BIOGRAFIA RICARDO FONTOURA - HORAS DE TERROR EM CASA

O ano de 2004 se revelou de desafios muito severos para Ricardo. Desde o início do ano ele vinha sofrendo com a instabilidade do sistema econômico do Governo Federal, que praticamente fez o negócio de sementes virar pó no Brasil. Isso pode ter contribuído decisivamente para, em junho, ele sofrer um infarto e quase morrer.

Ainda se recuperando do baque, inspirando cuidados e com um stender no peito, o coração de Ricardo foi submetido ao teste mais perigoso da sua vida, em agosto, quando ele e Myrinha foram feitos reféns em sua própria casa. Ficaram na mira de armas pesadas de perigosos criminosos das 22h às 4h do dia seguinte. Seu coração resistiu ao batismo de fogo.

O irmão de Ricardo, Otavinho era prefeito de Goianésia e candidato à reeleição. Teve um comício nesta noite. Como sempre fazia, Ricardo foi com Myrinha. Ficavam dentro do carro, atrás do caminhão que servia de palco aos políticos. Bem à vontade, ele foi de bermuda e camiseta. Gostava de observar bem o evento e depois fazia suas ponderações ao irmão, pontos positivos e negativos. Era um conselheiro.

Após o evento, Ricardo e Myrinha, na Mitsubish Pajero dele, foram para casa. Era hora de dormir. Ricardo desceu do veículo primeiro e pediu à esposa para buscar um objeto qualquer para ele na porta de trás do carro.

Myrinha foi, mas sentiu que havia presença estranha dentro da casa. “Ricardo, acho que tem gente aqui dentro de casa”, falou baixinho. Ela nem tinha visto nada, mas teve uma sensação estranha, incômoda. Ricardo não deu muita atenção a isso. “Vamos, não é nada. Pega logo esse negócio aí atrás para mim”.

Enquanto Myrinha pegava o objeto, sentiu uma arma encostando na sua cabeça. Ordenou que eles abrissem a porta da casa. O casal obedeceu sem reclamar. Ao entrar na casa, um deles empurrou Ricardo, que caiu no chão da sala. Com cuidado, Myrinha se dirigiu ao que parecia ser o líder do bando e disse: “Olha moço, ele tem um problema de saúde, não consegue caminhar nem andar rápido, ele tem dificuldade, mas iremos colaborar”. O criminoso deu uma observada em Ricardo e acreditou na explicação. “Tá certo”, disse. Permitiu que Ricardo ficasse sentado no sofá.

“Vocês têm arma em casa?”, questionou um membro da quadrilha. Myrinha, de bate-pronto, respondeu que não. Ricardo, do sofá, lembrou que havia uma espingarda em cima de um armário. Era uma arma que seria entregue a um guarda, mas que acabaram esquecendo lá. Não havia guarda na casa. Nem cerca elétrica ou alarmes.

Um dos bandidos encontrou a arma. O passo seguinte foi conduzir Ricardo ao banheiro da suíte. Deixou-o lá sentado e ordenou para não fazer nada que pudesse arrepender. Ricardo obedeceu.

O líder do assalto ordenou que Myrinha o acompanhasse até o cofre. Normalmente, o pequeno cofre ficava aberto. Para infelicidade, nesta noite estava fechado. Não abria no controle, só no segredo.

Sem necessidade, ele deu algumas coronhadas na cabeça de Myrinha. Fez um pequeno corte. Começou a sangrar. Mesmo humilhada, com dor e pânico, ela conseguiu manter o controle e não fazia nada que pudesse piorar a situação, que já era ruim.

Era preciso abrir o cofre, mas as mãos de Myrinha tremiam. Ela morria de medo de não conseguir e o pior acontecer. Para piorar a situação, ela não se lembrava de cabeça a senha do cofre. “Moço, não lembro o segredo deste cofre. Tenho que ir até uma gaveta pegar um papel que tem a senha por escrito”. Ele assentiu com a cabeça e a acompanhou até outro cômodo da casa.

De volta ao quarto onde estava o cofre, de posse do papel com a senha em mãos, Myrinha notou que estava muito escuro. A lâmpada não iluminava direito no canto onde estava o cofre. Ela falou que ele teria que iluminar o cofre. Pegou uma lanterna e colocou na mão dele. O bandido com uma arma na mão e a lanterna na outra, ordenou que ela abrisse o cofre. As mãos dele tremiam e a lanterna balançava. Corajosa, Myrinha segurou a mão dele e firmou a lanterna. “Assim!”, disse.

Foram segundos que pareciam horas, séculos. Mexeu pra cá, para lá no cofre. A sorte estava lançada. Era como uma roleta russa. Respirou fundo: truc! Abriu! Ela estava salva, pensou. Respirou aliviada. Por enquanto. O pesadelo continuava.

