Abel Josino da Rocha (1921-1996)

Era uma segunda-feira, 28 de março de 1921, quando o choro de uma criança cessava as intensas dores do parto. Nascia, em Piranhas, o segundo filho e o primeiro do sexo masculino do casal Maria da Rocha Filha (1903-2005) e Josino Nicolau da Rocha (1894-1976). A primeira herdeira, Francelina Santa da Rocha, havia nascido em 01 de novembro de 1919. Santa faleceu ainda jovem aos 37 anos, em 21 de dezembro de 1956.

Para a sociedade de 2019 estaria perfeito, um casal de filhos é tudo que muitas famílias sonham atualmente para encerrar a reprodução. Josino e Maria ainda gerariam outros 12 filhos, somando um total de 14 sucessores.

Os pais resolveram batizar a criança com um nome bíblico que já acompanhava a família Rocha. Abel, como está no livro de Gênesis, foi um pastor de ovelhas, segundo filho de Adão e Eva, morto pelo irmão Caim.

Como tradição, para facilitar a identificação da origem familiar, Abel recebeu o nome do meio “Josino”, seguido do sobrenome, “da Rocha” = Abel Josino da Rocha.

Naquele ano, a área onde está localizada a comunidade Arara, hoje município de Alagoinha do Piauí, começou a ser habitada. Em 1921, Josino e seu cunhado e primo Joaquim Leopoldino da Rocha começaram a desbravar a região.

No processo de exploração, Josino encontrou em uma fenda de um morro um ninho de Araras e com um lenço vermelho amarrado em uma ponta de vara de madeira atraiu os filhotes, capturando-os e levando-os para criar em sua residência.

O pai de Abel ergueu uma casa em Arara, a estrutura de taipa ficava no pé de um morro de solo branco. Ali, o menino cresceu, chegou à adolescência e alcançou a fase adulta. Josino tinha propriedades em vários pontos do que atualmente compreende o município alagoinhense. Posses que demandavam uma considerável força de trabalho tanto no desenvolvimento da agricultura, como da pecuária.

Os filhos de Josino com apoio de trabalhadores contratados na região supriam esta necessidade. Piranhas, Arara e Cedro eram comunidades que fizeram parte do cotidiano de Abel que lidava com o trabalho pesado com alegria e dedicação.

Uma das paixões de Abel era a lida com o gado. Quem dormia na comunidade Arara acordava com o seu alegre aboio que fazia com prazer. O som de sua voz áspera provocada pelo cigarro era ouvido a quilômetros de distância. O canto mais parecia um lembrete, alertando que a simplicidade é a moradia permanente da felicidade.

Através do ofício de aboiador, Abel era convidado para migrar rebanhos das Piranhas com destino ao Sambito, em Pimenteiras (PI). Uma viagem longa que durava dias e exigia coragem e resistência por parte dos vaqueiros. Um de seus parceiros na tarefa era Claudio de Carvalho Rocha, mais conhecido como “Claudim”.

Na década de 1940, Abel ficou noivo de Bibiana de Sousa Rocha, nascida em 02 de dezembro de 1925, filha do casal Olímpio Antônio de Sousa (1896-1960) e Eugênia Joana de Jesus (1898-1970). Os noivos eram primos em segundo grau. O pai de Bibiana era primo legítimo da mãe de Abel. Joana Maria de Jesus, mãe de Olímpio, era irmã do Major Leopoldino da Rocha Soares, pai de Maria.

Após um curto período de noivado no qual os prometidos quase não se viram, o matrimônio foi realizado no dia 17 de dezembro de 1945, na Igreja de São João Batista, em Alagoinha do Piauí, que era apenas um povoado.

Casado, Abel ergueu um casebre de taipa próximo à residência de seu pai onde passou a residir com a esposa. Antônio Valdinar da Rocha lembra que em 1964, seu pai construiu a casa de alvenaria em um alto, no período chuvoso de 1965, Abel passou uma temporada com a família no Cedro, na casa de Josino, e em 1966 se mudou para o imóvel novo onde residiu até sua morte.

Naquele tempo, na seca, as famílias se mudavam para outras regiões do município em busca de água. Eva Bibiana da Rocha revela que em 1952, a família de Abel migrou para as “Piranhas” e a família de Elísio se mudou para Alagoinha. As irmãs Biana de Abel e Joana de Elísio estavam grávidas e os dois bebês, Eva e José, nasceram nas Piranhas e Alagoinha, respectivamente.

Bibiana era uma mulher disposta, havia herdado o gene da mãe. Gostava de servir ao próximo e mantinha a cordialidade de visitar as famílias. Em momentos de necessidades era a primeira pessoa a se apresentar e se colocar a disposição para ajudar.

Geograficamente, a região onde fica Alagoinha é diferente das demais devido o grau de isolamento. A distância das cidades mais antigas, Pio IX, Jaicós e Picos, somada a precariedade das estradas, dificultava a chegada de muitas inovações e até mesmo atrapalhava a educação. Mas para os padrões da época, Bibiana era visionária, acreditava que o Saber era uma ferramenta importante na emancipação das pessoas e na melhoria da qualidade de vida.

Com dificuldade, mas com muita determinação, ela incentivou e patrocinou os estudos dos filhos. Além de pagar aulas particulares em casa para alfabetizar os herdeiros, alguns estudaram em São Julião e até mesmo na cidade de Picos (PI), polo educacional.

Hoje é corriqueiro, um jovem de uma pequena comunidade estudar o ensino médio na “Cidade Modelo”, mas naquela época era fato raríssimo na sociedade alagoinhense. Os valores locais não eram um diploma de “Doutor”, mas quantas tarefas de feijão, mandioca e milho cada jovem podia cultiva e a quantidade de cabeça de gado tinha no curral. Os mais corajosos e donos do maior rebanho, ganhavam respeito na comunidade e eram assediados por moças que queriam se casar.

