Carta a Deth Haak

Carta a Deth Haak

Minha Querida Poetisa dos Ventos, Deth Haak

Que momento maravilhoso tu me proporcionastes. Tua voz poderosa e tão nítida, senti-me como se estivesse numa plateia de um teatro ouvindo uma grande artista recitar um poema de outro escritor. Senti-me dividido, não era cacaubahia e sim, Luiz Carlos ouvindo cacau (já íntimo, rss). Não porque o poeta seja grande, quem é Luiz para o julgar. A arte não se julga, não se fragmenta e analisa, ela simplesmente se dilui em você. Só se pode realmente ver uma obra de arte com o coração, não com a mente que a tudo analisa, define e classifica. Temos que também nos diluir nela e amá-la, só isso. Em "Cartas a um jovem poeta", referindo-se à arte, Rainer Maria Rilke diz: "não se pode alcançá-la com a crítica, só o amor pode compreendê-la, celebrá-la e ser justo com ela".

De tudo o que cacau escreveu o Luiz só pode lembrar-se e recitar dois ou três poemas, jamais declamá-los como você o faz. Esse é seu talento Deth. Você é artista por dentro e por fora, declamas e escreves divinamente. És detentora de um vocabulário ímpar, rico e de um lirismo fabuloso. Não conheço Deth, não sei o seu nome, não sei nada de você. E que importa? Que importa qual seu nome ou com quem você se deita? Vejo Deth como uma entidade que me proporcionou um momento único, de rara beleza, que ficará registrado em minha consciência eternamente, um momento onde o coração ressurgiu forte, lívido e feliz. Deth é a própria expressão da arte em seu sentido completo, é como a vejo.

Comigo é diferente, o poeta existe só lá dentro de mim. Luiz é por excelência um religioso em busca de si mesmo. Na verdade um religioso sem religião definida. Sou espiritualista, sou budista, sou católico, sou Krishina, etc. Sou um pouco de tudo, o que significa nada. Busco a união dentro de mim.

Nesse caminho encontrei o cacaubahia. Apesar de ter sempre existido só pude encontrá-lo viajando a meu interior. Faço isso há anos, décadas, séculos. Tudo o que Luiz fez foi dar nome e batismo a essa entidade. Assim surgiu cacaubahia.

cacaubahia sempre em minúsculo, contrariando as regras, desfazendo-se delas e de tudo o que lhe foi ensinado e aprendido. Um revolucionário e insatisfeito, um contrário. Uma entidade que não vive nesse mundo e permite que Luiz o padeça. Não o faz por mal, porque tenha ódio do Luiz. cacau não conhece o ódio, compreende-o. O ódio é apenas o amor do lado avesso.

Por sua vez, a busca do Luiz, sua resignação em tudo que padece, é pelo mais profundo amor ao "cacau". Quer libertá-lo de sua prisão e ser uno com ele. Nesse dia Luiz e cacau morrerão, surgirá uma nova entidade, com um novo nome. Será a morte dos sentidos em favor da consciência. Morrem o ego e a mente para emergir a consciência em toda a sua plenitude. Muito mais poderosa que a poderosa mente, pois que essa é finita enquanto a consciência é eterna e infinita.

Imagine Deth, quão grande isso pode ser, impossível não? Óbvio, é infinito. Não se pode medir, não há medida. Tão infinito quanto é o amor que quanto mais se dá mais se recebe. E nós, os homens, somos tão tolos. Deixamos a mente agir todo o tempo não deixando espaço para o vazio que a tudo criou.

Pensamos o tempo todo, falamos o tempo todo. Falamos tanto que, até quando estamos calados, falamos por dentro. Nunca nos permitimos o silêncio absoluto, quando podemos de fato ouvir. Vejo homens nas igrejas e templos, ali, rezando mil orações, falando todo o tempo. Quando calados, estão pensando e falando por dentro. Depois se desesperam porque Deus não os ouve. Gente estúpida! Se não estão calados como podem escutá-lo?

Somos tão estúpidos que se Marcelo, meu irmão, meu querido irmão, fosse o Jesus ressuscitado, provavelmente eu sentiria ciúmes dele. Pensaria: - Por que ele e não eu? Somos filhos do mesmo pai e da mesma mãe. E por que não os dois, ou os três? Por que não Deborah também? Não o reconheceria, não veria a sua luz ofuscado pelo ciúme criado pelo meu ego e seria um infeliz invejoso.

E, se acaso eu fosse um pervertido, vendê-lo-ia por 30 moedas de prata, matava-o. Depois ganharia rios de dinheiro dando entrevistas na TV, participando dos mais diversos programas de auditório e documentários. Me aproveitaria da sorte de ter sido irmão dele.

Decoraria tudo o que ele falou, catalogaria tudo e construiria um templo em sua homenagem. Escreveria novas escrituras, fundaria sua igreja e seria o homem mais poderoso da Terra, seria o papa.

