REMEMORANDO...

JOEL MARINHO

Eu quando criança sonhava com tantas coisas, talvez a primeira era aprender a ler e escrever, eu queria ler aqueles benditos cordéis e livretos de bang bang que papai comprava na cidade mais próxima, cerca de 60 quilômetros enfrentando pau de arara e lama, por vezes a viagem demorava doze horas ou mais para ir e vir, dado os atoleiros que haviam de enfrentar, outros ele comprava em uma vila mais próximo, cerca de 18 quilômetros de casa, duas horas de bicicleta para ir e mais duas horas para voltar em meio a poeira ou lama dependendo da época do ano. Todo aquele sofrimento aguçava a minha curiosidade de ler sobre os heróis e bandidos dos cordéis e livretos.

Outro sonho de criança era ser cantor. Ficava imaginando aquelas vitrolas a pilha tocando a minha música nos discos de vinis e o povo se deliciando com as minhas melodias. Eu subia em uma mangueira centenária que tinha ao redor de nossa casa, construção de pau a pique com cobertura de cavaco e lá depois que aprendi a escrever idealizava músicas, até escrevi algumas as quais se perderam nos espaços vazios da memória, de nenhuma lembro mais, meus cadernos se perderam quando tive que me jogar no mundo em busca de novas oportunidades.

Olhando hoje para trás e observando a minha trajetória, quantos sonhos foram sonhados e cantados naquele galho de mangueira onde eu fazia dele a minha casa? Aquela era minha casa onde hoje eu visito apenas nesses flashs de rememoração. Meu Deus, como a vida vai se construindo aos poucos e por etapas, nesses quase meio século de existência quantas coisas boas e tristes já passei.

Da mangueira para jaqueira era só um pulo de macaco e junto com os “macacos da noite” eu disputava aquela jaca deliciosa, eles de noite e eu de dia quando chegava da roça  (por vezes os macacos viravam almoço ou jantar, era a lei da selva), às vezes nem queria mais almoçar, quando mamãe gritava para eu ir comer a barriga já estava cheia, quando não era a bendita jaca era o jambo de quase meio quilo gerado daqueles dois jambeiros espetaculares na frente de casa.

Os jambeiros quando floridos derramavam sobre o chão suas flores com aquele cheiro característico e um “tapete” de um avermelhado tão lindo, cenas que nos dá a ideia do paraíso perdido pelo tal Adão e dona Eva. Eu me deleitava com aquele cheiro, aquele colorido no chão e os beija flores fazendo a festa com seus bicos apontados direto no coração da flor. Quando os frutos ficavam prontos para serem consumidos os macacos, os passarinhos, as mucuras, as galinhas e eu nos deleitávamos com aqueles jambos suculentos de um vermelho escuro sem igual, mas eram tantos que ninguém vencia e novamente fazia outro “tapete” debaixo das árvores.

A como é bom rememorar. Mesmo que em grande parte dos momentos fosse dentro de uma roça capinando, colhendo ou plantando alguma coisa, esses momentos de diversão era de sonhos e devaneios. Com o tempo o devaneio de ser cantor se esvaiu e por uma razão lógica, não tinha nenhuma característica para isso, para começar, a minha voz é péssima até falando, imagina cantando. E quando fui “arrancado” para a cidade outros sonhos caíram sobre mim e subverteram meus primeiros devaneios. Um desses sonhos era fazer uma graduação, o chamado curso superior. Olha o tamanho da audácia do moleque, sonhava com um curso “superior” e em uma universidade pública federal, uma realidade tão distante da minha.

Naquele momento era apenas devaneios para um filho de carpinteiro com uma dona de casa e logo vieram outras implicações tanto pessoais quanto envolvendo a política econômica nacional. Em meios a tantas lutas o sonho de ser aluno federal foi adiado, só conseguido anos depois já com 32 anos de idade.

Mas, como diria o velho e aposentado Galvão Bueno, “olha o que ele fez”! Hoje duas vezes graduado e pelas duas maiores universidades federais do Norte, Universidade Federal do Pará (UFPa) e Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ainda pós-graduado pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).

Tão louco é rememorar! E por aqui vou parar, livrar de quem por um acaso ler isso os detalhes da minha memória e me recolher agora para chorar um pouco, mas um choro de vencedor, de alguém que com muita força e luta ultrapassou todos os limites a ele imposto e voou mesmo quando o abismo estava aberto e a queda era inevitável.