Jornalista Glória Maria foi vítima de um boato popular no drama de Tancredo Neves

Jornalista Glória Maria foi vítima de um boato popular no drama de Tancredo Neves

por Márcio de Ávila Rodrigues

[06/02/2023]

Falecida em 02/02/2023, a jornalista Glória Maria foi personagem passiva de um episódio acontecido em 1985, durante a longa agonia do presidente eleito Tancredo Neves.

Foi um caso de boataria popular que percorreu todo o país. Uma fantasia que se espalhou largamente e comprovou o fenômeno que é a capacidade popular de acreditar e de difundir histórias inexistentes, desconhecidas pela comunicação social (MCM = meios de comunicação de massa).

Tudo começou com o surpreendente anúncio da internação de Tancredo Neves na véspera da posse como presidente. Ainda que tenha sido eleito por via indireta, a expectativa popular por seu governo era muito grande pois a maior parte da população tinha consciência do fracasso econômico da ditadura militar e ansiava por uma recuperação de postos de trabalho, desenvolvimento real e contenção da inflação.

Tanto o tratamento inicial quanto a divulgação do quadro clínico foram mal gerenciados e a população começou a levantar dúvidas e suspeitas. Fermentou-se uma historinha que se espalhou boca a boca, sempre com ares de verdade profunda e oculta.

O enredo: Tancredo Neves teria levado um tiro que atingiu seu abdômen, e no episódio a jornalista Glória Maria (que já era a repórter mais conhecida da TV Globo) também teria sido atingida e a grande "prova" seria a ausência dela na cobertura do evento.

Na época, eu estudava no Campus da UFMG e fiquei especialmente impressionado com a credibilidade de uma mocinha, que era estudante de medicina e amiga de um amigo. Quando eu apresentei minha incredulidade ela reagiu no sentido oposto, demonstrando absoluta convicção da veracidade de um fato que, na opinião dela e de uma expressiva parte da população, estaria sendo escondido pela grande mídia.

No auge da boataria, Glória Maria reapareceu no Jornal Nacional. Não convenceu os maiores entusiastas do boato, que argumentavam que a Globo estaria usando gravações antigas.

A verdade é que Glória Maria estava fora da cobertura porque era a apresentadora do jornal das sete horas da Globo-RJ. Então seus chefes optaram pelo seu retorno ao Jornal Nacional, com reportagens ao vivo para conter os boatos.

Atualmente, essa tendência sociológica para acreditar em fatos ocultos e teorias conspiratórias até aumentou substancialmente com o avanço das tecnologias de comunicação instantânea. Boatos como o tiro na Glória Maria e o abuso sexual contra a Cléo Pires, filha de outra Glória (Pires) não mais se espalham pela boca do povo, mas pelas telas dos celulares.

E ganharam um nome mais elitizado, com o uso da língua inglesa. São as fake news.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.