Depois, conduziria milhões de pessoas à morte, com minhas escrituras mortas e sem sentido. Com meu ego no comando, seria como um espelho de parque de diversões que a tudo "distorciona". Decorei sua mensagem com a mente e não com o coração, logo não a poderia compreender. Tiraria uma ou outra coisa e incluiria outras para gerar o pânico, o medo. Faria com que milhões de pessoas aproximassem-se de Deus não por amor, mas por medo do demônio que eu criei.

E à noite, quando meu corpo, minha mente e meu ego repousassem, minha deturpada consciência emergiria em pesadelos terríveis que me fariam acordar em prantos, completamente apavorado. Mas, já acordado e de posse de meu ego, me puniria. Mandaria vir duas ou três prostitutas para urinarem e defecarem sobre minha cabeça, como Hitler costumava fazer. Depois daria vazão a meu sadismo e as mataria das mais variadas formas.

Ou faria como Nero, que em sua total insanidade abriu o ventre de sua mãe ainda viva, para descobrir sua origem. Pobres homens, sempre buscando fora o que está dentro. Falam do destino como se fora algo lá adiante, no amanhã, no inalcançável. Quando o destino está na fonte, na matriz, dentro de cada um de nós. Não no futuro e não no passado. Nunca nos opostos, sempre no meio de nós. Sempre presente.

Até mesmo o insano do Nero tinha melhor ideia do caminho a seguir que todos nós. Buscou a fonte, porém, pervertido por seu ego, desviou-se cometendo mais uma barbaridade.

Os homens preferem lamentar-se do passado e viver de esperanças futuras, não vivem o presente que é infinito por si só. Meu espírito é infinito porque vive o momento presente. O é, porque cada momento presente é infinito em sua finitude. De momentos presentes é-nos dado o presente de viver, da vida em si.

Vejo cristãos buscando um Cristo morto. Muçulmanos buscando um Maomé morto, comunistas buscando um Marx morto. Apegam-se às suas Bíblias e Alcorães perpetuando rituais que a nada conduzem. Não compreendem que cada um de nós é único e aí reside toda a magia. Não é porque Buda se tornou um iluminado sob uma árvore "Bodhi" que, ao fazer o mesmo, vai acontecer comigo. Vai acontecer, é certo, comigo e com todos nós. Só não sei quando nem como. Será único comigo, assim como foi único com Buda, Jesus ou Krishna. Com você será de outro jeito, com cada um será de um jeito único.

Claro, isso não significa que assim posso sentar-me e esperar que aconteça, quando acontecer. Tenho de manter-me preparado para isso, atento porém relaxado, destituído do ego e da mente, vestido apenas de compreensão e paz.

O jeito de consegui-lo é vivendo. Caindo, levantando e, por vezes, me humilhando, por que não? Sou potencialmente um suicida e assassino. Busco o suicídio da mente e quero matar o meu ego porque sei que só assim, a vida terá uma nova cor, um novo cheiro,um novo sabor. Será infinitivamente mais bela que esta vida, que é só um espelho que reflete a matriz.

Toda divindade está viva, a morte não existe, apenas trocamos de roupa. Fomos criados à sua imagem e semelhança, lembra-se? Parece-me tão simples. Somos, porém, todos mortos-vivos, divididos e ansiosos, deixamos a vida correr e não nos damos conta disso. Só celebraremos a vida real quando houver a conversão, a iluminação. Quando não houver mais divisão, quando corpo-mente-espírito tornarem-se uma só consciência.

Deth, não dê crédito ao que escrevo porque nada aqui é novo, já foi dito por muitos. Também não sei em que ponto escreveu Luiz ou cacaubahia. Sinto apenas que cacau é uma criança e Luiz um ignorante e inculto. O ponto em comum é a pureza inerente às duas personalidades, nada mais. Um dia, porém, serão uma só pessoa, serão uma unidade. Quando a ouvi declamando o poema (Leva ó vento), dei-me conta do quanto estou dividido, foi um momento de iluminação. Vi Luiz vivendo a vida que morre, enquanto cacau vive a vida que vive, onde não há morte, não há opostos, nem bem nem mal, nem certo nem errado. Um estado de consciência, de simplesmente ser, nada mais.

Me destes um presente eterno. Um momento único e por isso beijo seus pés, suas raízes. As raízes dessa árvore que você é, onde sei que posso dormir tranquilo, em paz e relaxado sob a sombra do seu talento, cujos frutos saboreio alimentando-me de arte.

De Luiz Carlos & cacaubahia

Te beso, te quiero

Barcelona, 11 de julho de 2008.

distorsionar v. tr.

1 Deformar un sonido o una imagen.

2 Deformar un hecho o las palabras de alguien. tergiversar.

Diccionario Manual de la Lengua Española Vox. © 2007 Larousse Editorial, S.L.