Estrategista, Myrinha anunciava cada gesto que ia fazer, para deixar os assaltantes mais calmos. Não queria passar a mensagem que poderia reagir ou criar uma emboscada em nenhum momento. Salvar sua vida e a do Ricardo era a prioridade única no momento.

Cofre aberto, mas não havia nada de dinheiro dentro. Olhos de decepção e raiva do bandido. Só havia joias. Poucas joias, a maioria de valor sentimental, moeda pouco valiosa para o crime. Eram joias simples que Julia e Tereza haviam recebido de presente da avó Marilda, medalhinhas dos filhos Henrique e Rodrigo, poucas joias de Myrinha. O mais importante, do ponto de vista sentimental, era um anel que foi herança da mãe de Myrinha. Era como um amuleto da sorte. Chegou a quase ser vendido várias vezes, em momentos de crise, mas resistia sempre.

Insensível a essas questões, o líder do bando, pegava peça por peça e perguntava: “Isso é ouro?”. Quando ela falava sim, ele guardada a joia. Quando a resposta era negativa, ele descartava num canto.

“Vocês não têm nenhum dinheiro em casa? Como assim?”, estranhou. Ela abriu a carteira e havia uma mísera nota de 2 reais, que poderia soar como deboche aos olhos do assaltante. “Ah, tenho 400 dólares guardados aqui, posso pegar?”. Ele animou um pouco mais. Estavam guardados numa carteira. Ela abriu calmamente, tirou as quatro notas e entregou ao bandido.

Feita a coleta, eles levaram o casal para cima da cama e os amarrou. Inicialmente só as mãos. Ordenou que ficassem quietos. Ficaram com a casa só para eles. Iriam explorar cada canto, fuçar cada intimidade. Violar cada segredo.

Eles abriam os armários, fuçavam tudo. Foram separando bebidas num canto. Como era uma quadrilha bem articulada, eles se separaram em grupos e estavam realizando assaltos simultâneos em algumas casas de Goianésia. Não tinham informantes locais. Escolhiam pela casa, pelo carro que viam na garagem. Na esquina da casa de Ricardo, um grupo assaltou o Dr. Gamarano. Outro, um pouco mais abaixo, na casa do dono da São Carlos FM, Jayme Dinucci Fernandes. Seu Jayme, como é conhecido, não estava em casa. Seu filho mais velho, Jayme Filho, o Neco, estava e recebia alguns amigos para uma rodada de truco. Entre os que estavam lá: os advogados Emival Rezende e Edgar Caetano Rosa. Todos ficaram reféns.

Inicialmente o casal Gamarano, os três filhos e um amigo do casal, Adelmo Guerra, foram levados para a casa de Ricardo. Era mais fácil a logística para eles. Os bandidos amarram todos e deixaram no quarto. O grupo de reféns agora já tinha oito pessoas.

Denise Gamarano, ao chegar e ver Myrinha tão imóvel, sem reação, pensou num primeiro momento, que ela estava morta. Lençóis rasgados, pingando sangue da cabeça dela. Era uma cena de filme de terror acontecendo ali, ao vivo.

Os bandidos separaram os reféns em dois grupos: os adultos ficaram no quarto de Ricardo e Myrinha. As crianças no quarto da Julia. A filha mais velha dos Gamarano tinha 15 anos. Era uma mocinha muito bonita. No outro quarto, o terror se instalou com a possibilidade que os bandidos pudessem tocar na menina. Eles só tocaram nas coisas da casa. O foco deles era levar bens materiais.

Na casa de Jayme Dinucci Fernandes terror parecido se passava. Janete ligava para o celular do marido, Edgar, que não atendia, naturalmente. Ela pediu a um garçom para ir até lá ver o que estava acontecendo. Ele foi e ficou refém. Não voltou para contar a história. Vendo que o garçom demorava e não atendia o celular, ela chamou outro garçom e foi com ele até lá. Resultado: mais dois reféns.

Na casa de Ricardo, os bandidos continuavam procurando coisas pela casa e vigiando os reféns. Ricardo, com todo esse filme acontecendo, não falava muito, não se agitava muito. Permanecia com a expressão serena, confiando que tudo iria acabar bem.

Mesmo amarrado, jogado na cama, como um frango indo para o abate, Ricardo não se desesperou. Não esboçou reação, não fez nada com afobação. O que poderia parecer passividade era, na verdade, o protocolo de um líder, acostumado às crises e às pressões do mundo empresarial. Mais que isso, um homem acostumado a ver seus limites sendo testados no dia a dia, desde que recebeu o diagnóstico de esclerose múltipla. Era como se tudo pelo que tivesse passado o tivesse preparado para situações como aquela. Mas a situação envolvia um perigo mais urgente, havia uma tensão maior e que poderia acabar em banho de sangue.

