As últimas palavras de um suicida...

Há tempos tenho um pensamento que não sai da cabeça: Na vida, nada sai como a gente quer, é bem verdade. Pois de todas as coisas boas que tentei realizar nesses últimos anos, não passaram de tentativas frustradas e sem resultado algum. É, os psicólogos dizem que nunca devemos desistir ou nunca é tarde pra começar, mas chega a determinados momentos que isso cansa. Você vê que não é verdade. Sério!Olhem só o que aconteceu:

Há algum tempo eu entrei para a faculdade, sabem, sonho de jovem, futuro promissor, aquelas coisas todas... Bem, meu sonho (sé que eles existem) era trabalhar com informática, gosto dos computadores, mas o trabalho não estava fácil e a grana curta, então acabei fazendo o vestibular para biologia, nada a ver eu sei, mas foi o que bateu com meu salário. Bem, estava no 3º semestre se não me engano, já havia feito amizades (Bah!) minhas notas não eram ruins, mas o cachorro do meu chefe me deu um chute pra rua, graças a inveja de meus colegas de serviço, é só alguém ver que tu tá batalhando pra subir na vida que já tentam te derrubar, é sério, são poucos os que te ajudam. Daí vocês sabem, tive que cancelar minha matrícula, e lá se ia meu futuro.

É! A gente sofre na vida, ai vem alguém e te da o seguinte conselho: Você não pode se queixar, há sempre outras pessoas que estão numa situação pior que a sua, sofrendo mais. Eu não consigo entender esse pensamento, não me deixa mais “feliz” saber que tem outros numa merda pior que eu, não sei pra vocês, mas isso me deixa mais triste ainda.

Alias, motivos não me faltam, sabem, há uns dois meses minha mina me largou, é não tinha falado antes, mas eu tinha começado uma relação legal com uma pessoa (que eu achava) bacana. Mulher é bicho triste, acaba o dinheiro, acaba o amor. QUE PORRA DE GERAÇÃO CONSUMISTA ESSA! Carro pra cá, academia pra lá, tragos, festas, pra eles é fácil, tem tudo pago pelos “papais”. Não há com o que se preocuparem. Não, não pensem que essa pequena amostra de ira é inveja. É INDIGNAÇÃO mesmo! Materialismo nunca me chamou a atenção. Bem, continuando, eu achava que conhecia a mina, mas as pessoas tiram suas máscaras de uma hora pra outra, muitas vezes nos momentos que tu mais precisa! Pude manter nossas baladas até as próximas 3 semanas depois que sai do trabalho, mas ai fiquei zerado, daí numa sexta de noite ela disse: Olha cara! Acho melhor a gente dar um tempo, tô com uns problemas a mais sabe, vou ter que dar umas bandas por aí, até mais...

A vadia virou as costas e se foi, não pensem que fiquei triste na hora, Fiquei furioso mesmo, larguei um grande palavrão em sua homenagem, fechei a porta e tomei a última latinha de cerveja que eu tinha reservada. Me acalmei, mas a única coisa que eu queria agora era botar a vida dela no chinelo. A desgraçada pagaria pra ver.

Mas acho que Deus tá do lado deles, é, acreditem...

Meu pai morreu ano passado e minha mãe ficou fraca da cabeça, sei lá porque. O médico tentou me explicar, mas eu estava tão chateado que não prestei atenção, 3 meses depois, ela entrou em estado vegetativo, o médico tentou remendar a situação, mas senti que era o fim pra ela. Era degeneração total cara! Talvez poucos dias para a morte cerebral levar ela de vez desse sofrimento. As vezes a morte é o melhor caminho.

Há 2 dias fui despejado do apartamento onde morava, ninguém aluga de graça, sem dinheiro = sem aluguel, daí vim parar nesse abrigo onde escrevo essa carta agora. Não é tão ruim aqui, tem quartos separados sabe.

