CARTINHA DE DOR
 
 
 Dia de chuva, Salvador, segunda-feira
 
 
Olá,
 
Tentarei ser breve. Aliás, meu caro, como fomos breves não é mesmo? Ainda lembro das suas palavras doces... e das amargas um pouco mais. Não sei perdoar. Mas isto não me incomoda. Quero que você se exploda. É. Em dias chuvosos, posso ver teu rosto e a tua espera no Bar do Sorriso. Claro que você lembra. Ao me ver,  teu semblante parecia tão feliz. Saber enganar é uma arte. E nesta, você é craque.
 
E não é que meu coração, como numa música de Caetano, teima em acreditar na esperança. Só um pouco ou por pouco tempo. As noites são longas. Os pesadelos insistem. Aliás, só estou te escrevendo hoje porque mais uma vez você invadiu meu jardim. E não foi bom. Nunca é. Nem mesmo quando estávamos juntos. Muitas vezes eu acordava porque você havia partido. Era pesadelo ou premonição? Aí você me acalentava... “Calma pretinha, calma...” E eu não dormia de novo porque tinha medo de ter o mesmo sonho/pesadelo.
 
Outro dia, aconteceu diferente. Sonhei com você ao meu lado, na cama. Quando olhei para o lado... não era você. Outro homem dormia suavemente. Neste dia, voltei a dormir. Não, não para voltar a sonhar a mesma coisa. Apenas para descansar desta maluquice toda que trago na cabeça. Busquei outros sonhos e neles você não estava.
 
Hoje, guardada pelos meus dois gatos, sozinha ainda assim, faço as tarefas de casa e acabo buscando o refúgio do meu notebook. Escrever suaviza um pouco as cores cinzentas que vejo pela janela.
 
Amanhã terei de sair de casa. Isto me dá um certo medo. Gosto de estar no meu casulo. De não ver caras além da televisão. De estar em porto seguro, coisa que nunca tive estando do seu lado. Agora estou segura porque estou só. Carrego todas as dúvidas em mim sem participá-las para ninguém. Não levo mais 17 horas seguidas conversando com outra pessoa. O meu monólogo basta. Onde nos levam os diálogos não é mesmo?
 
A gente parecia ser tão uníssono. Éramos companheiros de um grande vazio, isto sim. Na semana passada, alguém disse que esteve com você. E daí? De que me interessa isso? Você estragou tudo. Arrancou pedaços meus que nunca irão se recompor. Como poderia ter alguma curiosidade? Seria tão burra a este ponto? Creio que não.
 
Olha, a sua nova/velha mulher é uma pessoa sádica. Você está na melhor companhia do mundo. Tão parecidos! Por isso, desejo que morram juntos. Não por vingança, mas por competência. Vocês me passaram a perna sem um pingo de dó. Vocês foram de uma crueldade impressionante. Tento até achar que não foi bem assim, mas foi.
 
Não tenho mais nada a te dizer. Vou evitar estas cartas. Não há em você o merecimento em recebê-las. Então...
 
Até um dia
Talvez no inferno
Confrontando tuas promessas às minhas esperas
Tua crueldade à minha dor...
 
Iza.
 
 
Iza Calbo
Enviado por Iza Calbo em 28/07/2008
Código do texto: T1101274
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