Diferente de Bibiana, Abel não era um homem de iniciativa, empreendedor, que tomava decisões e fazia planos. Habilidade não era mesmo o seu forte. Uma prova é que ele não conseguia fazer a sua própria barba e vivendo numa época em que o principal transporte era o animal (equinos e muares) preferia andar quilômetros a pé.

Nas manhãs de domingo, Abel vestia sua melhor roupa, passava o pano, usava perfume, geralmente da Avon, pegava sua sacola de compras, confeccionada de saco e listrada de várias cores, e seguiu caminhando de Arara com destino a cidade.

A caminhada de aproximadamente oito quilômetros passava por ladeiras, cancelas, veredas e muita areia, mas Abel tirava de letra. Em Alagoinha, ele fazia as compras na feira livre e logo retornava para casa fazendo o caminho inverso, desta vez no horário mais quente do dia.

Viciado em tabaco, ele fazia seu cigarro grosso que mais parecia um charuto que era apreciado logo após uma xícara de café forte, sem coar e sem açúcar. Conta-se que certa vez quando estava fazendo café, Bibiana o indagou para quem era o café. Grosseiramente, ele respondeu: “Pra o cão” e misteriosamente o café desapareceu da xícara que estava sob a mesa.

O modo de conversar de Abel era inconfundível. Falava alto e arregalava os olhos, parecia uma grave discussão. Era um homem muito sério e quase não dava risada. Mas também era brincalhão e gostava de cutucar Bibiana somente para vê-la esbravejar.

Abel e Bibiana tiveram oito filhos: Francisca de Sousa Pereira (1947), Maria da Rocha Carvalho (1949), Josina Bibiana da Rocha Carvalho (1950), Eva Bibiana da Rocha (1952), Luciolo Abel da Rocha (1956), Antônio Valdinar da Rocha (1960), Olímpio Neto da Rocha (1964) e “Maria” que morreu ainda recém-nascida.

Na segunda metade da década de 1950, Abel foi convocado para servir ao Exercito Brasileiro em Teresina. No período da Guerra Fria, disputa pela hegemonia mundial entre os Estados Unidos e União Soviética, a convocação era recebida com pavor pelos jovens. As pessoas tinham medo do Brasil entrar em conflito com alguma Nação e muitos habitantes se escondiam em cavernas para não se apresentar as Forças Armadas.

Durante a temporada na Capital do Estado, Abel adoeceu de um dedo, enfermidade considerada milagrosa, pois depois de passar por um simples processo cirúrgico acabou dispensando do serviço militar. Eva Rocha conta que quando Abel retornou do Exercito ela estava com dois anos de idade e estanhou ao ponto de não querer de forma alguma está no braço do pai.

Abel era um homem que tinha a saúde de ferro. Fisicamente era magro, tinha o cabelo crespo e gostava de perfume, usava muito, praticamente derramava sobre a cabeça, e de várias fragrâncias ao mesmo tempo. Suas camisas eram quase todas esquadrejadas e ele as abotoava até o colarinho.

No dia 08 de dezembro de 1996, Abel começou a sentir fortes dores abdominais e depois de muita resistência de sua parte e insistência da família foi internado na Unidade Mista de Saúde de Alagoinha do Piauí, em seguida foi levado para São Julião (PI) onde foi consultado por um médico que recomendou a transferência para Picos (PI). No hospital Regional Justino Luz foi submetido à cirurgia de Apendicite, que já estava supurada e na madrugada de 19 de dezembro, Abel não resistiu e faleceu de hemorragia interna.

O seu corpo foi velado em sua residência, na comunidade Arara, onde familiares e amigos de várias cidades da região e até de outros estados prestaram as últimas homenagens. O sepultamento aconteceu no final da tarde no Cemitério São Vicente, na cidade de Alagoinha do Piauí.

A viúva continuou vivendo sozinha em sua casa e cuidando de suas galinhas e da criação de gado. No dia 05 de junho de 2013, a idosa diabética ao tentar fazer a higiene de um ferimento na perna utilizando soro caiu da cadeira que estava sentada e quebrou o fêmur.

Bibiana foi transferida para Picos e submetida à cirurgia que saiu dentro do esperado, sendo logo liberada para recuperação em casa. Mas o local da cirurgia começou a infeccionar sendo novamente internada no dia 17 de junho e falecendo de infecção hospitalar, às 21 horas, do dia 24 de junho de 2013, no Hospital Regional Justino Luz.

O corpo foi velado em Alagoinha do Piauí na casa de sua filha Maria, onde ela havia ficado de dieta pós-cirurgia. Bibiana foi sepultada na tarde de 25 de junho de 2013 após celebração na Igreja de São João Batista.

“Biana”, como era mais conhecida, foi zeladora de Nossa Senhora da Conceição por 50 anos. Ela começou sua dedicação na cidade de São Julião (PI) e depois com as limitações impostas pela idade transferiu para Alagoinha do Piauí.

O casal gozava de grande respeito, tanto pela seriedade e responsabilidade, como pela amizade que fazia questão de conservar junto às principais famílias de Alagoinha do Piauí, São Julião, Monsenhor Hipólito, Francisco Santos e Santo Antônio de Lisboa, municípios onde residiam parentes e os dois mantinham laços de afeto.

Abel e Bibiana deixaram suas marcas no legado construído com respeito, trabalho e solidariedade da Família Rocha. Os seus herdeiros diretos são pessoas de bem e que seguem os princípios ensinados pelo casal ao longo de sua trajetória.