Minha única esperança era a herança, ERA porque descobri ontem que os bens que meu velho levou a vida inteira pra conseguir foram hipotecados para pagar as dívidas, ao que parece ele deve ter gasto um monte com essas burocracias, tentando nos dar uma vida melhor. Sádicas asas as do destino não? Resumindo: NEM UM CENTAVO DE HERANÇA!!

Pedir esmola é humilhante cara. E pensar que eu tive a oportunidade de ter um futuro, não era bem o que eu queria, mas era melhor que isso... Começo a chorar agora, as lágrimas caem no papel borrando a tinta, mas eu não me importo, ninguém se importa ou importará. Se tivesse na faculdade estaria me formando, mas o local de minha formatura é na sarjeta, meus convidados são ratos, meus professores são velhos mendigos, minha música o som de carros barulhentos, meu certificado... tem uns quantos na lata de lixo.

Consegui com uns garotos ontem um pouco de cola de sapateiro, alivia a tristeza, mas não cura. Nunca pensei que teria de apelar pra essas coisas. Merda! O pior é o que vou contar agora, sabem aquela vadia de quem falei antes, passou por mim hoje, estava acompanhada de um amigo meu (se é que ele se lembra ainda), fazia medicina, começou uns 2 anos antes de mim, iam em direção ao clube, é, eu vi os comentários, todos estão se formando hoje, hoje é a festa. Pude ver aqueles que foram meus colegas lá na frente, alguns passaram por mim, ninguém me reconheceu, eu não quis chamar atenção, não estragaria a noite dos caras, pelo menos acho que eles não iriam curtir a festa se me vissem nesse estado. Eram meus camaradas. Mais um sarcasmo do destino, pelo menos assim interpretei, um deles me jogou uma moeda de cinqüenta centavos, caiu nos meus pés:

- Pega aí amigo – falou ele – hoje é um dia especial pra mim, Estou me formando hoje e quero todo mundo feliz. Ei! Você não me é estranho, eu te conheço de algum lugar?

- Não – respondi tentando disfarçar a voz – acho que é só uma impressão, obrigado pela moeda, vá, desejo-lhe uma boa festa, estou feliz por você.

E ele se foi, fez um sinal de positivo pra mim enquanto partia, e eu o respondi com o mesmo gesto, daí então comecei a caminhar, primeiro sem rumo, depois vim para cá. Trouxe uma corda que achei numa lixeira em um beco aqui perto, essa corda será a minha passagem! Neste quartinho há uma pequena janela na parede de trás, no canto esquerdo superior, quase encostada no teto, foi onde coloquei uma extremidade de barra de ferro que peguei escondido dos materiais do abrigo, a outra extremidade coloquei na saliência em cima da porta, de forma que a barra pode rolar facilmente. Bem no meio da barra atei a corda em nó de forca, subirei na cama de madeira velha, colocarei a forca em volta do pescoço, e com os olhos fechados saltarei para frente, fazendo a barra rolar, e não terá lugar onde apoiar os pés. Alguns minutos de agonia e nada mais. É, essa é a minha saída. Se não encontro felicidade aqui, vou procurar em outro lugar.

Olho para a forca como se ela fosse um portal, do qual eu vou sair dessa situação para um desconhecida, não sei o que me espera do outro lado, mas com certeza será melhor que isto! Lembro de toda a minha vida, as pessoas dizem que a gente lembra de tudo minutos antes de morrer. Para outros, essas lembranças trazem remorso, arrependimento, e o último pedido de perdão. Mas para mim elas trazem uma vontade maior de me matar.

Realmente não tenho mais nada a escrever, deixo essa confissão (ou explicação, um termo melhor) à quem quiser ler (se é que se importa...) e também pra polícia não ficar azucrinando o pessoal do abrigo, são gente boa.

Espero que de certo!

Obrigado à quem leu essas derradeiras palavras...

A.

Andrios S Moreira
Enviado por Andrios S Moreira em 01/03/2006
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