O Theatro São Pedro e a música popular de Alberto do Canto

"Rua da Praia, que não tem praia, que não tem rio,

Onde as sereias andam de saias e não de maiô".

Alberto Bastos do Canto

Responsável, e com o apoio da prefeitura, pela realização, no Theatro São Pedro , em 1959, do “Primeiro Concerto de Música Popular”, o compositor e músico porto-alegrense, Alberto Bastos do Canto (1923-2004), rompeu, na época, com as amarras do preconceito quanto à apresentação da chamada música popular em um espaço considerado elitista, segundo registrou o Boletim Social da União Brasileira de Compositores (UBC), de julho a setembro de 1959. Fundado em 27 de junho de 1858, até então, nosso tradicional teatro nunca havia aberto as suas portas à realização de um concerto voltado ao gênero popular.

Filho de Margarida Bastos do Canto e de Arthur do Canto Júnior, Alberto e seus seis irmãos se criaram, em Porto Alegre, no Bairro Glória. Desde menino, nosso compositor já demonstrava suas aptidões artísticas, quando começou, em 1938, aos 14 anos, a estudar piano com a professora Aracy Guimarães. Sua primeira canção registrada, “Estrelas”, data de 1941. De acordo com a matéria publicada, em maio e junho de 1961, na Revista do Globo, Alberto do Canto, em 1938, fazia parte da Banda do Colégio Anchieta. Esta importante revista e o boletim da UBC fazem parte do acervo do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom), que se localiza no Centro Histórico de Porto Alegre, Andradas, 959.

Em sua trajetória, seu ídolo foi o pianista e compositor Paulo Coelho (1910-1941). Autor da conhecida canção Alto da Bronze, provavelmente este músico tenha inspirado a produção de Alberto, que totaliza mais de 300 obras.

Entre outras canções, que foram compostas por Alberto do Canto, exaltando a Capital gaúcha, destacam-se: Cidade Sorriso, Parque da Redenção, Praça Quinze , Rio Guaíba, Praça da Matriz e Rua da Praia. Esta última, composta em 1947, trata-se de um samba-canção, considerado, por muitos porto-alegrenses, como um verdadeiro hino. Gravada, também na Odeon, em 11 de agosto de 1954, pelo cantor Alcides Girardi (1918-1978), esta canção é sucesso desde que foi lançada.

Advogado formado pela UFRGS, nesta universidade conheceu o "Rei da dor de Cotovelo" Lupicínio Rodrigues (1914-1974) que ali trabalhou como bedel. Logo, Lupi - como era carinhosamente chamado - tornou-se um amigo e admirador das composições de Alberto. Nosso compositor se casou com dona Elvira e desta união nasceram nove filhos.

Autor de uma importante produção, na qual predomina o samba-canção, Alberto foi considerado, por especialistas, um compositor semierudito. Ele próprio declarou, em 1961, à famosa Revista do Globo: "como encaro sériamente a arte musical, sinto que só poderei realizar-me nessa nobre arte quando palmilhar êste terreno".

No ano de 1959, com apoio do prefeito Leonel Brizola (1922-2004), que foi seu ex- colega no Júlio de Castilhos, Alberto do Canto organizou o Primeiro Concerto de Música Popular Rio-Grandense. Executado pela orquestra do importante maestro Salvador Campanella (1907-1985), o espetáculo contou, entre outros intérpretes, com a dupla Fernando Collares (1933-2011) e Lourdes Rodrigues (1938-2014). Este concerto foi um marco na história da música popular no Rio Grande do Sul e lotou o Theatro São Pedro.

Para esta ocasião tão especial, o criador de Rua da Praia orquestrou dezoito de suas melhores composições, tendo como base os instrumentos de corda e de sopro. Assim o samba, considerado, então, informal e desprentensioso, ao invés de camisa listrada vestiu black-tie, abandonando, por algumas horas, as madrugadas boêmias, para ocupar, pela primeira vez, o espaço nobre do mais antigo teatro da Capital dos gaúchos.

Quase vinte anos depois, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), em 1977, reeditou, com grande sucesso, o famoso e pioneiro concerto de Alberto do Canto. Regido por ele, em homenagem à Semana Farroupilha, o espetáculo teve o patrocínio da Assembleia Legislativa do Estado. Sem dúvida, seu nome faz parte da galeria nobre dos grandes compositores gaúchos.

Artigo publicado no Almanaque Gaúcho (ZH) de 21 e 22 de março de 2020