Toda fé não seria assim uma espécie de idolatria?

Em resposta a um comentário de um leitor e escritor deste site sobre a poesia Idolatria, resolvi escrever essa resposta.

Toda fé não seria assim uma espécie de idolatria? Pergunta o leitor.

De certa forma sim. A fé é um instrumento útil e perigoso ao mesmo tempo à medida que interfere ou não no poder de comando de si mesmo, no dominador e no dominado.

Quando escrevi essa poesia, eu tinha acabado de fazer uma excursão com alunos de uma escola pública a dois lugares públicos do Rio de Janeiro, o Museu da República e o Jardim Botânico.

No Museu da república o dominador era a história, o dominado o aluno interessado pela história.

No trajeto entre o Museu e o Jardim Botânico houve um momento de confusão entre dominado e dominador. Uma mulher, catadora de papelão chamou a atenção dos alunos. Havia ali uma necessidade de um artista e de uma platéia. Os alunos mexiam de um lado e a artista respondia do outro. A cada incentivo de um lado, a resposta do outro. Um oferecia o espetáculo e o outro o aplauso. Havia ali uma relação de inter-ação. Ora um dominava, ora o outro.

Quando chegamos ao Jardim Botânico, encontrava-se ali, fazendo uma gravação, a cantora evangélica muito famosa Aline Barros. Percebi visivelmente a força dominadora do ídolo sobre o seu admirador. Naquele momento visualizei a presa entorpecida pelo olhar da serpente, a ponto de se deixar dominar facilmente.

Mais tarde, já no final da visita, encontramos a cantora Vanessa da Mata. Fui até a lanchonete fazer um lanche e a encontrei sentada com dois ou três rapazes. Percebi, mas fiquei quieta. Quando os alunos perceberam a presença da moça, mais uma vez aquela reação aconteceu.

Essa idolatria acontece diariamente. É o pastor da igreja sobre os freqüentadores de seu templo, o padre sobre a clientela, o professor sobre o aluno, a novela sobre o telespectador, a propaganda sobre consumidor, o marido sobre a mulher e vice versa, a bunda ou o peito grandes, os óculos grandes, as bolsas grandes, a academia de ginástica, etc. Essas são as prisões do dia a dia que exercem fascínio sobre a fraqueza de um dominado.

O sistema é dominador. Ele exerce influência exagerada sobre o dominado.

Esse elo de ligação só será rompido quando não houver mais interesse de um sobre o outro. A liberdade acontecerá no momento em que houver a conscientização daquele fascínio, ou no momento em que ocorrer uma insanidade mental onde o julgamento alheio não tem mais importância.

MARLENE LEOCADIO
Enviado por MARLENE LEOCADIO em 31/08/2008
Código do texto: T1154485
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