Vai com Deus

Mesmo com tantas dificuldades eu voltaria no tempo.

Nasci em 1945 e nasci em casa mesmo, vim ao mundo pelas mãos de uma parteira, mulher que dedicava parte de sua vida a ajudar as mães a darem a luz, pois naquela época não existia aqui, em Santa Maria de Jetibá, hospitais, farmácias, médicos, essas coisas que existem hoje.

Sempre morei neste município e me orgulho disso, sou pomerano e desde pequeno eu já ajudava meus pais, trabalhava a semana toda, e aos sábado bem de manhã, como toda criança luterana e de origem pomerana, ia para o ensino confirmatório, ficava longe, mas eu não faltava por que o pastor era muito bravo, e era um momento gostoso de encontro com as outras crianças da região, depois do encontro íamos pela estrada, apreciando as belezas naturais da região, as matas as flores etc.

Assim o tempo foi passando, às vezes lentamente, pois não tinha coisas para fazer, às vezes rápido demais, para dar conta das atividades e sonhos de garoto. Com 18 anos, fui para Vitória, e ali foi a primeira vez que eu vi o mar, a cidade era tão grande ao meus olhos, tão bela. Alistei-me no exercito e fui para o Rio de Janeiro, de navio uma coisa que eu nunca vou esquecer um transporte tão grande. Lá fiquei por um ano, Com 19 anos voltei para santa Maria de Jetibá, a minha terra! A minha casa, a minha família. Que saudade! Saudade do cheiro da terra do chão batido! Das quaresmeiras floridas e tantas outras flores, das matas quase fechadas, pelas quais eu andava em minha infância, correndo brincando com amigos do ensino confirmatório. Saudade da minha língua pomerana, que por tanto tempo me envergonhei dela, por que os outros não entendiam e ela era minha particularidade, mas eu não sabia que seria como hoje motivo de orgulho dos jovens pomeranos. Saudade dos biscoitos no forno a lenha, do bolo ladrão do broth, e das festas de minha gente simples, de pé no chão, mas uma gente amiga. Nesse meu retorno encontrei a mulher da minha vida, com ela vivo até hoje, passamos por momentos muito difíceis, mas em nenhum momento deixei de ama- lá. Éramos muito pobres não tínhamos nem armário para guardar nossa comida. Tivemos nosso primeiro filho e quando ele nasceu, a sua cama era apenas duas cadeiras com um travesseiro.

Eu trabalhava muito arando terra, e acho que foi por essa questão que perdi minha pena, pois tive uma ferida que foi a enfraquecendo, a necessidade de trabalhar junto a falta de recursos aqui em nossa cidade para um tratamento melhor, fez com que precisasse amputa-la e hoje uma das minhas pernas é mecânica.

Mas mesmo com essas dificuldades tínhamos momentos de lazer, o maior deles era a pesca, fazíamos isso para nos divertir, pescávamos aqui mesmo no Rio São Luís, o rio antes era de águas limpas, águas claras, transbordavam, era lindo, em nada se parece como o rio que corre hoje em dia nem água direito tem mais, o pouco de água que tem é barrenta e poluída, nem peixe existe mais.

Antigamente, embora fosse bonito, sossegado, tudo era mais difícil, mas de uma coisa tenho certeza se eu pudesse voltar no tempo. Eu voltaria e viveria tudo outra vez, da mesma forma como vivi.

Memórias do senhor Lourival Arthu Boldt - 71 anos.

Carmem Lucia Corrêa De Castro Cirqueira e Lourival Arthu Boldt
Enviado por Carmem Lucia Corrêa De Castro Cirqueira em 21/08/2019
Código do texto: T6726020
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