foto de Gregory Colbert


CARTA AO SENHOR  AMOR


Prezado Amor,
 
Estou aqui para lhe dizer algumas coisas, todas elas já lhe ditas milhares e milhares de vezes, por qualquer ser humano da face da terra. Porém, minha alma precisa de ouvidos e sendo você o principal responsável da minha existência e da existência de meus semelhantes, achei por bem lhe mandar esta carta, mesmo reconhecendo ser você um sujeito muitíssimo ocupado.
 
Quero de antemão deixar bem claro, que amo você Amor. Jamais a minha vida e a vida de qualquer pessoa teria sentido se não fosse a sua companhia. Se por acaso você não existisse, a jornada da vida seria um caminhar no oco e vazio para lugar algum.
 
Você pode até estar lhe perguntando por que essa mulher vivida, que já passou por enormes combustões físicas por motivos de saúde e emocionais pelos fatos da vida, cheia de experiências existenciais das mais diversas, ao invés de conversar com alguém sobre mim ou mesmo buscar ajuda em profissional, resolveu me fazer ler isto?
 
Neste instante, eu lembro a você de quanto tempo você me conhece e sabe o quanto faz parte de mim e sabe muito bem que continuo “toda coração”. Amo a vida, amo a natureza, amo a Deus, amo as pessoas e amo você. E como faz parte da vida, amo alguém em especial. Você em mim é uma vibração perfeita. Você é para mim e sempre será a manifestação inquestionável de Deus.  Por causa de você, apesar da minha agitação interna, sou capaz de parar tudo e ouvir o que tem a me dizer, dure o tempo que durar. Meu coração e minha mente se tornam uma coisa só quando, por qualquer motivo, você me chama. Até por um motivo bem banal.
 
Reconheço ser você o motivo de eu estar aqui agora, viva, escrevendo-lhe esta carta. Ultimamente, tenho tentado falar com você diretamente e tentado entendê-lo nas suas respostas. Porém, o meu entendimento tem ficado a desejar. Talvez eu precise de algumas respostas com explicações mais detalhadas para algumas questões, que são minhas e de mais um número incontável de pessoas..
 
Todas as vezes, que resolve visitar meus sentimentos com a intenção de direcionar meus sentimentos para alguém, você chega sem aviso. Chega de surpresa, fazendo festa, tocando música, me lambuzando de emoções iluminadas. Chega mudando tudo do lugar sem ao menos me perguntar se quero. Envolve-me com seu charme irresistível e embriaga-me com seu perfume sedutor. Acende um incenso da Dama da Noite e outro de Almíscar e seja o que Deus quiser. E não adianta eu reclamar. Eu conheço bem esse seu ouvido de mercador.
 
Por causa dessa sua maneira de ser, eu sempre tento não me deixar levar pelas primeiras sensações provocadas por você. Porém, na sua persistência, você me ignora e continua o seu trabalho me dizendo:  você vai amar e na hora, em que eu for embora, você saberá como lidar com a minha ausência.
 
De fato, por uma vida inteira, eu sempre consegui continuar caminhando nos vazios deixados por você, após sua partida. De alguma forma, você sempre cuidou de mim, de maneira a não me deixar soterrar sob os meus próprios sentimentos. Você sempre esteve junto de mim, descortinando as minhas falhas e mostrando-me, de maneira natural, caminhos novos do tipo, eu, você e a vida.

Entretanto, há um ano e oito meses para cá, você resolveu chegar como se fosse uma brisa leve plainando na mansidão de uma planície. Chegou no primeiro dia do ano de dois mil e seis. Chegou, claro, sem aviso. Não poderia ser diferente. Chegou fazendo cerimônia. Chegou morno como o ar depois de uma chuva em dia de sol. Chegou calmo e sorrateiramente. Chegou entoando cânticos e purificando a alma. Chegou abençoando os dias, as noites, a vida. Chegou feliz como um hospede importante em minha ilha, buscando desvendar os seus segredos. Chegou num momento em que eu estava profundamente assustada com a vida. Chegou me embalando em seu colo, fazendo-me cochilar, sonhando os sonhos dos Deuses.
 
