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O HOMEM QUE NÃO QUERIA ENRIQUECER

Nasceu em uma família humilde , cercado de carinho , respeito e compreensão . Quando fez 12 anos , seu pai conseguiu para ele um cantinho na quitanda e o menino conciliava essa atividade remunerada com o colégio . Aí ele foi crescendo , até completou o ensino médio . E decidiu : não vai mais estudar , só trabalhar ali , naquele pequeno empreendimento , pois o mínimo necessário lhe garantia toda a dignidade que julgava merecer . E assim foi ...

Os dois irmãos mais velhos não pensavam desse jeito . Um deles formou - se na faculdade , fez mestrado e doutorado , saiu do país e prosperou . O outro , com o curso superior também concluído , abriu um negócio em outra área e deu certo : construiu uma fortuna . Esses mantinham contato diário com os pais , que estavam financeiramente estabelecidos também , e vez ou outra pensavam :

- O que o nosso mano caçula tem de errado ? Será que ele desistiu da vida ? Não parece muito feliz .

O outro já emendou :

- Mas ele teve todas as chances de progredir !!! Isso não pode ser só timidez . Quem sabe uma falta de auto - estima , um complexo de inferioridade , eu sei lá . ( enquanto pensa , bebe um suco importado de uma fruta raríssima , rica em vitaminas , sentado numa poltrona que se inclina conforme as ordens que sua coluna determina , que chique ! ) ...

A sala em que os dois mais velhos batem papo ( propriedade do irmão do meio ) era toda de mármore , branquinha , com detalhes banhados a ouro , e praticamente todos os comandos da casa eram eletrônicos .

O mais velho comenta , com os olhos no infinito :

- Ah , esse meu laptop é de 2015 . Vou comprar outro à vista , chega ! Cadê o lixo ? Fora , sucata ...

No lugarejo distante , bem simples , está o mais moço : sente - se realizado com o básico do básico que tem . Dinheiro , nada ; saúde , disposição e paz de espírito , tudo . Recebia ligações dos manos ( não tinha computador ) para ser sócio de alguma instituição lucrativa capitaneada por eles , mas sempre recusava . Eles não percebiam que o sossego e a tranqüilidade do caçula não tinham preço . Ele era assim , e pronto . Enquanto os dois viajavam o mundo em função de negócios valendo milhões , o outro atendia a freguesia na loja do pai . E todos aparentemente realizados .

Numa dessas confraternizações familiares bem hipócritas , quando todos se abraçam , se beijam e fingem como a vida é linda e que todo mundo se deu bem , decidiram agir longe do caçula . Não se sabe bem quem começou :

- Como ele é diferente , né ? Minha nossa , TODO MUNDO quer sua casa própria , seu carro do ano , vida com luxo e conforto ... esse aí parece que vive no mundo da lua , é assim e ponto ? Não vou aceitar isso .

O pai , sob influência de alguém que provavelmente decidia tudo por ele , foi ao filho mais novo e ameaçou :

- Sei que você não tem mais idade para levar sermão , MAS TOME UM JEITO NESSA VIDA !!! Olhe seus irmãos , você mais parece um vagabundo , um inútil . Isso não pode ser normal . Quer saber mesmo ? Eu cansei . VOU INTERNÁ - LO , E É PRA JÁ !!!!!!

Todos apoiaram a atitude , ainda que atônitos . Nem deu tempo de ouvir uns sussurros desesperados : " m - mas ... eu sou feliz assim ... " . Esqueceram que ele já era maior de idade , adulto , vacinado e responsável pelos seus atos cíveis e penais . Não importava nada disso . Tinha que vencer , ora ! Tinha que vencer !!!

Numa clínica distante , bem arborizada , o caçula foi amarrado numa belíssima cama de prata com barbantes de diamante , sob lençóis de seda pura . Perfumado e triste , só pensava :

- Como está aquela quitanda agora ?

Rodrigo Germano
Enviado por Rodrigo Germano em 24/05/2008
Reeditado em 18/04/2012
Código do texto: T1003726