JEAN GENET
A obra marcante de um ‘maldito’


   Uma das personalidades mais surpreendentes do meio teatral no século XX é, sem dúvida, o francês Jean Genet. Sua obra como dramaturgo e romancista sobrevive, com incontáveis montagens e adaptações. Ele foi incensado por gente como Jean-Paul Sartre, que o considerava o protótipo do homem existencialista e o dissecou em seu ensaio “São Genet: Ator e Mártir”. Intelectuais franceses, como Jean Cocteau e André Gide, pediram a revogação de uma pena de prisão perpétua que lhe fora imposta, e o então presidente Vincent Auriol atendeu.
   Nascido em Paris, no dia 19 de dezembro de 1910, Jean Genet era filho de um operário, que nunca o reconheceu, e de uma costureira que o entregou a um orfanato. Foi criado por uma família no interior, mas, longe de assumir os votos no sacerdócio, como queriam os pais adotivos, acabou enveredando por uma vida de aventuras, que inclui diversas prisões por furto, passagens por reformatórios, alistamento e deserção na Legião Estrangeira (o que lhe rendeu anos de perseguições por parte das autoridades), uma existência que muitas vezes beirou a mendicância.
   Começou a escrever no final da década de 1930 e seus textos foram descobertos e elogiados pela nata da intelectualidade francesa. Havia algo de realmente novo em textos como “Nossa Senhora das Flores” (1944), “Milagre da Rosa” (1945) e “Querelle de Brest” (1947), de cunho autobiográfico, que tratavam da rejeição da sociedade e a validade da justiça. A homossexualidade de Jean Genet, que também era motivo de perseguição, também foi abordada, com coragem, em sua literatura. Divine, personagem criada por Genet, é considerada a primeira drag queen da literatura.
   No teatro, a chegada de Jean Genet trouxe uma renovação de temas, de ótica, e o trabalho com arquétipos. Perfeito no uso dos recursos do teatro para negar o próprio teatro que era feito na época, leva ao palco a vida marginal, a injustiça, a violência, com tons que vão da crueza ao sonho, com intensidade. A visão política do auto – que foi defensor, em sua época, dos Panteras Negras e da criação do Estado Palestino, denunciando perseguições culturais, raciais e sexuais – estava presente em sua obra.
   “O Balcão” (1956) é considerada pelos críticos a obra máxima de Genet – por levar ao palco, transformado em um cabaré surreal, os arquétipos da civilização ocidental, em uma trama alegórica e surpreendente. No Brasil, em plena Ditadura, o texto foi montado em 1969, na Sala Gil Vicente, em São Paulo, com direção de Victor Garcia e cenografia de Ruth Escobar. Mas em todos os seus textos, como “As Criadas” (1946), “Os Negros” (1949), “Alta Vigilância” (1948) e “Os Biombos” (1966), o personagem principal é o ser humano em busca de sua humanidade perdida ou roubada pela sociedade. 
   Inquieto, Jean Genet trocou influências com o movimento Beatnik, que levava as questões do existencialismo às últimas consequências nos Estados Unidos, revelando uma geração de escritores como Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs. Também foi uma voz ativa na luta pelos direitos dos trabalhadores imigrantes em seu país. Morreu em 15 de abril de 1986, em Paris.

(Parte da coletânea GENTE DE TEATRO, de William Mendonça. Direitos reservados.)