E sentia saudade da amplidão

Maceió, 15 de agosto de 2008.

Eu queria que você soubesse de minha indignação, embora eu saiba que no seu coração há um poço sem fundo onde são jogadas as pessoas que você faz questão de ignorar.

Aliás, quem, além de você mesmo, não é ignorado e ignorável? Quando atendidas as suas necessidades - que são tão mínimas por que você aprendeu a viver em um nada etéreo - já são descartáveis os que te servem.

Que pena, por que você havia domado o meu coração selvagem; por você ele abandonou velhos hábitos, como comer pessoas, destruir aldeias, pisar na pureza. Por você ele se desarmou, cortou as garras, cortou as presas, deixou que morressem suas asas! Meu coração selvagem abandonou seu vôo perigoso e solitário, sua sede de destruição, sua sanha assassina. Por sua causa ele passou pelo doloroso aprendizado do amor; teve que rapar milímetro por milímetro a crosta defensiva de egoísmo que se formava para protege-lo da generosidade excessiva.

Daí você o abandonou, num lastimável estado de decrepitude, depois que ele havia andado até o fim do mundo e voltado, para estar do seu lado apenas.

Meu coração selvagem acostumou-se a pouca ração, pouca água e ao espaço limitado da corrente, chegou mesmo a amar essa corrente que o atava, por que tudo que ele queria era sentir que tinha dono, que era de alguém. Meu coração vivia contente, mesmo não voando mais, mesmo quando via o céu e sentia saudade da amplidão, mesmo quando a noite o chamava e ele ouvia o uivo dos seus antigos companheiros de solidão.

Daí você o prendeu para nada, por que depois de haver capturado o meu coração, você o esqueceu, como o menino que captura o passarinho pelo simples prazer de ser um pequeno deus malvado e impedir o vôo de alguém que sabe voar.

Apesar disso, não te iludo. Meu coração se deixou capturar bobamente e por isso sofre, mas está vivo e viverá para dizer a outros que, por mais belas sejam as correntes do amor, elas são perigosas e pesadas. Que, por mais lindo que pareça o ninho ele é sombrio e minúsculo. E, sobretudo, ele informará aos outros que corações são aves migratórias e devem, necessariamente, ser livres.