José Luiz da Silva (Pernambuco) - III

Por Nemilson Vieira de Morais (*)

José Luiz da Silva (Pernambuco) nasceu em Água Fria, distrito de Belo Jardim (PE), em 16 de outubro de 1938 (ano da morte de Lampião na Grota do Angico, Sergipe).

Seu pai (João Luiz da Silva) casou-se duas vezes: a primeira, com uma moça de uma etnia indígena e vieram as filhas: Quitéria e José Luiz I.

Do seu segundo casamento (com a dona Isabel Luiz Pereira): tiveram o biografado desse texto — José Luiz II, Maria do Carmo (Carminha) e Rica.

Após a morte do pai, as coisas complicaram bastante para a família. — Pelo transtorno em si do fato, a falta do principal provedor e por um cunhado-intruso, do falecido, se intrometer na governança da casa e tocar o terror...

— Esse homem, volta e meia espancava a sua mãe com uma chibata (feita da genitália de um boi). Zé Luiz, aos 85 anos preserva consigo em algum lugar uma réplica desse instrumento de açoites usado na antiguidade.

Por esse horror que via sua mãe sofrer, o menino chorava muito, e pensava mil coisas sobre aquela situação... Queria fazer com o agressor, o mesmo feito aos cabritos ao serem sacrificados...

— Buscou informações aos tios (Pedro e Maria) sobre o assunto: como executar o abate de um desses animais.

Talvez Pedro adiantou-se em responder ao sobrinho sobre esse processo; e não escondeu nada:

"A Gente bate na cabeça do bicho (entre os chifres), ao cair atordoado, amarra-se os pés e pendura-se em algum lugar. Após pendurá-lo é sangrado com um punhal ou uma peixeira, ao pé da língua".

O garoto ouviu as explicações do tio, calado; e, mudo se retirou da sua presença. Voltou para casa maquinando o que fazer.

Planejava o pior e Deus mostrou-lhe outro caminho.

Um dia sem despedir-se da mãe, dos irmãos o garoto Zé Luiz, de 7 anos, anoiteceu e não amanheceu: fugiu de casa...

Souberam do seu paradeiro em Belo Jardim ao passar na casa das irmãs (Quitéria e outra).

Deram-lhe 200 réis para que, retornasse a Água Fria; e em vez de voltar para casa, Zé Luiz avançou ainda mais para o mundão de meu Deus...

Num entroncamento de estradas estava uma caminhonete Chevrolet-50, novinha em folha parada ao lado da via. O motorista o interrogou:

— Menino pra onde você vai?

— Eu estou indo para Sanharó (no agreste pernambucano).

— Pois suba aí depressa, na carroceria!

José Luiz tentou subir no veículo algumas vezes, mas não conseguiu. O proprietário do automóvel tinha pressa, cobrou celeridade:

— Vamos, suba garoto, suba!

Anjos existem...

Um senhor que apareceu do nada, o pegou pelo braço a reverberou:

— Pode seguir senhor, ele vai ficar comigo!, o carro partiu.

Talvez nem tenha demorado tanto: passou outro veículo no mesmo sentido; e o homem pediu uma carona ao menino e conseguiu. Então, o despachou ao seu destino em segurança.

LIVRAMENTO I

Antes de chegar em Parnamirim, 12 KM ao sul da capital do Rio G. do Norte (terra do maior cajueiro do mundo e do comerciante Antônio Angelim, de Arraias) estava a dita caminhonete que José Luiz não pôde subir, embarcar; toda destroçada: por envolvimento num gravíssimo acidente.

— Ao cruzar ou aproximar-se por demais da linha férrea fora atingida por um trem de ferro; sendo lançanda numa distância de uns 40 mts., com a destruição total do veículo e, morte de todos os seus ocupantes.

ABRIGO NUMA OBRA

Em Parnamirim, numa intermediação de trabalhadores com o administrador da companhia que fazia abertura, e manutenção das estradas de rodagens, o menino (Zé Luiz) conseguiu abrigo na área da empresa. Visto não ter onde ficar.

Ele mesmo construiu seu próprio abrigo (uma cabana de palhas de buritis). Com cobertura em forma de capa de cangalha; com 3 palhas de um lado e mais 3 do outro.

— Sem cobertor, agasalhava-se dentro de um saco de estopas, e dormia o sono dos inocentes, em cama de varas que fez.

