Ao cavalheiro que me protege da solidão de idéias.

Maceió, 05 de junho de 2008.

Criatura de meu coração,

Queria poder dizer o que estou sentindo com a precisão cirúrgica do bisturi bem afiado e cortar os erros que cometemos quando transformamos o que sentimos no nosso espírito em palavras.

Talvez eu seja incapaz de dizer a você, minha criatura amada, que o seu valor-pessoa não pode ser condicionado a nenhuma máscara, nenhum disfarce, nenhuma desculpa. Você arranja tantas desculpas para ser o que esperam e aguardam que você seja!

Quando aquele homem do quase, profeta do terror que se anuncia, proferiu a sentença da sua vida, ele colocou você no espelho em que ele mesmo se refletia. E refletiu o fracasso, a tristeza e o vazio que habita o coração dele. O dele e de quem o cerca.

E você acreditou no que ele disse, e se culpou das culpas dele, e buscou em outros profetas apocalípticos o eco da voz estrentorosa que dizia:

- Fracasso! Fracasso!

Minha criatura amada, então você não vê e eu o que faço? O que posso fazer para que você não dê mais desculpas para tocar a vida, que é feita de pão e suor, de uns poucos risos e umas tantas lágrimas e que não é diferente para ninguém? Que posso fazer para que você emerja do poço de autocomiseração onde lhe atiraram e profetizaram esse seria o seu lugar? Que mais posso dizer além do que repito todos os dias?

Preocupo-me com sua saúde e, sobretudo, com o seu amanhã. Existem nódoas que mancham e não saem mais, por mais esforços que façamos! Existem cicatrizes que doem para sempre, feridas que nunca se fecham, dores para as quais não há cura e nem remédio paliativo. Existem acidentes que provocamos por que somos incapazes de frenar o veículo que deixamos embocar na ladeira, por inabilidade ou por que soltamos, de medo, o volante. E então ferimos a nós mesmos e matamos a quem nos ama, por que quem nos ama, morreria por nós.

A consciência nos acusará sempre da dor que causamos, ou que não fizemos cessar. A minha me acusará sempre por que fui incapaz de te fazer enxergar.

Criatura de meu coração, minha esperança de, em estando velha demais para me dispor a aprender novos idiomas, ter você para entender esse dialeto antigo em que me comunico e que só você foi capaz de entender, não morreu. Eu espero que você me dê o prazer de poder falar a alguém que compreenda, quando estiver num estado em que a decrepitude me fará mais impaciente e intolerante do que costumo ser.

Quero ainda sorrir com você, quando as minhas rugas me impedirem de sorrir o tanto quanto eu gostaria e o meu coração estiver ainda mais empedrernido do que hoje é.

Espero tuas novas, sempre.

Ah, e aviso-te que a mesma velha esperança está de pé, hás de proteger-me contra a pior das solidões: a solidão de idéias. Sempre.