem as ouviu:

— Dias melhores sempre virão.

Contos relacionados na Série Milistórias

(1)Conto # 182 – O Gosto Amargo da Vingança

(2)Conto # 467 – Nascimento de menino, morte de canário

(3)Conto # 007 – (In) Feliz Natal

(4)Conto # 058 – Pinga com Capilé

(5)Conto # 202 – Acidente Profissional

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 8 de julho de 2011

Conto # 677 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 03/03/2015
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