UMA BRIGA E 13 MORTOS

Naqueles dias organizaram um jogo de futebol amador entre Parnamirim e Petrolina, próximo ao Piauí (onde se faziam um grande açude).

Não ficou claro, mas, por certo esse jogo contou com a participação, em campo, de alguns atletas, trabalhadores da companhia em que Zé Luiz estava abrigado.

Nessa disputa futebolística aconteceu uma briga que, generalizou-se entre jogadores e torcidas e no final do infortúnio, 13 pessoas perderam tragicamente suas vidas (incluindo 3 mulheres).

Com isso o Dr. Milton (engenheiro de obras), com provável compromisso acertado, em Goiás, antecipou o deslocamento de uma equipe de trabalhadores a esse Estado.

— Por lá, inicialmente, efetuariam trabalhos de rampagem da Serra Geral. E Zé Luiz seguiu nessa leva de homens.

Em Petrolina (passagem obrigatoria de quem fosse ao norte, ao Centro Oeste, se deu o ingresso de Chico Pedro — mestre de obras (ex-atleta do futebol amador que jogou com Zé Luiz, no Campos Belos Esporte Clube) ao grupo dos 80 trabalhadores, duas mulheres e um menino, que seguiam ao estado goiano.

O MENINO VIAJAVA ILEGAL

No deslocar da empreiteira de Petrolina, á conhecida Capital do Sertão, com esse contigente de operários, seguindo a Barreiras (BA), um Promotor de Justiça protocolou uma acusação Judicial da ilegalidade do garoto Zé Luiz nessa viagem.

— Devido a constatação de sua tão baixa idade acompanhar aquele grupo desacompanhado dos pais.

Nesses termos ficou determinado por um Magistrado que, o rapazinho de seu João, de 5 anos, só poderia seguir a viagem, caso houvesse um responsável legal, por ele.

Foi então que, Antônio da Silva (esposo de dona Nova) saltou na frente e tomou para si essa incumbência: assinou (com as digitais do polegar direto) um termo de responsabilidade pelo de menor.

— Assim, a viagem de Petrolina para a cidade de Barreiras, em transportes aquáticos, seguiu seu trâmite normal, dentro da legalidade, pela força de Lei.

Não foi uma viagem tão rápida e fácil de fazer: pela demora e perigos do trajeto. Foram gastos, nesse percurso, um período de tempo de 12 dias e 12 noites, para chegarem à cidade baiana.

LIVRAMENTO II

A viagem iniciou-se pelo Rio São Francisco; uns, em vapor (primeira classe); o menino Zé Luiz e os demais, em lanchas (segunda classe).

... Aqueles que tinham redes, armavam-nas, quem não as tinha viajavam de qualquer jeito. Zé Luiz, sem rede, nem cobertor carregava seu saco de estopas, entrava no mesmo e se agazalhava 'de boa'.

Uma lancha daquelas geralmente tinham ou têm a capacidade de transportar 50 toneladas.

Na cidade de Rio Manso, entrada ao Rio Grande, José Luiz fora salvo novamente: ao escapar por um triz de ser comido vivo por ariranhas famintas, que lhe atacaram ferozmente. Mas, um companheiro de embarcação o acudiu a tempo.

AINDA FALTAVAM 173,3 KM

Às 5h da manhã, de um dia qualquer, em 2 caminhões lotados de gente, saíram de Barreiras (BA) para a cidade goiana de Taguatinga (GO). Hoje esta pertence ao Estado do Tocantins.

A notícia entre a peãozada da existência de carcarás (que devoravam meninos) pela chapada baiana , deixou Zé Luiz com a pulga atrás das orelhas. A se meter entre os adultos todo tempo; a viagem inteira. Na busca de proteção, pois não era besta.

Naquele tempo para descer ou subir a Serra Geral, próxima á Taguatinga (principalmente de carro), era um Deus nos acuda. Estimaram nesse dia, terem gastado umas 3h para decerem.

Ao iniciar os trabalhos de melhoramentos da estrada, na serra, Zé Luiz mesmo em tenra idade, já ganhava seu dinheirinho: como um dos colaboradores da obra; com um ordenado de 3 tostões por semana.

LIVRAMENTO III

O menino Zé Luiz quase morreu nesse canteiro de obras (em trabalho), ao firmar-se numa canela de ema (com a mão); e a mesma desprender-se do lugar, fazendo com que rolasse uns 183mts de ribanceira abaixo. E só parou de rolar quando Deus disse: chega!