Ainda assim, você chegou e se hospedou em meu coração sem pedir licença. Talvez tenha feito isso para eu não o reconhecer. E de fato, a principio e na circunstância de sobrevivente da vida, eu não me dei conta de que era você. Hospedei–o no melhor quarto do meu condomínio chamado coração, com direito a janela de frente pro mar. Isso só para podê-lo presentear com o nascer e o por do sol, com as nuvens cor de rosa do meu céu, com a lua cheia e as estrelas escrevendo poemas nas noites. E fiquei feliz por poder oferecer-lhe uma cama macia, com cobertas acolchoadas com a única intenção de deixá-lo descansar.   
 
E foi olhando pra você ali esparramado, sorrindo com olhos semi cerrados como se estivesse sonhando com algo muito bom, que percebi sua presença e entrei num quase pânico. Aliás, entrei em pânico mesmo. Esperneei, tentei acordá-lo e lhe mandar embora. Mas era tarde.  Você já havia conquistado toda a minha alma, meus sentimentos, meus pensamentos e seria uma luta inglória tentar convencê-los de lhe expulsar. Virei uma presa do meu livre-arbítrio.
 
Sabe, eu não reclamo disso com você. É óbvio, você construiu para mim momentos inesquecíveis. Fez o sol brilhar com um brilho diferente. Transformou o meu sorriso e a minha percepção. Fez o meu olfato ficar apurado. Fez a sensibilidade de minha pele ficar mais sensitiva e o meu corpo agradecer a vida. Fez a tranqüilidade reinar nas minhas horas. Fez acelerar meu coração a cada minuto. Por causa da saudade, fez-me fazer loucuras jamais pensadas. Fez-me até adivinhadora de pensamentos.  Fez-me criativa. Você encheu minha casa de flores, a minha alma de perfume, de risos, de cumplicidade, de encantamento Por tudo isso, eu lhe agradeço.
 
Porém moço, desta vez, você me pegou. Fez promessas e não as cumpriu. E nem avisou que tinha intenção de ir embora. Apenas pegou as malas e saiu, deixando tudo desarrumado. Inclusive deixando para trás uma parte de você.  Se você tivesse coragem de olhar o quarto vazio do meu coração, certamente iria pensar:  passou um tsunami por aqui. Além disso, não sei se você sabe, quando você vai embora os sentimentos e pensamentos se sentem crianças e como crianças se rebelam , caindo, se machucando e machucados choram.
 
Tentei conversar com você, mesmo em meio a toda confusão. Tenho tentado conversar comigo mesma também, mas os meus ouvidos têm se negado a ouvir essa minha própria  voz embargada e incapacitada de traduzir todos os meus ruídos internos. Meus sentimentos  andam subornando meus pensamentos, minando a minha frágil resistência.  
 
Estou aqui, exatamente por isso. Para lhe dizer que reverbera em meus pensamentos as suas  palavras ditas quando foi embora:  as coisas acontecem ao acaso Eu, sinceramente,  não acredito em acasos quando existe sintonia e quando a sua presença “amor” é de fato real.
 
Estou aqui, porque descobri que preciso silenciar as palavras e, conseqüentemente, os meus sentimentos. Estou na exaustão. E na exaustão não tenho conseguido controlar os meus ímpetos de deixá-los adormecer. Para silenciá-los farei como se faz com uma criança quando está muito cansada. Os pegarei no colo, falarei baixinho em seus ouvidos, cantarei alguma canção de ninar e os amarei suavemente.
 
Na busca do silêncio descobri que mesmo fugindo de você, preciso amar cada sentimento meu, cada pensamento, cada atitude, cada solução encontrada, porque tudo isso sou eu. Como isso você faz bem, eu consigo amar a minha raiva, a minha tristeza, a minha alegria, o meu cansaço, os meus limites, a minha liberdade, o meu perdão, a minha maneira de ser e a maneira de ser dos outros, o meu amor.
 
Aproveito para lhe dizer que, graças a Deus, você é a audácia mais generosa e completa da vida. Sem você, não existe fascínio, nem sonhos.

Obrigada por você existir.