Domingo da cadeia....

5 horas da manha. Acabaram de soltar a água. É o despertador para acordar os presos para mais um dia. Não um dia comum, mas um dia especial. Um dia de vistas. Boa parte dos presos não tem nem família que visite, e os que tem não é sempre que visitam. Parece que as mães mais pobres e singelas são as mais amorosas e que mais vão visitar seus filhos na cadeia. Um sacrifício em tanto para quem mal tem dinheiro para pagar o passe do ônibus e mesmo assim fazem sacrifício para trazer alguns produtos de higiene básica e algumas bolachas de mantimento.

Além disso tem que ficar na fila por algumas horas onde as pessoas tem que ficar peladas e fazer agachamentos para policiais estranhos além de terem seus 'picuás' revistados e as vezes vandalizados como as bíblias que chegam e eles arrancam as capas. Bíblias que ficam jogadas pelos cantos perdendo as folhas ao lado de presos que dormem nas celas da igreja. Mas a maioria das celas não liga para isso. A maioria maconheira ou que fuma prefere impestiar a cela de fumaça. Talvez esse seja algum dos motivos para as celas ficarem abertas ao ar livre. Com as grades geladas ao relento. Todas as celas ao redor de uma quadra com traves de gols feitas de garrafas pets e rede de corta feita de saquinhos plásticos de leite repuxados. Fios esses tão resistentes que podem matar um homem. Alguns já dizem que o diretor liberou a entrada de varal. Mas é raro alguém ver um varal de verdade por ali. Esses fios de plastico feitos de saquinhos de leite e de pão puma são uma arte artesanal comum na cadeia e cruzam a cadeia e a quadra de ponta aponta. Prendedores são raros por la e cada um vale muito. Talvez um maço de cigarro. Mas isso não é problema para os presos. Eles conseguem amarrar varais em paredes lizas fazendo um tipo de cimento feito de raspas de parede e outros ingredientes de massa banais que entram como produtos de higiene. Muitas vezes misturados com um pouco de pão que fica duro depois de alguns dias. Mas depois de alguns meses da a louca nos policiais e eles retiram todos os presos revistam as celas e arrancam todos os varais e estantes artesanais e os presos tem que reconstruir sua pequena moradia novamente.

Mas isso não abala muito os presos. Eles não ligam para luxo. Fazem meses que eles não sabem o que é uma água quente. Algumas celas conseguem fazer pequenas panelinhas com garrafa PET e papel laminado que chega com a marmita. A cela da igreja escreve o nome de Jesus na parede com letras feita de tampa de marmitex coladas com pasta de dente.

Essa é a cela mais cheia em dia de visitas. Algumas celas nem são permitidas a entrada de visitas, talvez porque sejam muito sujas talvez porque estejam liberadas epenas para visitas intimas de 1 hora no máximo. Onde cada 'burra' fica com um casal. As burras são tabuas de cimento cheia de furos onde os presos dormem. Furos estes que passam uma mão inteira, talvez para prender presos com algemas e castigá-los caso encontrem o dono de alguns celular na cadeia. Mas sempre entra algum celular. Mesmo proibido presos compram celulares as vezes que chegam por funcionários amigáveis. É assim também que chegam as drogas. Maconhas rolam solta e muitas vezes chegam entregas por cima dos pavilhões. Algumas acabam parando no meio do caminho, em cima das torres de vigia por onde os guardas raramente andam. Alguns atrevidos tentam entrar com a droga pela família, mas é vergonhoso quando acham alguma droga entrando pelas partes intimas da família de algum preso de primeira viagem. Quando alguma pessoa assim é pega, geralmente acaba ficando junto ou em uma cadeia feminina no caso de mulheres, por alguns meses. 6 meses 1 ano. Não tem prazo definido para ficar lá, tudo depende da boa vontade dos juízes se tiverem misericórdia de você podem liberar em até 3 meses para os mais sortudos, como no caso de pequenas agressões em mulheres traidoras feitas por homens de bem que chegam lá trazidos pela Maria da Penha. Este é o meu caso. Mas já estou de saída depois de 4 meses de tortura psicológica e deprimência.

Mas home é dia de alegria na cadeia. As famílias já começam a chegar, e cada família que chega é um grão de felicidade para todos os presos. Junto com a família chega o almoço caseiro, que é repartido por todos os presos no final de semana, pois não chegam marmitex nas celas em dias especiais. Como em caso de dia de transferência de presos. Em dias de vistoria geral muitas vezes alguns presos tem que dormir de pé e algumas vezes sem rango se os policiais estiverem com raiva. Mas não quero lembrar dos dias tristes. No começo eu ficava triste nos dias especiais também quando minha família não chegava, mas agora já estou acostumado. Os presos sempre acabam se contentando com tudo. Como a água gelada que chega pelas torneiras e pela mangueira do chuveiro. Chuveiro este feito de buracos em uma garrafa PET por onde sai água gelada, com exceção da cela do PCC. Única cela onde tem água gente para algumas visitas que até tomam banho. Em dia de visita o banheiro fica fechado com um lençol e o box também. Antes das 6 horas da manha os presos lavam os banheiros para ficarem limpos para as visitas. Mas os banheiros são lavados todos os dias. Os presos são muito limpos e organizados. Lavam sempre sua roupa disputando baldes por alguns minutos. E penduram 'corujas' de cuecas pelos cantos. Com exceção do dia de visitas.

É m milagre os presos aguentarem tomar banho gelado no inverno e ninguém morrer de frio. Acho que os anti-corpos das gripes são compartilhados pelo ar coletivo. Muitas vezes cheio de fumaça toxica de cigarro e maconha. Mas eu estou em uma cela privilegiada. A cela da igreja. Aqui nos horamos 3 vezes por dia, mas hoje não, hoje vamos orar mais vezes pois a oração é no patio de mãos dadas com todos os presos que cantam musicas evangélicas e de louvor a Deus antes da chegada das visitas. Tudo isso antes das 7 horas. Preciso correr, a oração já vai começando.