BAUDELAIRE, CORAÇÃO ABISSAL

BAUDELAIRE, CORAÇÃO ABISSAL

Cruzando as pontes,

em direção aos cafés de Châtelet,

Charles-Pierre Baudelaire

contemplava as nuvens do céu lívido.

Saboreava êxtases vagabundos nas tabernas.

Despachado por navio para Calcutá

pelo padrasto, general Jacques Aupick,

brigou de murros com um marujo

que maltratava um albatroz,

capturado pela tripulação.

Na ilha Maurício, entreteve-se

com os encantos de uma dama crioula.

Às margens do Sena,

fundou  com Gautier, Nerval e Balzac

o marginal Clube dos Haschischins.

Com elixires inebriantes

e a lânguida vertigem dos violinos,

aliviava o fardo do Tempo.

Sob o teto de bruma noturna,

sondava os vestígios do passado luminoso.

Patrocinava suntuosas festas,

tinha o gosto do luxo bizarro.

A família lhe tutelou os recursos.

Angustiado pela pressão dos credores,

enfermo de sífilis,

tentou matar-se com uma facada no peito.

Desmaiou e foi socorrido por Jeanne Duval,

a musa haitiana.

Pediu piedade a Satã.

Durante a insurreição

contra Luís Filipe de Orléans,

pediu a gritos, entre as trincheiras,

o fuzilamento do general Aupick.

Entre as descargas dos fuzis,

desafiou a ditadura do sobrinho de Napoleão.

Suas flores espúrias,

pelas quais os censores

lhe arrancaram trezentos francos de multa,

encantaram o mestre Victor Hugo.

Escreveu poemas eróticos a Apollonie Sabatier,

cortesã dos salões parisienses,

e à atriz Marie Daubrun,

ardentemente aplicada na cama.

Poeta maldito, adentrou os portais do inferno,

inoculado pelo veneno da existência.

Márcio Catunda
Enviado por Márcio Catunda em 23/02/2018
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