O tempo em que Zé Luiz permaneceu em Taguatinga, consta ser de uns 3 anos e meio (segundo ele mesmo estima).

CAMPOS BELOS (GO)

Por sua saída da terra natal até Campos Belos, estima-se ter chegado por lá, com 11 a 12 anos; entre 1948/9.

— Chegou na cidade compondo um grupo reduzido de 8 pessoas: Antônio da Silva, a esposa dona Nova e Angelita a filha; Nelci, Chico Pedro, Arnon, e ele Zé Luiz...

CONHECEU XAVIER

A título de situar o leitor...

Francisco Xavier de Oliveira, fora fazendeiro, comerciante, dono de tropas-cargueiras políticos dos mais influentes, primeiro prefeito de Campos Belos.

Estava o pré-adolescente Zé Luiz, num entretendimento na casa de Mariano Sobrinho. A Jogar busios (joguinho de meninos) com adultos: Chico Pedro e outros camaradas.

Quando adentrou-se à residência, seu Xavier acompanhado de Jarda, sua concunhada (mãe de Vítor, Quênia...).

Num afeiçoamento ao garoto à primeira vista dona Jarda, não pensou duas vezes...

— Dá esse menino pra nós seu Francisco Pedro!

— Não posso dona Jarda, esse menino não é meu.

Chico agiu prudentemente na sua posição, pois, há dar o menino teria que consultar, João Cambota (que estava a trabalhos nas lavras garimpeiras da região), o Antônio da Silva, o Arnob, além dele proprio também carregava a missão sobre os ombros de cuidar do menino Zé Luiz.

NO FIM DEU TUDO CERTO

Posteriormente a guarda definitiva, o acolhimento de Zé Luiz, ao ceio da família Xavier, foi possível.

Um Juiz de Direito da comarca local, na causa, orientou Xavier (interessado na guarda legal do garoto) há colher assinaturas a esse fim.

E, para a felicidade geral, vários membros de familiares dos fundadores da cidade, pessoas influentes do lugar, assinaram esse termo de responsabilidade.

Dentre os que, assinaram o documento, consta...

Zeca (Zequinha) Cardoso, Francisco (Chiquinho) Cardoso, Domingos Cardoso, João Batista, Jacinto Batista, Joaquim Martins.

VIDA NOVA E MUITO TRABALHO

Assim, Zé Luiz foi morar com Xavier, mas, nada de vida fácil...

Em alguns períodos trabalhava na foice (na Fazenda Boa Sorte), outrora de ajudante, num caminhão Ford 1948, canela-seca, queixo duro, que o pai adotivo possuía.

Seu chofer de confiança era o Joaquim (Juaquimzim). Vontade de aprender a pilotar o "bruto", Zé Luiz tinha demais; mas, pelo visto Juaquimzim não o ensinava.

Isso não chegou ser um grande problema: Zé Luiz aprendeu sozinho mesmo a dirigir. Se o caminhão quebrava, ele arrumava. Nisso tornou-se um dos primeiros motoristas e mecânicos do lugar.

E NADA DE ESCOLA

Zé Luiz precisava estudar, os 12, 13 anos haviam chegado depressa, e nada de estudos. Achava bonito os uniformes das alunas e alunos da professora Anilza, Irene duma escola particular, perto de casa.

Meninas: de blusas brancas com as divisas dos anos cursados na manga; saias azul-marinho, com dobras verticais, bem engomadas; meias brancas e sapatinhos fechados.

Meninos: de camisas brancas, com divisas no braço esquerdo e calça-caque, marrom (lembrando uniforme militar); meias brancas e sapatos-pretos. — Os de borracha haviam uns furinhos por cima, para o arejamento dos pés.

O americano B. H. Foreman (fundador da Igreja e diretor do Colégio Batista de Campos Belos), em bom português que falava, chegou a ir a residência de Xavier, para lembrá-lo sobre a necessidade de pôr o menino numa escola...

Zé Luiz ouviu o conselho do missionário ao padrasto, do quintal de casa, sob a sombra de um jinipapeiro e chorou...

Muito antes de existir o antigo Grupo Escolar Professora Ricarda, Diolino e Cardosinho organizaram um local destinado educação de crianças. Estes alunos reuniam-se na casa de Manoel Barbosa (irmão do finado Mariano).

