Esquecer???

Esquecer...

Não tem como esquecer as dificuldades que passamos em pleno regime militar.

Não posso esquecer a fome, a miséria, o desemprego e a as ameaças a liberdade de expressão que meu pai sofria.

Não posso esquecer o olhar triste da minha mãe sentada a beira do fogão de lenha a espera da comida que nunca vinha.

Não posso esquecer seu choro contido para não chamar nossa atenção.

Não posso esquecer as vezes que saia para as ruas em busca de alimento sem que ela soubesse.

Não posso esquecer o pão que me sustentou por muitas vezes quando saia pelas ruas pedir.

Não posso esquecer o coco do esgoto que me alimentou por várias vezes.

Não posso esquecer o velho, mas produtivo pé de chuchu e o sal que nos alimentava.

Não posso esquecer meu irmão falecer por volta dos seus três a quatro anos por paralisia infantil.

Não posso esquecer meu irmão Sergio falecer por pneumonia.

Não posso esquecer o desaparecimento da minha mãe por não ter suportado tanta dor.

Não posso esquecer a última vez que a vi com vida.

Não posso esquecer que apesar de todo esforço eu a vi ser sepultada como indigente.

Não posso esquecer a despedida do meu pai com lágrimas nos olhos numa cama de hospital quando decidiu deixar de lutar contra a morte e veio a falecer.

Não posso esquecer a última maçã que ele me deu.

Não posso esquecer que fiquei órfão aos quatorze anos e fui abandonado a própria sorte.

Não posso esquecer a discriminação por ser filho de pobre e não ter tido a oportunidade de estudar.

Não posso esquecer que por ter nascido e ser criado na periferia meu destino já estava traçado... Seria bandido.

Não posso esquecer o momento que quase cometi suicídio, mas Deus estava lá.

Não posso esquecer que meu desejo de vingança me obrigou a lutar e os livros foram minha salvação.

Jamais esqueceria que quando sentia fome Deus me sustentava e fazia eu sorrir quando criança

Jamais poderia esquecer os valores passados pelos meus pais e praticados todos os dias

Jamais poderia esquecer que enquanto os homens me puxavam para baixo Deus me transportava através das nuvens.

Caetano Cônsolo
Enviado por Caetano Cônsolo em 02/11/2018
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