Enquanto o terror acontecia na casa de Ricardo, a um muro dali estava tudo tranquilo. Otávio Lage e dona Marilda dormiam tranquilamente. Foi um assalto sem barulhos grandes. Poucos ruídos. Um dos bandidos, ao sair no quintal, notou que havia um portãozinho no muro, dividindo os dois lotes. “Ali é um portão, tem outra casa ali?”. Myrinha, blefou, mostrando bastante convencimento. “Não, ali é a casinha das bicicletas, a gente guarda elas ali, quer ir lá ver?”. O bandido olhou de longe por um tempo e meio que se convenceu que era isso mesmo, só casinha para guardar bicicleta.

Um dos assaltantes pegou o carro de Myrinha, um Honda Civic, e foi até a casa de Jayme Dinucci, se comunicar com o restante da quadrilha. Deixou o carro lá fora e com uma arma no banco traseiro. Quando chegou dentro da casa viu que o grupo estava grande, concluiu que era hora de pegarem os carros de todos, os bens que haviam roubado e irem embora. Poderiam ser descobertos a qualquer momento.

Já no início da madrugada a cada de Ricardo ficou silenciosa. Poderiam ter ido embora, se perguntavam os reféns. Esperaram mais um pouco. Nenhum barulho do lado de fora do quarto. “Gente, vamos sair daqui, acabou, vamos embora”, disse Gamarano. Myrinha já havia conseguido se livrar das amarras e começou a soltar os outros reféns.

Todos sugeriram que Myrinha deveria sair pela janela para checar se a casa estava mesmo livre. Quando já estava pulando para o quintal, ela olhou para trás e viu que todos estavam indo atrás dela. Ricardo não conseguiria pular a janela.

“Não, gente, espera aí. Eu vou, mas o Ricardo não pode ficar sozinho aqui não. Se eles estiverem aqui dentro e voltarem, vão meter uma bala no Ricardo. Vocês ficam aí com ele e eu vou”, decidiu.

Ela pulou a janela, sem fazer barulho, foi devagar até o portãozinho, entrou para o quintal da casa do Dr. Otávio e bateu na janela. “Dr. Otávio, Dr. Otávio!”. Ele abriu a janela e olhou assustado: “Fomos assaltados, temos que chamar a polícia”. Ela contou a história para ele, que se levantou com Dona Marilda.

Ligaram para a polícia e foram todos para a casa. Neste momento chega Otavinho, acompanhado do juiz de Direito, Átila Naves do Amaral e o policial civil Vandeir, conhecido como Tanque. Alguém havia visto o carro de Myrinha estacionado na frente da casa de Jayme Dinucci, com uma arma no banco traseiro, e ligado para Otavinho. Ele compreendeu que alguma coisa estava errada e foi imediatamente para lá.

Por sorte, os bandidos já haviam ido embora. Poderia ter havido um tiroteio. Uma tragédia poderia ter acontecido. Um dos bandidos, apelidado de Gameleira, era condenado pela Justiça a mais de 100 anos de prisão. Tinha vários homicídios na ficha. Outro tinha condenação de mais de 80 anos. Era um grupo bastante perigoso.

Todos estavam esgotados física e mentalmente. A casa foi enchendo de gente. Vizinhos, amigos, conhecidos ficaram sabendo do ocorrido e foram para lá. O dia estava quase amanhecendo. Myrinha e Ricardo estavam moídos. Só queria que aquela noite medonha chegasse ao fim. Precisavam dormir. Depois que toda a agitação cessou, todos saciaram a curiosidade, o casal ficou, enfim, a sós, em casa. Só queriam descansar.

Como o lençol estava todo ensanguentado, Myrinha o tirou, jogou-o num canto. Pegou um limpo e forrou a cama. Deitaram, olharam um para o outro. “Acabou, vamos dormir!”, sussurrou Ricardo. E apagaram.

Algumas horas depois, Ricardo acordou como se não tivesse sido protagonista de uma noite de terror, escovou os dentes, tomou café e se dirigiu até a Vera Cruz. Tinha uma reunião importante lá. À tarde tinha um compromisso em Goiânia.

Myrinha, quando se levantou estava em estado de choque. Chorava copiosamente. Pediu o médico da empresa, Dr. Edmar, para receitar um calmante. Tomou. Não se acalmou totalmente.

“Ricardo, você vai a Goiânia e eu não vou ficar aqui sozinha nesta casa não. Eu vou com você”, ela implorou. “Então vamos”.

E no fim da manhã pegaram um carro e foram a Goiânia. Ricardo seguiu sua agenda normalmente, como se tivesse tido apenas um pesadelo estranho durante a noite.

Anderson Alcântara
Enviado por Anderson Alcântara em 15/05/2022
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