Sete para oito anos, morando à beira do Rio Paraíba do Sul, num lugarejo que nem vila seria,

via e sorria dentro de mim a canoa do meu pai, ancorada embaixo do ingazeiro, no fundo do quintal, sem cercas ou separações entre a casa e a imensidão  das águas.

      

O rio descia manso, largo, onde transitavam balsas, botes e canoas de um lado para outro. Tudo era mistério, desafio, poesia...

A outra margem do garboso rio quase pouco ou nada oferecia, apenas a alegria de passar para lá e para cá sobre as águas serenas do soberano rio, senhor dos segredos das cercanias.

Eu observava todos os movimentos do meu pai, exímio canoeiro, não só no remo, como na construção dos acessórios necessários para a primitiva navegação. Embora o silêncio reinasse durante a travessia, todo o rito era ensinado sobre  a magia das águas. 

 

Meu pai, o índio puri, construia as suas canoas com tronco de árvores. O lado do remador era tão fininho na altura, que somente ele, meu pai magrinho, poderia ali se instalar. Os tripulantes seguiam sentados, quietos, nos banquinhos distribuidos ao longo da embarcação.

Todos os dias, íamos rio acima, rio abaixo... remar para subir e antes de começar a travessia a canoa deslizava sorrindo. Nas viagens diárias, com ares de passeios,  aportava junto ao barranco,  sem descida para os passantes.  

Voltava carregando a alegria da simplicidade de viver sob os ditames da Natureza.

Ninguém usava coletes ou qualquer equipamento de segurança. Eu, na minha ingênua infância, nem sabia da existência de tais possibilidades. Se naufragasse... por certo, ali ficaria.

Quando a travessia  não era feita por  canoa, o nebuloso bote, quieto e entristecido, ancorado ao lado e quase abandonado,   se alegrava com a tripulação. Os remadores precisavam usar os dois braços ao mesmo tempo. Eu julgava aquele trabalho para homens e homens muito fortes. Olhava, olhava e me afastava. Na minha avaliação de pequena infante,  considerava o velho bote feio e desconfortável.

A canoa era fininha, romântica, acolhedora, sorridente... Eu sorria pra ela e ela sorria pra mim ...

 

Num belo dia, lindo, cheio de luminosidades , olhei para os lados e não vi meus pais e nem vizinhos.  Desamarrei a minha musa, inspirei-me nos aprendizados ocultos, desci remando sozinha,  sob o sol que  aplaudia   a minha ousadia. Liberdade plena!

 

De repente... não sei de onde e nem como, apareceu meu pai no velho bote para salvar a filha com tenra idade, mas com a coragem do velho puri!