Zé Luiz amou ganhar de Santos (irmão de Odelio), um caderno e um lápis; ficou numa alegria... iria estudar! Participar da sua primeira aula, em ambiente escolar.

Pouco depois do início da aula, umas 8h da manhã chegou Xavier a dizer ao professor...

"Eu vim buscar o menino que o caminhão tá carregado".

ZÉ LUIZ VIROU POLÍTICO

Zé Luiz nunca pôde estudar...

Mas, no dia que aprendeu a fazer o nome, virou político conceituado na cidade e cercanias.

— O seu ingresso na política local se deu por Francisco Xavier empenhar-se numa ponte ao Pedro Ludovico Teixeira (Governador de Goiás de 1935 a 1937), no tocante a esse intento.

As disputas de Zé Luiz por uma cadeira no Poder Legislativo foram se dando paulatinamente há cada pleito...

Tornou-se um dos vereadores mais votado da cidade e, cumpriu bem as suas atribuições. No exercício das 4 legislaturas em que fora eleito; uma por 6 anos, e outras três, por 4 anos (cada).

SEU CASAMENTO

Conheceu Tia Neide — da tradicional família dos Costa Madureira e casaram-se em 12 de outubro de 1963. E formaram assim uma família abençoada, com a chegada dos filhos: Maria Isabel Costa e Silva, Cleia Rosângela, Marta Betânia, Joseneide, Onesino e Charlene.

De solteiro Zé Luiz teve o Valderez, que, por sua influência, prestígio político (foi eleito vereador na cidade) perdendo a vida num trágico acidente automobilístico.

Zé Luiz relata que conheceu Campos Belos com umas 70 casas e que, no início da cidade havia muita violência. "Se matava, por um 1/4 de cachaça".

Conta também que havia, numa rua paralela à Rua 7 de Setembro, aos fundos da residência de Anjinho, uma mulher de "vida livre".

— Essa senhora roubava seus clientes (isso quando estes contavam com a sorte de sairem vivos). Um homem bem vestido, aos seus olhos e mente, era bom motivo para ser mais uma das suas vítimas.

Diz que, ao chegar em Campos Belos, quando saiu de Taguatinga, conheceu na cidade um artista de rua, o pai de Nercy, conhecido por "Velho Fogueteiro".

Esse homem fazia um trabalho artístico maravilhoso pelas ruas... consistia na apresentação de um quadro denominado por "Moça de Fogo".

Provavelmente usava uma técnica específica para manipulação da sua arte, de maneira tal que a dita Moça de Fogo flutuava nos ares num certa altura, em que todos a via como que, a voar.

Desde que, deixou seu torrão natal, Zé Luiz nunca mais quis visitá-lo. — Por falta de vontade.

Mas, parece contradizer-se ao dizer que aprendeu a tocar sanfona, para acordar a mamãe, quando chegasse por lá, numa visita-surpresa. Como fez Luiz Gonzaga ao pai, seu Januário (conforme uma música que gravou).

Perguntado se ainda tem esse instrumento musical, disse que sim. Seus irmãos (José e João) o visitaram em Campos Belos e foi grande a alegria.

Ao saber do falecimento da mãe, aos 83 anos após fraturar o fêmur, Zé Luiz nunca mais quis tocar sua velha gaita (como diz o gaúcho).

Há uns 4 anos, suas irmãs, Maria do Carmo (Carminha) e Carmelita, empresárias, residentes em São Paulo, também o visitaram e Ficaram uns 15 dias juntos nesse matar de saudades.

Soubera pelos irmãos que, ao tentarem desanimar sua mãe, ao dizer-lhe que o filho seu que partiu para longe não mais vivia, ouvia dela os dizeres: "Ele tá vivo sim, e bonito" e, estava mesmo: mãe sabe tudo.

AO AUTOR DO TEXTO...

" Eu queria que fizessem essa história, porque ele é muito importante... um homem com honestidade, caráter, responsável; de um amor grande, de um coração grande.

Fico feliz, muito feliz; um abraço de mãe a você! Obrigado por esse seu carrinho que têm por Perna (Zé Luiz)." — Tia Neide

*Nemilson Vieira de Morais,

Gestor Ambiental/Acadêmico Literário.

(21:02:23)

Texto produzido com base numa entrevista ao biografado, pelo autor, em 21/02/23.

Nemilson Vieira de Morais
Enviado por Nemilson Vieira de Morais em 28/02/2023
Reeditado em 06/05/2023
Código do texto: T7729578
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